O Brasil retira as cortinas do seu racismo. O Brasil materializa todo seu ódio, sua insatisfação pelo pequeno avanço dos nossos passos, aqueles que vêem de muito longe. O Brasil usou as urnas para retirar de vez o mito de que o racismo por aqui é velado. O racismo não é velado no Brasil, ele esta presente em nossos índices de empregabilidade, de acesso ao poder, na hierarquia das posições de destaque, lá esta o nosso racismo no palco. Nada é velado.
O racismo caminha lado a lado conosco, todos os dias. No casamento mais letal do racismo e do machismo, nós mulheres negras estamos nos números das diversas mortes, físicas, simbólicas, psicológicas.
Desde o resultado das eleições 2018 que tento escrever, expurgar, gritar, compartilhar tamanha tristeza, dor e revolta.
Saudando o mês que Oyá da seu ilá e Oxum fecha o ano renovando nossas águas de esperança, na semana onde mulheres negras de todo canto desse país se reúnem no Encontro Nacional de Mulheres Negras após 30 anos, quero poder pensar como estamos nos fortalecendo para fazermos os enfrentamentos necessários em cada pedaço de chão que pisamos, tenho feito um deslocamento nesses últimos dias e quero poder pensar nas novas metodologias que nascem das vivencias das negras jovens, quero poder pensar nas novas ferramentas tecnológicas utilizadas para construir política, quero poder refletir a nossa entrada nas universidades brasileiras, os impactos da nossa presença nos espaços brancocentricos, os desafios da rasura de nossa produção de saberes nesses espaços, quero enquanto negra jovem refletir a existência da nossa geração e os desafios colocados para nós nessa estrada, em meio a essa encruzilhada do pensar político as inquietações me visitam ao pensar estratégias de continuar caminhando.
Tenho refletido sobre o fortalecimento emancipatório de meninas negras, nesse empoderamento pessoal e coletivo que precisamos construir, fortalecendo cada vez mais as nossas múltiplas existências, vencer barreiras impostas pela organização racistas dessa sociedade, pensando estratégias de maior conhecimento sobre o movimento de mulheres negras e suas diversas formas de atuação.
As meninas negras traçam um caminho longo e árduo de conhecimento de si, sofrendo desde a infância diversos tipos inferiorizações, assédios, situações de subalternidades e mortes simbólicas. Nossa geração tem grandiosos desafios, fortalecendo diálogos possíveis entre gerações para o fortalecimento de suas trajetórias enquanto negras jovens vivas, é mostrando para as meninas desde muito cedo que elas não precisam se adequar a padrões beleza eurocêntrico e que sim elas pode ser quem elas quiserem, sendo feliz com seus corpos e suas escolhas.
Caminhamos. Continuaremos caminhando. Não temos respostas, formulas pronta ou uma verdade única. Temos muitas verdades, compreendendo cada territorialidade, caminhos, corte no corpo, subjetividade, formas de combate, percepção de vida que constituem diversas realidades existentes no nosso movimento. Construções diárias, constantes e pulsantes. Estamos em movimento. Continuaremos em movimento. Carregamos nos ombros as almas de quem não está mais com a gente e seguimos em movimento. Choramos as dores das nossas perdas diárias e seguimos em movimento. Nosso movimento é irreversível, ele ganha cada vez mais força quando entendemos que nosso maior inimigo é o racismo. Não vamos parar de produzir, não vamos deixar de amar, exercer o afeto como prática diária, divergir entre nós, tirar casca de nossas feridas, recuar, avançar ou repensar nossas ações. Estamos em movimento. Continuaremos em movimento.
Invoquemos a força das mulheres búfalos, a sabedoria das yalodês, o feitiço das mulheres da lama sagrada e o poder de cura das aguas salgadas para que possamos atravessar o deserto de nossas dores, das nossas alegrias, dos nossos erros e acertos. Invoquemos nossas ancestrais, façamos do nosso silencio um feitiço potente e estratégico.
Com folhas sagrada, espadas erguidas. Estamos em movimento. Continuaremos em movimento.
(…) Minha fé é negra,
e minha alma enegrece a terra no ilá
que de minha boca escapa.
Sou uma árvore negra de raiz nodosa.
Sou um rio de profundidade limosa e calma. Sou a seta e seu alcance antes do grito.
E mais o fogo, o sal das águas, a tempestade e o ferro das armas.
E ainda luto em horas de sol obtuso
nas encruzilhadas. (NATÁLIA, 2011, p. 33).
Texto: Dai Costa
Poema: Livia Natalia
Foto: Juh Almeida