Há algumas semanas acabou o evento mais esperado do ano, a Copa do Mundo da FIFA de 2014. Muito se discute sobre o legado do mundial, que deixou milhares de pessoas desabrigadas em troca da construção de estádios, fez o governo federal investir milhões de reais em policiamento e armamento e mantém até hoje pessoas presas por se manifestarem. Nos estádios, apenas a elite branca e a classe média brasileira, ou seja, pagamos a conta mas quem viu a Copa de perto foram os estrangeiros e os mais ricos.
Durante o período de realização do evento, outro assunto (que em nada está descolado do projeto global de realização da Copa) chamou muito a atenção: o turismo e a exploração sexual. O tema não foi tão noticiado pela grande mídia quanto a derrota do Brasil por 7×1 contra a Alemanha nas semifinais, mas desde antes o início do evento, os movimentos sociais alertavam sobre o quanto o nível da exploração iria aumentar com a sua aproximação e com as propagandas que traziam mulheres como atrativos aos turistas.
De acordo com uma reportagem veiculada no jornal Folha de São Paulo no início do ano, os empresários da exploração sexual estimavam um aumento de 60% no mercado da prostituição durante o Mundial. Não é fácil encontrar dados oficiais sobre a exploração sexual durante a Copa, mas bastava caminhar pelas proximidades dos estádios ou pelas ruas mais freqüentadas por turistas nas cidades-sede para ver mulheres, crianças, travestis e transexuais vendendo seus corpos como mercadoria em cada esquina. O jornal britânico Mirror denunciou que meninas de 11 a 14 anos estavam se prostituindo na região do estádio do Itaquerão, na Zona Leste de São Paulo. Para nós, nenhuma novidade, mas um grande motivo de revolta.
A exploração sexual tem raça, gênero e classe. A imagem da “mulata” é vendida como produto de exportação e propaganda para convidar os turistas a visitarem nosso país enquanto durante a Copa o governo federal e a grande mídia se empenharam em convencer a população de que deveríamos receber bem os turistas em nossa casa.
A origem da palavra “mulata” é muito curiosa. No período pós escravidão, fortaleceu-se a ideia de que as mulheres brancas eram para casar; as mulheres de pele muito escura eram tão feias que serviam apenas para trabalhar; e as “mulatas”, fruto da miscigenação de negras com brancos, eram apenas para transar, já que assim como o animal (mula) não poderiam ter filhos, e se os tivessem a responsabilidade era exclusivamente delas. Ao que me parece até hoje pouca coisa mudou…
Como se não bastassem a propaganda escandalosa da camiseta da Adidas com um coração que simulava a bunda de uma mulher ou o outdoor de um clube noturno contendo a foto de uma mulher negra fazendo sexo oral em um jogador de futebol, somos obrigadas a ver todos os anos na época do carnaval a imagem hipersexualizada de mulheres negras na televisão, em revistas e em propagandas de agências de turismo.
O mito da democracia racial segue tentando enfiar na nossa cabeça que não somos negras, tenta o tempo todo nos embranquecer, só é interessante que nos reconheçamos como negras na hora de explorar nossos corpos. Exportam a ideia de que somos a cara do Brasil, completamos a ideia do país do futebol e do samba, mas infelizmente para algumas mulheres a prostituição não é uma opção. Para muitas mulheres negras moradoras da periferia, que tem em média 5 anos de estudo, segundo pesquisa do IPEA lançada em 2013, a prostituição é talvez a única alternativa de sustentar suas famílias.
A precarização do trabalho, a baixa escolarização e a exploração sexual são problemas sociais, mas também raciais. Não fomos campeões da Copa do Mundo, mas estamos no ranking mundial dos países campões em exploração sexual e tráfico de pessoas.
Está na hora de dar um cartão vermelho para o turismo sexual!