Andressa Mourão Duarte
Pouco sabemos sobre a trajetória das nossas origens no caminho percorrido até o sul do Brasil, segundo Clóvis Moura (2014), a África era (e ainda é) um mosaico de culturas e não aquele conglomerado de indivíduos igualados no nível de semianimalidade como apregoavam os colonizadores. Não sabemos com exatidão quais as funções que exerciam em suas organizações sociais, se eram reis, rainhas, nobres, artesões, etc. O que sabemos é que nós, os negros do Sul (e de outras localidades do Brasil), somos constituídos tanto individualmente, quanto grupo social, de diferenças, sejam essas culturais, hábitos e/ou costumes.
Existe uma dificuldade de aprofundarmos os estudos sobre a presença do negro na história e cultura do Rio Grande do Sul, o que comumente nos alcança são as versões românticas, como a ideia de que a Revolução Farroupilha foi uma ação concordante, ou que teve um caráter abolicionista, sendo que se tratava de uma revolta reivindicatória das elites gaúchas, que se sentiam prejudicadas com a política econômica regencial, além da elite econômica rural, proprietária de negros em condição de escravos, tinham interesse na supressão da escravidão. (Euzébio Assumpção. 1996. P 19).
No entanto, há uma imensa necessidade tradicionalista de preservar uma história mítica de heroísmo, exaltando e preservando uma idealização de “orgulho gaúcho”, como se de fato os farrapos tivessem lutado pela liberdade de toda a população gaúcha, sendo que, desde seu início a luta farroupilha contou com a contribuição dos Lanceiros Negros, estes que nunca vemos exaltados nas comemorações de 20 de setembro.
É de suma importância que atentemos a história da revolução farroupilha à Traição dos Porongos, trata-se do ataque planejado por acordo firmado entre Duque de Caxias e David Canabarro contra os Lanceiros Negros, pois, segundo Euzébio Assumpção,
[...] Duque de Caxias ordenou que o Coronel Francisco Pedro de Abreu atacasse o acampamento farroupilha no dia 14/11/1844, e que o mesmo não temesse o resultado do confronto, pois a infantaria farroupilha, composta por escravos, estaria desarmada. Por ordem de Canabarro, conforme “acordo secreto” entre ambos. Desta forma, como o auxilio de Canabarro, a infantaria negra foi covardemente massacrada. Como prova inequívoca de que o alvo era apenas os Lanceiros Negros, escreveu Caxias a Abreu: “No conflito poupe o sangue brasileiro quando puder, particularmente de gente branca da província ou índios, pois bem sabe que esta pobre gente ainda nos pode ser útil no futuro”. (1996. p20).
É nítido que o único alvo desse massacre eram os Lanceiros Negros, a traição de porongos é um marco na história do RS, principalmente para a população negra gaúcha, marca essa que ainda é sentida através do racismo, manifestadas em violências e exclusão, como por exemplo a ausência e invisibilidade dos negros como protagonista nas história e tradições gaúchas.
Neste sentido, Clóvis Moura (2014) é assertivo em afirmar que, durante a escravidão, o negro transformou todos os padrões de suas culturas em cultura de resistência social, uma vez que,
cultura de resistência, que parece amalgamar-se no seio da cultura dominante, no entanto desempenhou durante a escravidão (como desempenha até hoje) um papel de resistência social - o que muitas vezes escapa aos seus próprios agentes, uma função de resguardo contra a cultura e estrutura de dominação social dos opressores. ( p.242).
Por fim é possível declarar que, o massacre do Lanceiros Negros se ressignifica e se simboliza em ato político, em especial para toda a comunidade negra no território gaúcho, transcendendo as demarcações do tradicionalismo vigente. Cabe demarcar nossa territorialidade no exercício de excluir as simbologias que ignora os negros do sul enquanto cidadãos dignos e dignas de uma história contada por outros vieses e perspectivas, que rompa com as idealizações da elite gaúcha dominante e que nos tire do esquecimento e da marginalização da dita “ tradição gaúcha”.
Bibliografia
MOURA, Clóvis. Dialética do Brasil Negro. 2 ed. SP: ed Anita Garibald, 2014.
_______. Rebeliões da Senzala. 4 ed. PoA. Ed Mercado Aberto, 1988.
ASSUMPÇÃO, Euzébio; MAESTRI, Marcio (coods). Nós, os afro-gaúchos. PoA. Ed UFRGS. 1996.
Imagem destacada: Blog Viva São Miguel