Por Jaqueline Alves Torres para as Blogueiras Negras
Hoje, pela manhã, lendo sobre decoração, deparei-me com esse texto no Caderno Ela do jornal O Globo, assinado por Alberto Renault:
(…) Depois de visitar mais de 300 residências no Brasil, nos deu vontade de ir além-mar, documentar as origens da casa brasileira, aquela tal qual a conhecemos depois que os lusitanos chegaram aqui trazendo telhas, pedras de cantarias, beiras, escravos e, claro, São José de azulejo. (…)
Li o texto umas 5 vezes para ter certeza que eu havia lido a palavra “escravos” em meio a descrição de materiais e objetos de decoração trazidos pelos portugueses ao Brasil e que, de acordo com o trecho “tal qual a conhecemos”, permanecem adornando a “Casa Brasileira” até hoje. Senti-me extremamente aviltada e ludibriada por ler um texto racista em um veículo de comunicação que declara entre seus Princípios Editoriais que as Organizações Globo “(…) defenderão intransigentemente o respeito a valores sem os quais uma sociedade não pode se desenvolver plenamente: a democracia, as liberdades individuais, a livre-iniciativa, os direitos humanos, a república, o avanço da ciência e a preservação da natureza. (…).
De forma bem simples, posso definir o racismo como um conceito social que separa as pessoas em superiores e inferiores, com base na cor de suas peles. Ao mencionar escravos em meio a objetos de decoração, a matéria demostra uma postura racista, já que reduz seres humanos, negros, a objetos e atenta contra os valores pregados pelo jornal, especialmente os relativos ao respeito aos direitos humanos.
Primeiro porque é, ou deveria ser, óbvio que nenhum ser humano deve ser tratado como uma coisa ou um objeto de decoração, segundo porque era assim mesmo, como coisas, que os escravos eram tratados no que foi a maior economia de base escravocrata de todos os tempos, bem aqui em nosso Brasil, período esse que deveria ser lembrado sim, para que não se repita, mas com tristeza, vergonha, respeito e solidariedade aos milhões de homens e mulheres negros que aqui foram explorados de todas as formas, torturados e mortos para a construção de nosso país.
Pessoas, gente, seres humanos, como eu, o Sr. Alberto Renault, que assina a matéria, e como você que lê esse email, e cujo o sofrimento jamais deveria ser esquecido. A escravidão deixou efeitos nefastos em nossa sociedade, evidenciados hoje pelas condições desiguais de vida de brancos e negros em nosso país, desigualdade que prejudica a todos. Para avançarmos como um país onde todos tenham o direito de viver com dignidade, precisaremos superar nossas mazelas de origem, sendo a principal delas o racismo e a matéria Linha Viva, do Caderno Ela, pela naturalidade com que comparou escravos a objetos, nos mostrou que ainda estamos muito longe disso, infelizmente.
Como mulher, negra, militante em defesa dos direitos humanos, gostaria de saber como o Jornal O Globo pretende se posicionar em relação a essa lamentável matéria.