Estou a meses lendo o livro O feminismo é para todo mundo (Feminism is for everybody: Passionate Politics, Editora: South End Press (1 de outubro de 2000)) da bell hooks, e a cada leitura é um aprendizado de como feminismo pode moldar nossas vidas e sociedade, ambos para suas melhores versões.
O livro, como a própria bell coloca no início dele, foi um desejo pessoal dela de expor a verdade sobre o movimento feminista, de acabar com as falsas idéias que circulavam (e até hoje continuam circulando) sobre o que o Feminismo se propõe.
“Feminismo é um movimento para acabar com o sexismo, a exploração sexista e a opressão.” Capítulo Aproxime-se do Feminismo
Eu entendo e uso o Feminismo como um movimento para acabar com o sexismo e machismo da nossa sociedade, e mais, ele amplia com outras vozes de Mulheres (além da vivência da Mulher Branca e da elite) o combate ao Racismo, a Transfobia, Lesbofobia, com as vozes das Mulheres PCD’s, e tantas outras. Claro, respeitando as devidas designações que adicionam significado a palavra Feminismo: Feminismo Negro, Feminismo Trans, etc.
bell, no livro, acredita que com o Feminismo “[…] será possível para nós sermos homens e mulheres auto-realizada/os, capazes de criar uma comunidade de amor, para vivermos juntos, realizando nossos sonhos de liberdade e justiça, vivendo a verdade que somos ‘criadas e criados iguais‘”*
O livro Feminism is for everybody provoca reflexões em situações do nosso dia-a-dia, que são regidos pelo sistema patriarcal. E dentro desse contexto bell também se propõe a falar sobre Amor e Espiritualidade.
“Apesar da limitação do discurso feminista em sexualidade, políticas feministas são o único movimento por justiça social que oferece uma visão da bem-estar mútuo como consequência da sua teoria e prática. […]”
Trecho do capítulo Uma política sexual feminista: ética da liberdade mútua
Assim como o tópico entre sexualidade e as relações de dominação e subordinação que fazem parte dos relacionamentos baseados no sistema patriarcal, bell também se propõe a falar sobre Amor e Espiritualidade.
Afinal Amor e Espiritualidade são antagônicos ao Feminismo?
“[…] Não há amor quando há dominação.”
Frase do capítulo Amar de novo o coração do feminismo
bell desafia a noção do amor que o patriarcado prega em nossa vidas, que vou chamar de amor romântico patriarcal:
“[…] Amor na cultura patriarcal foi relacionado às noções de possessão, a paradigmas de dominação e submissão onde se assumiu que uma pessoa daria amor e outra receberia isso. […]”
Em um sistema patriarcal, o masculino é priorizado e dado a ele poder, e nas relações romantico-afetivas o homem usa disso:
O amor romântico patriarcal não é exclusivo a relações heterossexuais. É um dos entendimentos que tenho nas muitas falas de bell ao longo do livro, e de relatos pessoais que já escutei. Mas esse não é meu lugar de fala e convido as pessoas em suas relações, não heterosessuais, a expressarem sua opinião sobre o assunto.
Enfim, bell propõe repensarmos o Amor, para aquele que se baseia no mútuo, em relações simétricas de afeto, sem possessão.
“amor age para transformar a dominação”
“[…] Na realidade, o bem-estar emocional das mulheres e dos homens seria melhorado se ambas as partes adotarem o pensamento e a prática feministas. Uma verdadeira política feminista sempre nos leva das restrições à liberdade, da falta de amor ao amor. A parceria mútua é a base do amor. E a prática feminista é o único movimento para a justiça social em nossa sociedade que cria as condições em que a mutualidade pode ser nutrida.”
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Chamamos de sistema patriarcal, de sistema racista, pois não se trata de casos isolados de violência contra a Mulher e a pessoas Negras. Quando falamos de um sistema, ele perpassa as dinâmicas do nosso dia-a-dia (piadas racistas) à práticas institucionalizadas de racismo como a Polícia brasileira que mata jovens negros a rodo e a sociedade e estado agem como se isso fosse um indício normal (normal para quem é branco ou quem pensa como a branquitude). E não deixemos de falar que o Brasil é o país que mais mata transexuais e travestis.
A violência contra esses grupos se dá como consequência da manutenção de um sistema que insiste em ensinar, sim ensinar, que homens podem isso, que isso não é coisa de Mulher, que cabelo tem que ser liso, que quem quer consegue “subir na vida”, por que estava vestindo isso, o que estava fazendo ali àquela hora?, que existem homens e existem mulheres e tudo atrelado a seus órgãos genitais, somente e respectivamente, etc.
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O Amor e a Espiritualidade não estão fora desses sistemas de opressão.
“Espiritualidade feminista criou um espaço para todas as pessoas interrogarem sistemas de crenças ultrapassados e criar novos caminhos.
Representando as divindades em diversas maneiras, recuperando nosso respeito pelo sagrado feminino, tem ajudado a encontrar novas maneiras de afirmar e/ou reafirmar a importância da vida espiritual.”
No capítulo Espiritualidade Feminista, bell hooks explora como as matrizes Cristãs foram moldadas também no patriarcado: sim o tal “amor cristão” também desmerece a mulher, e privilegia o homem em relações de opressão. Isso porque só estou me propondo a analisar a questão gênero, mas também podemos explorar essa afirmação com a comunidade LGBT.
Mas bell também coloca que houve/há uma disruptura dessas bases no Cristianismo, quando relata:
“Quando as Cristãs feministas começaram a oferecer críticas centradas na criação e interpretações da Bíblia, das crenças cristãs, Mulheres foram capazes de se reconciliar com suas políticas feministas e sustentar o comprometimento com a prática Cristã.”
Para além do Cristianismo, que foi um dos mencionados aqui, também para outras bases religiosas devemos nos perguntar e desafiar nossas crenças e o que elas nos fazem a outras pessoas. E de onde isso tudo surgiu? Quem as escreveu?
Não só a questão do desafio a um pensamento que lhe foi ensinado, é repensar o papel da sua fé em relação a outras pessoas, e como você a usa para atingi-las.
“Fundamentalismo não só encoraja pessoas a acreditar na desigualdade como natural, ela perpetua a noção do controle do corpo feminino como necessário.”
E por uma questão de que a busca da espiritualidade é intrínseca à humanidade. É preciso discutir o papel das religiões nas perpetuação das opressões. E existem exemplos e reflexões recentes que demonstram isso:
- Para construir igreja evangélica, policial ataca terreiro de Umbanda e ameaça família
- Atos da transfiguração desaparição ou receita para fazer um santo
“Logo no começo, o movimento feminista lança uma crítica a religião patriarcal, que tem tido profundo impacto, mudando a natureza da adoração religiosa na nossa nação. Expondo a maneira do dualismo metafísico ocidental (a suposição que o mundo pode ser sempre entendido pelas categorias binárias, que há um inferior e um superior, um bom e um mau) foi a fundação ideológica de todas as formas de grupo de opressão, sexismo, racismo, etc, e que tal pensamento formou as bases dos sistemas de crenças Judia-Cristã.”
E portanto, as religiões devem ser repensadas. Afinal mesmo com o divino envolvido há sempre o intermediário, a humanidade, para contar como esse divino se deu. Há de se perguntar quem criou o tal Divino. E que o Divino pode ser feminino.
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Eu não tenho conhecimento se há uma edição em português do livro Feminismo é para todo mundo, mas quem tem o privilégio de ler em Inglês é uma ótima fonte de conhecimento sobre o Feminismo, sua história, Feminismo Negro, o papel das lésbicas no movimento, relações de classe, direitos reprodutivos (assunto tão necessário e em evidência com a PEC 181).
Espero que logo tenhamos a edição traduzida para termos mais inclusão nos debates feministas. Não que não tenhamos aqui nossas companheiras que desafiam os pensamentos sexistas e racistas da nossa sociedade brasileira:
Canal Afrontamento por Uana Mahin
Além de termos recentemente os dois livros de Angela Davis:
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Coincidentemente, Amor e Espiritualidade, têm sido dois temas que pessoalmente tenho procurado, e ter esses dois tópicos entrelaçados com os tópicos feministas, me ajudam a moldar os meus pensamentos de mim e sobre a sociedade.
*apesar da afirmação da bell hooks ser no homem e mulher, precisamos ampliar o debate para o não-binário. eu entendo que o mundo não deve ser enxergado somente entre homens e mulheres.
*Imagem destacada: Da série GreenLeaf, Grace é uma pastora e durante o seriado demonstra atitudes feministas.