É necessário calmaria e não passividade. Repito isso todos os dias para mim mesma no intuito de não deixar morrer em mim a indignação. A minha raiva é algo constante e dizem que é ela que me adoece, contudo, o que me adoece é uma estrutura social com mecanismos de poder racistas os quais se reciclam constantemente nas interações sociais, inclusive, a conjuntura é tão bizarra que a branquitude coloniza os nossos discursos de resistências o tempo todo e até são legitimados por alguma pessoa preta cujo afeto é uma corrente poderosa e persuasiva.
Hoje, eu acordei pensando nessas estratégias de docilidade recheadas de outras sutilezas, tanto racistas como machistas, de que eu devo ser cordial quando estou sendo oprimida. Dias atrás, um colega de trabalho foi chamado de “carvão” em uma das escolas que eu trabalho. A reação do mesmo foi de extrema dor e a situação foi amenizada com pessoas brancas dizendo “Mas fulano é brincalhão, ele brinca com todo mundo” como se racismo fosse uma reciprocidade dada por quem quer retribuir a “brincadeira”.
Na mesma semana, a supervisora da escola censurou um dos meus materiais didáticos, um texto para ser aplicado em sala de aula, dizendo que ele tinha “problemas”, em tal texto aparecia a palavra “raça” para falar da desigualdade racial e a palavra “escola” para se referir a responsabilidade do espaço escolar em geral de amenizar situações que impossibilitam uma cultura de paz na escola. Quem me conhece sabe que isso não é algo que eu deixo passar batido, apontei para essa funcionária pública que o ato se tratava de censura, ela nem ligou, falou em nome da gestão escolar, a qual nem do assunto sabia. Depois disso, com uma face de mosca morta com pó de arroz na cara, a minha colega passa perto de mim achando que preto tem memória curta.
Eu ignoro essa mulher todos os dias que eu vou trabalhar, evito-a, quando ela atravessa o meu raio de visão, a minha face manifesta a fúria e simulo mentalmente os tapas na cara que eu gostaria muito de dá-la. A recomendação de um colega branco é de que eu esqueça e viva em paz com a racista. Esse colega, diante da minha reclamação, tentou me manipular para que eu não levasse adiante a minha reclamação contra a supervisora. Só que eu fingi que fui manipulada e prossegui nos meus intentos. No ambiente do trabalho, muitas pessoas brancas se sentem superiores a pessoas negras no mesmo cargo. Ora subestima a minha formação, assim interferem constantemente na minha prática pedagógica, mais do que um aliado e sim como grande “fiscalizador”, ora potencializam minhas falhas, já que a frase “errar é humano”, nessa sociedade racista, só serve para branco.
Essas experiências recentes e o mal-estar que as mesmas causam só me fizeram ficar mais pensativa, quando estou em meu momento de fúria, não acho escuta em nenhum lugar. A raiva vai implodindo no meu interior até que lágrimas surjam ou a escrita a alivie. A dor me domestica e eu não queria que fosse assim. Espero um dia, ter a possibilidade, real, de dizer sobre a minha fúria sem que alguém me digam as seguintes frases: “Não aja com violência, porque senão você será lida como a preta violenta”, “tem que ser fina, pois senão você perde a razão”…Que razão se perde em um contexto que concebe pessoas pretas como sem racionalidade?
Ah, quer saber! A minha reza é que se fodam todos os racistas! E fogo neles(as)… ops, retificando… A minha reza é que sejamos reconhecidos pela nossa humanidade apesar da ignorância de quem pretere pessoas por causa da cor da pele. A segunda Deus Branco ouve e ignora, a primeira Oxalá cumpre.