Publicado originalmente em Massachusetts Transgender Political Coalition
por Aaron, MTPC intern – Agradecemos a Bernardo Abreu pelo auxílio na tradução e revisão.
Como em muitas partes da história americana, a cultura hegemônica retrata a história de pessoas transgêneras como uma na qual lideres brancos abriram o caminho pra todas as pessoas. Mas, como nossa comunidade continua relembrando as pessoas, foram as mulheres negras transexuais que lideraram a revolta de Stonewall e iniciaram o movimento LGBTT no país.
O trabalho de incontáveis guerreiras negras transgêneras tem tido um impacto significativo na luta por visibilidade e direitos igualitários ao longo da história. Essas pioneiras seguiram em frente apesar da intersecção de desafios e opressões. Aqui há apenas cinco de muitas mulheres negras transexuais cuja influência ajudou a dar forma no que hoje é a comunidade transgênera.
1. Lucy Hicks Anderson
Lucy Hicks Anderson foi pioneira na luta pelo casamento igualitário. Ela passou aproximadamente sessenta anos vivendo como mulher, fazendo trabalhos domésticos e trabalhando como uma cafetina. Durante a última década de sua vida, ela fez história lutando pelo direito legal de ser ela mesma e estar com o homem que amava.
Após casar com seu segundo marido, o soldado Reuben Anderson, em Oxnard (CA), em 1944, as autoridades locais descobriram que ela foi designada homem ao nascer. O casal foi indiciado por perjúrio por casarem sendo designados legalmente como homens, resultando em 10 anos de liberdade condicional. Respondendo sobre as acusações contra ela, Lucy, disse: “Eu desafio qualquer médico no mundo a provar que eu não sou uma mulher. Eu tenho vivido, me vestido e agido como eu sou, uma mulher.” Anos depois Lucy e seu marido foram indiciados novamente, desta vez por fraude por ela receber dinheiro da reserva federal para esposas de militares. Ambos foram presos e banidos de Oxnard quando em liberdade.
Lucy Hicks Anderson passou o restante de sua vida em Los Angeles, até sua morte em 1954, com 68 anos, deixando um legado de autenticidade e determinação frente às leis injustas.
2. Carlett A. Brown
Carlett A. Brown descobriu ser intersex em exames físicos feitos enquanto ela servia à marinha, nos anos 50. Após ser dispensada, trabalhou como female impersonator [1] e dançarina para ganhar dinheiro para cirurgia de redesignação sexual (CRS).
Quando descobriu que a cirurgia que precisava ainda não era legal nos Estados Unidos, Carlett achou um cirurgião na Dinamarca, onde a primeira CRS foi feita em 1952. Ela logo percebeu que essa operação era apenas disponível para cidadãos dinamarqueses, levando Carlett a renunciar sua cidadania estadunidense e requerer a cidadania dinamarquesa, o que também a permitiria alterar legalmente seu gênero e casar com seu namorado, Sargento Eugene Martin, alocado na alemanha.
Antes que pudesse deixar os Estados Unidos, Carlett foi presa por usar roupas designadas ao “gênero oposto” [2], seguida de uma ordem judicial para pagar os impostos que devia ao governo. Embora não esteja claro se ela se tornou efetivamente o que foi chamado de “First Negro Sex Change” (primeira redesignação sexual em uma pessoa negra), ela continua conhecida por sua perseverança, tendo sido citada dizendo:”Eu sinto que mulheres trans estão tendo seus direitos à vida, liberdade e de busca por felicidade negados quando são presas por usarem roupas femininas…”
3. Sir Lady Java
Sir Lady Java trabalhou como performer e “female impersonator” em Los Angeles, Califórnia, durante os anos 60. A regra No 9 da cidade tornava ilegal “apresentar-se por meios de trajes ou vestir-se como uma pessoa do sexo oposto” e era usada frequentemente pelas autoridades para acabar com performances, prender gays e pessoas trans* e para uma série de outras leis usadas contra essa parcela da população.
Como Sir Lady Java tornou-se cada vez mais popular, lotando clubes e bares locais para suas performances, as autoridades começaram a alvejá-la diretamente. Reconhecendo essa violação de seus direitos civis e o impacto que isso acarretava para outras pessoas transgêneras da comunidade, ela foi para luta. Juntando forças com ACLU – American Civil Liberties Union (União Civil Americana pela Liberdade [3]), Sir Lady Java levou a Regra No 9 ao tribunal e juntou toda a comunidade LGBTT através de manifestações e protestos públicos.
Embora ela não tenha sido capaz de derrubar a portaria, porque ficou determinado que ela não tinha legitimidade para arquivar o processo, Sir Lady Java, no entanto, abriu caminho para que a Regra No 9 fosse derrubada dois anos depois.
4. Marsha P. Johnson
Marsha “Pay No Mind” Johnson foi uma ativista, performer, modelo, profissional do sexo, e figura materna para muitas mulheres trans jovens em Nova Iorque, durante sua vida. Uma líder da comunidade transgênera em Greenwich Village, Marsha foi uma das primeiras agitadoras em Stonewall e estava profundamente influenciada pelas suas experiências, por ser moradora de rua e sobreviver cometendo fraudes.
Em conjunto com a transativista Sylvia Rivera, ela fundou a Street Transvestite Action Revolutionaries (STAR) em 1970. A STAR fornecia abrigo, roupas, e ajuda para jovens mulheres transexuais e drag queens, sem moradia. Marsha e Sylvia trabalharam incasávelmente para garantir que aquelas que elas cuidavam não precisassem recorrer ao trabalho sexual ou procurar outras atividades de alto risco.
Em julho de 1992, aos 48 anos, Marsha P. Johnson foi encontrada morta no rio Hudson. Embora sua morte tenha sido contabilizada como suicídio, aqueles que a conheciam e estavam inseridos na comunidade afirmam que ela foi assassinada (ela tinha que lidar frequentemente com ameaças). O caso foi reaberto em 2012.
5. Miss Major
Miss Major é comumente citada como as mais velha líder da comunidade transgênera e uma das mais significantes pioneiras do movimento dos direitos trans de hoje. Ela foi a voz das mulheres trans por mais de 4 décadas.
Participante das revoltas originais de Stonewall, nos anos 70 ela lutou para organizar companheiras que eram profissionais do sexo e tornou-se uma líder do movimento pela abolição do sistema carcerário e do movimento por direitos das pessoas trans*. Atualmente, Miss Major é diretora executiva do Transgender, Gender Variant, Intersex Justice Project (TGIJP), uma organização que luta “contra aprisionamento, violência policial, racismo, pobreza e pressões sociais” para mulheres negras transgêneras e suas famílias.
Você pode aprender mais sobre Miss Major através do documentário, MAJOR!.
[1] ‘female impersonator’ é colocado no texto como mulheres transexuais que exercem profissionalmente uma atividade análoga à das drag queens, que embora seja um cenário majoritáriamente dominado por homens cisgêneros, algumas mulheres trans fazem esse tipo de performance como uma forma de subsistência.
[2] No original, “cross-dressing”
[3] Em tradução literal
Imagem destacada: Miss Major (reprodução web)