Antes de qualquer coisa, eu quero deixar claro que como mulher negra, vinda da periferia e militante do movimento autônomo, não quero que esse texto sirva como ataque às organizações autônomas e horizontais. Quero que o texto sirva para trazer uma discussão mais profundada ou até mesmo começar uma, que ele sirva para deixar _s negr_s e pobres mais confortáveis nos espaços que tem essa proposta. Aos companheir_s que militam comigo, quero também deixar claro que esse texto não remete só aos espaço em que milito com vocês, mas a todos os espaços que se propõem ser autônomos e horizontais.
Para começo de conversa, acho que dentro da esquerda tradicional chega até ser um TABU falar sobre esses movimentos: qual a sua proposta? o que são eles ? o que comem ? (risos). Pois bem, um movimento ou grupo autônomo e horizontal é aquele que tem como proposta a não liderança, a não existência de nenhuma figura que represente todo o movimento, cada um tem poder de voz e escolha igual e não se depende financeiramente de ninguém, o próprio grupo é auto gerido.
Pois bem, chega até ser confuso, falar sobre essas opressões dentro de movimentos de esquerda, chega a até ser estranho né ? Por incrível que pareça as questões de classe e raça, dentro de qualquer movimento de esquerda tradicional ou não, são “normais”, tirando claro o movimento negro que trata o tempo todo por dentro e por fora essas opressões. A final o que falta ser esclarecido dentro da esquerda é que tratar de mudanças na sociedade por dentro das questões de classe, não ameniza o fato de que você pode estar sendo opressor_ com seu colega.
Quero começar essa reflexão com vocês destacando uma das discussão que tive com militantes de diversos grupos/movimentos e etc antes de escrever esse texto. Calejei um pouco para começar essa discussão com negr_s e pobres militantes de movimentos autônomos, horizontais e libertários. Quase sempre a gente se encontrava indo na mesma direção, de que tínhamos todos os acordos do mundo com movimentos horizontais e a ideia da não liderança e dirigência; mas que em contraponto, sempre pegávamos numa situação em que a opinião de pessoas brancas e de situação financeira melhor (lembrando que tudo isso lhe dá a oportunidade de ter tempo para estudar todas as teorias e leituras que você quiser) sendo as mais ouvidas. Ora, em movimentos horizontais que tem como proposta a não liderança e todos com o mesmo peso para escolher sobre as coisas, como isso é possível?
Isso é possível porque vivemos num mundo onde a gente não superou o racismo, muito menos as questões de classe. Veja só: que pé de igualdade uma mulher negra e pobre, que só conseguiu entrar na universidade depois de 2 anos de cursinho popular, tem numa discussão com um homem, branco, morador dos melhores bairros de São Paulo, estudante das melhores escolas de particular de São Paulo, que ingressou na universidade publica em seguida do fim do ensino médio ? Não quero dizer que nunca vamos conseguir ter um debate qualificado, mas que às vezes nós mesmo esquecemos desses pequenos detalhes, às vezes uma risadinha durante a fala d_ companheir_ negr_ ou pobre é opressor sim. Oras, eu não tive curso de oratória e grandes discussões sobre filósofos contemporâneos na escola.
Sobre a vivencia e espaços informais.
É quase obvio que para qualquer militante de qualquer tipo de organização ou não organização*, acabar criando laços e vínculos é normal. Já em outras conversas que tive com ess_s militantes, notei que os espaços informais são os espaços em que essas agressões mais acontecem. Exemplo disso são as escolhas de lugares para irmos depois de atividades, reuniões, palestras, ensaios e etc: um bar ? Uma pizza ? Yakissoba ? Tanto faz, chega a ser bizarro o quanto em quase todas essas conversas o ponto a ser destacado é a não consulta de opinião de militantes pobres, lembre-se companheir_ nem tod_s tem condições de tomar aquela, breja, aquele yakissoba e etc. Mas o que fazer ? Vaquinha, pagar para _ companheir_, perguntar pelo menos se _ companheir_ deseja ir. Parece besteira, mas essas pequenas agressões fazem diferença e afastam sim.
Outro exemplo clássico de agressões de classe é como esquecemos que nem todos tem grana para cumprir tarefas, ir a ensaios, reuniões, palestras e etc. Tenho uma experiência legal nos espaços em que milito, vou dividir com vocês. Sempre que um_ militant_ não tem grana para fazer qualquer coisa que tem haver com o “grupo”, el_ recebe ajuda de custo para realizar, seja dar uma palestra, seja ir numa reunião e etc.
Sobre como somos minorias dentro de outra minoria.
Como disse lá no começo ainda é tabu para esquerda tradicional entender os movimentos autônomos e horizontais, entendo que aqui no Brasil ainda parecemos minorias, mas contrapondo que já avançamos demais e que dentro dessa minoria ainda se encontra outra minoria que são os negros e pobres. Às vezes me pego pensando como todo o mundo da militância teórica às vezes nos afasta. Eu não me lembro de ver Marx na escola e muito menos Bakunin e Malatesta, fui ler teorias e teóricos anarquistas depois de quase um ano me auto declarando anarquista, isso também por entender que a minha convicção sobre o que eu sou ultrapassava quaisquer teorias que são sempre bem vindas, mas não podem ser maiores que a vivencia das pessoas.
Eu sempre ouço que devemos enegrecer a esquerda e nesse exato momento eu ouso dizer que devemos enegrecer os movimentos autônomos também, assegurar o bem estar de negrxs e pobres nesses espaços, tratar como prioridade como tratamos as questões de gênero. Eu reforço a importancia da não liderança porque entendo que para nós enquanto pobres e negrxs nenhuma “amarra” não é mais bem vinda, mas acho que isso já é outro assunto.
Se machismo não é bem vindo nos espaços autônomos, horizontais e libertários, agressões de classe e raça também não.
Imagem destacada: WagnerInno – Página do Facebook Mulher Negra e o Feminismo.