Antes do senhor presidente vir falar de racismo reverso, quero dizer que se o racismo propriamente dito não existe, imagina o racismo reverso? Esse é impossível de acreditar, pois seria necessário que mudemos todo o contexto sócio-histórico que retroalimenta ideologias nas quais a maioria contribuem com suas interações com a sociedade. Nunca pensei que iria falar do BBB, já que seria mais fácil eu falar do BB, pois é o banco onde guardo meu pouco dinheiro e é falta de dinheiro que vem afetando grande parte da população nesta pandemia. Já tinham ranço antes, desde a vitória da Thelminha, não pessoalmente em relação a ela, mas pelo símbolo da preta tolerável que a mídia criou e a população engoliu sem nenhum esforço, enquanto o Babu era visto como seu oposto. Ah! Não nos esqueçamos de quem votou contra quem, desculpem-me todo texto tem brecha para uma discórdia.
E falando em texto, o primeiro BBB com metade de participantes pretos e o foco da galera naqueles corpos lidos como corpos-coletivos, isto é, se um é, todos são, excluindo desses corpos as características específicas e individuais que a branquitude resulta em si mesma quando é conveniente. Exemplos não faltam! “Veja isso, movimento negro?” Ainda, para piorar, as brancas nunca nos consideraram da luta feminista, sempre há um adjetivo na frente, feministas negras. Agora, quando a Conká fala em nome do feminismo, se fosse branca seria fada, mas como é preta, é bruxa mesmo, “a bruxa do feminismo branco”, até do feminismo negro também. Não sei como isso aconteceu, é uma pessoa que eu não chamaria para o jantar, mas que eu lutaria de todas as formas para que os estereótipos racistas e os mecanismos do dispositivo de racialidade não afetassem a mesma do jeito violento de sempre, que nada pode justificar isso, nem o caráter peculiar dessa artista.
O BBB me fez lembrar do Holliday:primeiro porque ele contribuiria bem com a estratégia midiática de pseudo inclusão. Que pena que o mesmo não foi convidado, mas sabemos bem que todos os escolhidos para reality-show não são escolhidos à toa, não é porque mereceu, é porque algo interessa no espetáculo das raças que a rede Globo vem promovendo com sucesso e conquistando entretenimento, através do fortalecimento de ideologias dominantes e da manutenção da escrotice branca na sociedade. Agora, todo preto ou preta deste país será julgado com outros rótulos: essa preta Lumena, essa preta Conká, esse preto Nnegro Di, por exemplo. E o Fiuk, tanto branco Fiuk por aí… e ninguém falou nada!
Outra coisa, por sermos seres humanos de pele preta numa sociedade racista, as pessoas esquecem que humanos erram, desvirtuam o que é bom, ou seja, fazemos cada coisa quando a ignorância em nós impera. Ser uma figura pública deve ser algo muito difícil. Ações desenvolvidas para agradar o reality show da vida real, simpatia forçada e, no caso de algumas figuras públicas, um discurso racial que promove a ideia falsa da democracia racial ao invés da decolonialidade de nossas práticas sociais e discursivas. Pleno 2021, temos um BBB com muita gente preta! E o ibope vai lá em cima, com certeza! E quem selecionou cada participante não selecionou por acaso, pensa só se iriam colocar todos os participantes negros como aqueles que atuam politicamente na luta antirracista para participar desse show que com certeza criará o perfil “negro ideal”, embora não haja ser humano ideal. Olhem a lógica do rolê!
Muitos podem achar que estou perdendo muito tempo com a Conká nesse texto, mas estou apenas explorando a tática, pelo avesso, da branquitude. Tal cantora é parte de uma coletividade, que sofre com determinadas mazelas da sociedade, um pouco alienada das questões referentes ao racial, por falta de leitura ou convívio com ativistas ou pessoas pretas com vivências de luta, talvez. Ela não deixa de ser um corpo preto, até mesmo quando os pretos começam a odiá-la. Lembremos, que muitos odeiam a Djamila Ribeiro, mas a branquitude a ovaciona com frequência, não estou dizendo que mulher preta é tudo igual, longe dessa ótica racista, que Oxalá me livre disso. Estou dizendo que são corpos cujas posições na sociedade são distantes em termos de atuação, uma canta pop ou rap e a outras são intelectuais Por que o Boninho não chamou a Djamila para participar do BBB? Indignada!
Enfim, um BBB com indivíduos negros com distintas personalidades e o público está preocupado com a reputação dos movimentos negros, que historicamente são bem amplos e possuem múltiplas formas de ação. Quando cada pessoa negra cujos posicionamentos absurdos viram problema da coletividade, ativistas negras(os) ou não, é o mesmo que produzir sutilmente novos, banhados de velhos, estereótipos: um deles, é de que preto não pode ser incoerente, porque é vergonhoso para os movimentos negros. Daqui uns dias, o Morgan Freeman estará recebendo em casa uma caixa de cartas de brasileiros falando como que pega mal, uma preta honrar a desvirtuosa humanidade que há nela. Acharia mais legal, se houvesse um mutirão para ir ao túmulo do Mandela amaldiçoar a Conká, que mal teria nisso?
No entanto, o branco se permite ser reconhecido publicamente como um ser individual, sem culpa do que uma coletividade branca e colonialista desencadeou no território, toda violência e extermínios culturais. Eu sentiria vergonha até de olhar para uma pessoa preta, se eu fosse branca e tivesse um passado coletivo desses. E o presidente, símbolo máximo de uma branquitude assumidamente escrota, mas que nunca virou motivo de “olha aí, branquitude, esse branco no poder”, e falando em poder, whitelândia, nem o populismo lhes tiram a afroconveniência racista.
Não assisto televisão, o motivo é óbvio até demais, isso bem antes da Rachel S. Então, nem tenho lugar de fala, né? E a rede social que virou puxadinho do BBB, lá tudo se vê, inclusive as interpretações racistas e brancocentricas. Ah, aquilo que nos cabe, que jamais andaria no recreio com pessoas com perfil da Conká, eu também não andaria, porque seria voadora de cinco em cinco segundos, para a criatura entender que o feminismo branco não nos representa e que nem ela, sozinha, faz uma luta negra, e da relevância de interagir entre os nossos como forma de aprimorar nosso modo de ação contra o racismo estrutural, algo que é enriquecedor.
E o Boninho… daqui a pouco vai ser reconhecido por promover a igualdade racial. Enfim, mais um especialista branco em gente preta revela-se no mundo! Ninguém pode falar mal dele! Entenderam? Se não, sinto muito!
Prazer, meu nome é Juliana Sankofa.