Por mais que tentemos sempre contar em séculos por quanto tempo se manteve o regime de escravidão no Brasil, nunca conseguiremos dizer com exatidão a quanto tempo as mulheres negras vêm sendo mantidas em lugares de subalternidade por aqui, pois mesmo com a “abolição da escravidão” em 1888 com todas as ressalvas que a data exige, ou seja ela nada trouxe de benefícios para as mulheres negras, que de escravas passaram para escravas da subalternidade e da invisibilidade.
A questão é, a quem interessa manter as mulheres negras como subalternas? Hoje quando pensamos que podemos ser médicas, advogadas, psicólogas, fotógrafas, engenheiras e afins, ainda se mantém para além de uma desigualdade de gênero uma desigualdade de raça para que as mulheres atinjam a famosa independência financeira. O capitalismo, o racismo e o sexismo são irmãos quando se trata de diminuir mulheres negras, sendo esta a maior população desempregada no Brasil. Como nos diz Lélia Gonzalez, tornamos-nos incapazes para o trabalho livre.
“Nossa situação atual não é muito diferente daquela vivida por nossas antepassadas: afinal, a trabalhadora rural de hoje não difere tanto da “escrava do eito” de ontem: a empregada doméstica não é muito diferente da “mucama” de ontem” (Gonzales, Lélia, p217, 2020).
Vivemos em um capitalismo pós colonial que fundamenta as relações sociais e raciais e que nos impede de termos políticas públicas de ações afirmativas efetivas que consigam abarcar todas as mulheres negras no país. Sim, temos as cotas raciais nas universidades (até quando?), temos cotas em concursos públicos (fraudes?), temos a Lei 10.639 (efetiva?), mas o atravessamento de classe, ou seja, de quem comanda o capital do país continua o mesmo a mais de 500 anos. Manter as mulheres negras como subalternas no Brasil interessa a uma sociedade racista, capitalista, machista e minoritariamente branca, que mesmo em meio a pandemia não pode fazer a própria comida ou produzir as peças em suas grandes fábricas. Esse lugar culturalmente e historicamente reservado a mulheres negras trabalhadoras no Brasil vem sendo construído não só através do discurso da elite branca, para além do pacto da branquitude, diz dos seus efeitos.
Não basta tentar nos manter nos piores empregos possíveis, existem várias formas de nos matar silenciosamente, através de silenciamentos acadêmicos, da solidão, das mortes e desaparecimentos de nossos filhos e filhas, do preterimento, do aumento de feminicídio das mulheres negras, da falta de acesso a moradia, a saúde, a educação, do assassinato de vereadoras, de fazer com que nos desentendamos entre nós mesmas, mas lhes digo.
Nós, as mulheres negras de hoje não somos mais as mucamas de ontem, por mais que as estratégias do racismo, do sexismo e do capitalismo mudem de tempos em tempos para nos manter subalternas, uma a uma nossa voz ecoa, e quando ecoa a voz de uma, consegue se ouvir milhares de vozes, pois as vozes de nossas antepassadas ecoam conosco, juntas atravessando tempos…
Referências
Gonzales, Lélia. Por um feminismo afro latino americano. Zahar, 2020.
Lei de Cotas Universitárias. Disponível em http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/35544-lei-de-cotas. Acesso em 20/07/2021.
Lei de Cotas Concurso. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12990.htm. Acesso em 20/07/2021.
Lei 10/639. Disponpivel em https://www.geledes.org.br/lei-10-639-03-historia-da-africa-nas-escolas-uma-entrevista-com-a-historiadora-marina-de-mello-e-souza-e-rachel-rua-bakke/.