Dia 19 de maio de 2018, Andaraí, zona norte da cidade do Rio de Janeiro. Pela manhã ensolarada de um sábado, sozinhas ou em grupos, mulheres negras de diversas gerações, origens, movimentos e territórios fluminenses, iam chegando, se juntando e colorindo o azul e branco do Clube Renascença para formar um mar de gente que luta diariamente contra o racismo e a violência de gênero, pelo bem viver.
Era o Lançamento da Rede de Mulheres Negras do Estado do Rio de Janeiro, abrigado gentilmente pelo Clube Renascença. Nanci Rosa, da diretoria do clube, destacou “a importância da Rede de Mulheres Negras estar nesse espaço (…), um solo sagrado, que está aberto para as mulheres, com respeito e dignidade”. Solo que mais uma vez cumpriu essa missão, ao ser palco do “sim à Rede” por mais de 180 mulheres negras do estado do Rio de Janeiro. Para Rosália Lemos, do grupo E’LÉÉKÒ: Gênero, Desenvolvimento e Cidadania e do NEABI IFRJ Campus Nilópolis, o lançamento significou “um andar com as próprias pernas de forma independente, para atuar de maneira integrada e incisiva em todos os espaços, com o objetivo de combater o racismo, a violência.”
“Vivemos momentos difíceis e acredito que a Rede responde à necessidade de amadurecimento, de unidade na pluralidade, frente aos desafios postos no combate ao racismo, ao sexismo, à violência contra as mulheres negras e suas comunidades”, afirmou Wania Sant’Anna. A importância de unir as ações das mulheres negras como estratégia de enfrentamento ao racismo foi unanimidade nas manifestações das presentes, a exemplo de Jurema Batista, atualmente Subsecretária de Inclusão Produtiva na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social da cidade do Rio de Janeiro, que afirmou que “o que nos une é a luta de combate ao racismo, porque tá morrendo filho de crente, de povo de terreiro, filhos de lésbicas e de héteros”, acrescentando que “a luta antirracista é pela sobrevivência da população negra”.
O contexto atual de violência também foi uma temática presente. “Nós conhecemos a repressão, nós sabemos o que é intervenção e o que está orquestrado para nós não é fraco. Estão matando demais nossa garotada”, lembrou Adelaide Afonso, do CENIERJ – Coletivo de Negros e Negras do Interior do Estado do Rio de Janeiro. O estado do Rio de Janeiro vem enfrentando um contexto de Intervenção Militar, e vivencia uma crise profunda, provocando a redução de todas as políticas públicas, o que tem atingido violentamente a juventude e as mulheres negras.
Diante do quadro que se agrava dia a dia, mulheres negras, forças motrizes da nossa resistência enquanto povo negro, decidiram unir seus diversos e históricos movimentos antirracistas e do feminismo negro em uma iniciativa de atuação em rede. Iniciativa localizada também num contexto de continuidade e renovação do movimento de mulheres negras, seguindo os passos da Marcha das Mulheres Negras 2015 – Contra o Racismo, a Violência, e Pelo Bem Viver, com vistas à mobilização para o Encontro Nacional de Mulheres Negras – 30 Anos e à organização do 2º Encontro Estadual de Mulheres Negras.
Lúcia Xavier, coordenadora da ONG Criola, pontuou que “seguimos os mesmos passos daquilo que definimos na Marcha de Mulheres Negras de 2015, que é juntar a diversidade de mulheres negras (…) para melhorar a qualidade de vida, das mulheres, das crianças, das jovens, da população em geral.” Neusa das Dores, diretora da ONG Coisa de Mulher, por sua vez, lembrou com orgulho de sua participação na comissão organizadora do 1º e do 2º Encontro Nacional das Mulheres Negras e afirmou sua disposição e de outras companheiras que estavam presentes: “Nós estaremos aqui sempre!”.
Nesse sentido, “funcionar como polo de convergência para o desenvolvimento de ações conjuntas, bem como um local para abrigar instituições e mulheres negras que estão desenvolvendo atividades em diferentes frentes em nosso estado”, conforme pontuou Rosália Lemos, é o intuito da Rede. E o pontapé inicial já mostrou o seu potencial agregador, com a presença e fala de mulheres em várias frentes de atuação, reafirmando a diversidade das pautas provenientes das dinâmicas de poder relacionadas a gênero e raça e a importância da iniciativa da Rede.
“Nós temos muitas mulheres quilombolas sendo assassinadas, na luta pela terra, pelo território, pelas políticas públicas.”, declarou Ivone Bernardo, presidente da Associação Estadual de Comunidades Quilombolas – ACQUILERJ e membro do CONAQ – Coordenação Nacional de Comunidades Quilombolas. “O Rio de Janeiro foi precursor do movimento de lésbicas brasileiras”, lembrou Rosangela Castro, do Grupo de Mulheres Felipa de Sousa, do Candaces – Rede Nacional de Lésbicas negras e da ABL – Articulação Brasileira de Lésbicas. “Nós precisamos disso, nós precisamos refazer o caminho”, afirmou Clátia Vieira do Fórum Estadual das Mulheres Negras do Rio de Janeiro.
Seguindo as saudações das mulheres que compuseram a mesa, o microfone passou por cada uma das presentes para se apresentarem, passarem informes e dizerem sua posição em relação à criação da Rede. Entre elas, as integrantes do movimento de Mulheres Negras da Região dos Lagos – Rede das Pretas, advogadas do Grupo de Trabalho Mulheres Negras da OAB Mulher RJ, as Mulheres do Calabouço, mulheres negras de movimentos da Baixada Fluminense do estado do Rio de Janeiro e de pastorais afro.
A importância da participação política partidária foi bastante ressaltada também, incluindo a questão da disputa por poder nos espaços legislativos. Estiveram presentes a deputada federal Benedita da Silva e as pré-candidatas Verônica Lima, vereadora da cidade de Niterói, Thais Ferreira, e Renata Souza, que foi chefe de gabinete da vereadora da cidade do Rio de Janeiro, Marielle Franco, executada por um estado racista, sexista e LGBTfóbico.
Entre as falas das presentes, intervalos para dar informes sobre o Encontro Nacional de Mulheres Negras – 30 Anos, cuja primeira reunião foi realizada no dia 5 de maio de 2018, no Guará, Distrito Federal, quando foi confirmada a realização do Encontro no mês de dezembro, em Goiânia, Goiás.
O intervalo do almoço contou com torradas de Eliana Custódio e com feijoada, caldo de mocotó e sopa de ervilha, gentilmente e afetivamente cozinhados entre a tarde do dia anterior e a madrugada do dia do lançamento por um grupo de mulheres que foi batizado de Grupo de Trabalho (GT) Rede Gourmet, contando com a participação de Ana Cristina Duarte, Maria Alice dos Santos, Regina Ungaro, Tânia Müller e Rosália Lemos.
O encontro contou também com uma pequena feira de empreendedoras, como Josina Cunha, Lenilda Campos e Luciene Fortuna. Teve inclusive sorteios de um turbante por Lenilda Campos e de cinco bolsas por Luciene Fortuna, da Dguetto Estamparia.
Colaboração foi a palavra de ordem do dia, porque um encontro como esse só foi possível com ela. Desde a doação do espaço, intermediada por Nanci Rosa, o esforço do GT Rede Gourmet, o suporte na organização por Marina Marçal, coordenadora da GT Mulheres Negras da OAB Mulher RJ, passando pelo registro audiovisual voluntário de Mariana Maiara e Rudá Lemos, o apoio de Marta Araújo, auxiliar de cozinha do clube, de Alexandre Dias, que operou o som e da ornamentação com flores por Lilly Paiva, também voluntária. Com igual importância, a doação do tempo valioso de todas as mulheres negras inspiradoras que se fizeram presentes foi fundamental para o sucesso do encontro.
Foi um momento para recordar a valiosa memória viva do movimento de mulheres negras no estado, bem como repactuar parcerias, sem desconsiderar os conflitos existentes, mas buscando potencializar nossas práticas no sentido do difundido verso que diz: “Eu sozinha ando bem, mas com você ando melhor”.
No meio da tarde, enquanto o encontro terminava, veio ventania e tempo fechando. Uma tempestade tomou conta de toda a cidade. A alegria de ter vivido esse momento, a sensação de tarefa cumprida e de missão à frente, permaneceu, como é de praxe entre as mulheres negras. Passamos por tempestades, não sem nos molhar, mas com certeza da importância de resistirmos, mesmo com todas as dificuldades. E se pudermos fazer isso juntas, nos cuidando, os ventos estarão ao nosso favor.
Mulheres negras movem o Rio de Janeiro, ontem, hoje e sempre!
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