Paraty, 29 de julho de 2017
Há dois anos, nesta última semana de julho, devolvia junto com o/a que não gerei, mas amo como se o tivesse feito, pois me ensinaram a praticar sentidos de maternagem preta: André Ribeiro e Lara Ribeiro – ao universo e em sua terra natal, Canavieiras, Sul da Bahia, as cinzas da que me pariu, Nemésia Santos – PRESENTE. Assim como, cinco meses depois, exatamente, 10 de dezembro de 2015, nas águas do Atlântico, sob o lindo pôr do sol do ARPOADOR, Zona Sul carioca, as cinzas de Loretto – aquela que tem sido citada, tantas vezes, por nós, que, hoje, aqui (FLIP2017 – Casa Amado Saramago), lançamos nossa pesquisa das visíveis, as que conseguimos fazer emergir do Sobrado de Mamãe. O que está debaixo d’água, das águas turvas do Racismo, sistema-mundo que nos adoece, invisibiliza, subalterniza, nos ensinando a dizer que “Não podemos ser o que desejarmos ou quisermos ser”.
Estar aqui, hoje, é dizer a cada uma das pessoas presentes, mulheres negras, principalmente, sou o que venho desejando ser, mesmo quando e como, na maioria dos casos, das mulheres negras que amo e admiro – e não são poucas – não aprendi/aprendemos nas instituições que nos forjaram. Aqui me refiro a que conheço bem, a Escola, em suas diversas e múltiplas hierarquias do conhecer – FATO – ao saber aprender nossos desejos de SER.
Voltando ao Sobrado e à Trindade, nomeada Azoilda Loretto. Ela buscou, ao longo dos quase trinta anos de nossa militância em prol do Diálogo entre Povos, aprender e ensinar que “Precisamos celebrar as conquistas e ver as instruções dos nossos fracassos.” .
Hoje, estou aqui para celebrar minha parceria com a vida, com a “Potência Z”, referência ao saber de Beatriz Nascimento – PRESENTE – a brilhante intelectual, assassinada pelas águas turvas, citadas. Celebrar Carolina Maria de Jesus e dizer com ela “Não, senhor, ninguém pode apagar as palavras que eu escrevi” e transgredindo, dizer: Senhoras, todas aqui presentes, o Catálogo Visíveis representa nossa força, força esta ainda submersa à espera do mergulho para que emerjamos com o ouro, a prata e os diamantes que nos alumiarão a um novo tempo, um tempo onde possamos, de fato, sermos o que desejarmos, sem as águas turvas, sem impossibilidades fragilizantes e adoecedoras. E com Azoilda, que me alumeia em meu dizer – “É preciso despir-se do que não se é. Criar uma nova maneira de viver, um Pedagogia do SER. Começar pelo reconhecimento do que sentimos de verdade e ter coragem para transformar as emoções sombrias.” Azoilda Loretto da Trindade, aqui presente, foi quem me possibilitou o encontro com Giovana Xavier, intelectual negra visível, há muitos anos e em uma formação visível, o Projeto A Cor da Cultura, que tornou visível a querida Ana Paula Brandão, aqui presente e um presente.
Zó, Zozinha, Zózima, como gosto de dizer, em sua maternagem, “adotou” diversas mulheres negras, dentre elas Giovana, que esteve presente ao ritual das cinzas e em tantos outros momentos de acolhimento ao cuidar de Loretto. Mais ainda, eu ouso afirmar que o fato de eu estar aqui, celebrando esse catálogo, tem o desejo realizado de Trindade – desejo de ver a tríade Militância, Academia e Educação Básica – Recordando: Reencontrei Giovana e caminhamos de mãos dadas na construção do Grupo Intelectuais Negras até ele chegar ao formato de hoje, institucionalizado, forte, coerente e consistente na UFRJ. Neste caminhar amoroso e cuidadoso, forjamos a campanha Vista Nossa Palavra, nome dado com a contribuição de Conceição Evaristo e sua generosidade Pré-FLIP 2016. Ao conversarmos por telefone, ela sugeriu trocar Vista nossa Pele por Vista Nossa Palavra. Nessa Campanha, ensinamos e aprendemos que ser visíveis é um ato revolucionário e essa revolução pode ser iniciada nos espaços ocupados por nós e nos nossos termos, sempre. Como todas nós sabemos, nos tornamos visíveis ao “Arraiá da Branquidade” e reverberamos diamantes que nos alumiaram em nossas potências e nosso caminhar até chegarmos aqui, ali, acolá, unidas na busca de caminhos cuidadores de nossas dores – aquelas da invisibilidade de nossos sonhos submersos, fragilizando nossas forças – nos tornando alvos do que aprendi com Ana Maria Gonçalves – pois ela quem me trouxe como um conselho de um homem branco – Millor Fernandes – “Você tem talento, por isso tome cuidado. É a única coisa que vaza por cima.” E “Gente é o começo de tudo.”
E como gente é o começo de tudo, saúdo as visíveis, as invisíveis e as que ainda não sabem o que desejam ser, com o Sobrado de Mamãe, convidando-as à força que nos alumeia. Cantemos:
O sobrado de mamãe – Domínio Popular
O sobrado de mamãe é debaixo d’água
O sobrado de mamãe é debaixo d’água
Debaixo d’água por cima da areia
Tem ouro, tem prata
Tem diamante que nos alumeia
Gratidão ao universo por conhecer tantas mulheres fodásticas desse território, onde abriremos caminhos para novos catálogos visíveis, pautados nos termos que quisermos ter. Saravá!