Esses dias tenho pensado no privilégio acadêmico de pessoas brancas e como ele contribui com o epistemicídio e impede a diversidade de pensamentos nas Universidades, não só no Brasil, estou falando em termos globais, a partir das experiências que tive enquanto imigrante e pelos relatos de colegas. A branquitude acadêmica acrítica produz em círculos, reiteram uns aos outros, estagnando o espaço das produções intelectuais. Ainda, observa-se o pacto da branquitude nas escolhas das referências bibliográficas. Se há mulheres negras com o pioneirismo no estudo de algo, sempre selecionam o homem branco que chegou na discussão sobre o tema recentemente. Um exemplo que acompanhei recentemente foi no caso das referências sobre Maria Firmina dos Reis em que mulheres brancas, diga-se feministas só entre elas mesmo, enfatizaram o trabalho de um homem branco e nem se quer mencionaram as mulheres negras que estudam essa autora negra maranhense.
Ainda, quando se questiona a branquitude pelas suas escolhas intelectuais, transformam a situação em algo natural que não foi feito com maldade ou preconceito. Epistemologicamente, o controle discursivo das narrativas acadêmicas sobre o saber tem fortificado o privilégio racial, até mesmo quando a temática envolve diversidade. O tema pode ser negritude, mas as referências principais no texto sempre serão de intelectuais brancos, que, em muitos casos, falam algo que já foi dito por intelectuais negros sem dá a devida autoria.
Enquanto intelectual negra em formação, por uma academia branca, eu sinto que o espaço acadêmico é um espaço inútil, já que a minha formação mais significativa é fora, com eventos de movimentos negros ou de outros movimentos sociais, tal como pela minha busca autônoma pelo conhecimento produzido pelos invisibilizados e silenciados. Não consigo produzir academicamente sem essas vozes, porque elas explicam até coisas que eu passo enquanto mulher negra nesse espaço. Como já apontou Patrícia Hill Collins e Alice Walker, a posição outsider que ocupamos no espaço acadêmico possui uma potência magnânima, contudo, é uma posição também de dor.
Nós, pessoas negras, deveríamos ter o direito de existir epistemologicamente, sem sofrer as sabotagens da branquitude durante a nossa formação. Pelo fato do espaço universitário ser composto por um corpo docente branco, nossos corpos seguem vivenciando outras experiências de subordinação. Quando professores(as) universitários(as) brancos(as) veem que somos inteligentes, iniciam outro tipo de escravização: a epistêmica, querendo que nossos conhecimentos sirvam aos seus lattes ou outro currículo acadêmico. Normalmente, tornam-se especialistas subindo em nossas costas, além de falar por nós, quando nos silenciam nos espaços acadêmicos.
Sempre recusei esse lugar de escrava epistêmica da branquitude, por isso, sou alvo de várias narrativas que buscam me deslegitimar enquanto sujeito pensante. Alguns desses(as) escravagistas epistêmicos possuem um discurso abolicionista e até possuem amizades negras. Quando ouvirem um(a) branco(a) acadêmico(a) falar de algo referente a população negra, observem a relação dessa pessoa com o(a) orientando(a) negro(a), assim como o silêncio desse(a) orientando(a) sobre esse(a) profissional.
Segundo Grada Kilomba (2008), a plantação não foi apenas um evento histórico, mas um elemento que ainda persiste nas estruturas sociais, políticas e culturais na atualidade. Nesse sentido, epistemicamente, a academia parece o espaço da plantação em que pessoas negras criam estratégias para resistir as violências e a ausência de liberdade, enquanto pessoas brancas se vangloriam pelo controle de tudo.
Por isso, aquilombar dentro das Universidades, principalmente nas pós-graduações, se faz urgente, dado que alguns de nós não conseguimos atravessar a “plantação acadêmica”, ora adoecemos e morremos, físico e/ou psicologicamente, ora preferimos trabalhos distintos da produção intelectual por não ver nossos corpos sendo respeitados e bem tratados como produtores de conhecimento.