Por Ana Carolina Soz para as Blogueiras Negras
“[…] Mas agora sinto vontade de me apoderar do teu canhão, desmontá-lo peça a peça, refazê-lo e disparar contra o teu texto, não na intenção de o liquidar, mas para exterminar dele a parte que me agride. Afinal assim identifico-me sempre eu/até posso ajudar-te à busca de uma identidade em que sejas tu quando eu te olho/em vez de seres outro. […]
Manuel Rui
Meio Sol Amarelo é o segundo livro da escritora negra nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, baseado na guerra Nigéria-Biafra entre 1967-1970, que resultou na morte de milhares de nigerianos, mas se engana quem pensa que a trama da obra se limita a um terrível confronto bélico. Chimamanda é uma das mais importantes e premiadas escritoras da atualidade. Uma mulher negra e jovem que escreve suas próprias histórias, as histórias de seus ancestrais e de seu país. Ela nos choca e nos surpreende ao dar uma dimensão humana ao negro africano, colocando-o como protagonista de sua história, conquistando cada dia mais notoriedade, mesmo em um continente que tem sua literatura representada tem sua literatura conhecida, principalmente, através da produção de escritores brancos, como Mia Couto. O livro é narrado por três pontos de vista diferentes que se cruzam e se fundem: Olanna, uma mulher negra, filha de uma importante e rica família da Nigéria; Richard, um jornalista branco europeu que se estabelece no país para escrever um livro; e Ugwu, um jovem negro camponês que trabalha na casa de Odenigbo, um professor negro universitário. Pontuo e ressalto aqui a cor e importância dela nas personagens, que precisa ser devidamente marcada ao me referir a eles : desde os meus onze anos leio livros com regularidade, e Meio Sol Amarelo é o primeiro livro de uma escritora negra africana que li, uma obra que em si faz parte do meu processo de desconstrução do (meu) imaginário branco. No início tive uma dificuldade: imaginar todas as personagens negras. Ler tornou-se um desafio e um exercício diário de desconstrução de uma mentalidade já acostumada com descrições que definem a pele das personagens sempre como claras e alvas. Nesse sentido, me deparei, finalmente, com peles escuras como chocolate belga e como a noite. Mas há personagens brancas, e Chimamanda as usa para representar e desconstruir, sutilmente, o colonialismo europeu, o racismo, a ignorância e a visão tribal eurocêntrica que temos sobre o continente africano. Ela nomeia, responsabiliza e adjetiva os culpados pelo massacre de milhares de nigerianos, um mundo que permaneceu calado e ainda permanece diante do genocídio diário que o povo negro enfrenta. Meio Sol Amarelo é um livro incrivelmente belo e marcante e sutil é a palavra que melhor o descreve. É um grito que denuncia as barbaridades que ninguém conta e um canto que nos conta sobre as belezas que omitem sobre a África, mas acima de tudo, sobre nós, negras/os! É crucialmente importante ler autora/es negras/os e suas histórias e descolonizar nossas mentes, há séculos escravizadas, narrativas com as quais nos identificamos e que nos sentimos representadas/os. A necessidade de desnaturalizar a literatura, que mesmo sem adjetivo, sabemos que é hegemonicamente branca, de problematizar a falta de escritoras/es negras/os e de personagens negras/os é necessária , além da importância de lermos e nos vermos não mais como objetos, mas sim como sujeitas/os de nossas próprias falas e histórias. Chimamanda, assim como nós, blogueiras negras, se apropria de um espaço que histórica e diariamente nos é negado e reivindica sua escrita, negra e feminina, como mostra essa incrível frase de Maya Angelou, grande escritora afro-americana, falecida recentemente:
“Mantenha as coisas que contam sua história e as proteja. Durante a escravidão, quem era apto a ler ou a escrever qualquer coisa? A capacidade de ter alguém para contar sua história é muito importante. Isso diz: “Eu estava aqui. Talvez eu seja vendido amanhã. Mas você sabe que eu estava aqui.”
magem destacada – Meio sol amarelo, Bustle.