Não vou dizer que isso é um chavão, mas uma dura e penosa realidade. Falo desse lugar, do preterimento pelas mulheres que são brancas, pela sociedade que é segregacionista, a cobrança que essa cor de pele traz de que as negras além de ter que se superar, tem de ser poderosa e de fazer tudo sozinha.
Para que entendam minha fala eu volto um pouco para que entendam, aos 16 conheci um homem negro e tivemos um relacionamento de uns três anos e sempre de muitas idas e vindas, ele também de família predominantemente negra, praticava seu machismo e violações no relacionamento, com traições, promessas, ilusões, mas sempre com a afirmativa de que queria se casar comigo. No entanto, vocês sabem que esse título não foi atoa.
Superado isso, fui a faculdade aos 32 anos, numa instituição privada e bem pouco colorida, voltei a sentir a mesma solidão que carrego desde o nascer. Percebi que não era escolhida dentre os colegas para fazer trabalho e quando isso acontecia, minha posição: fazer o trabalho por completo. Ser mal tratada, esnobada, uma habilidade que tive que descobri ao longo do tempo.
A relação com os professores? Alguns mesmo afirmando não serem racistas, então não sei como definí-los, talvez ríspidos, intransigentes, ignorantes, ou somente não gostavam de me passar a palavra, mas como dizem quem não tem essa cor de pele, impressão sua. Mas no meu íntimo ficava aquela voz que implode, não poder falar, não diz isso, não fale aquilo, se cale, “seu lugar não é aqui entre nós.”
Percebi ao concluir a graduação que em muitas situações, tive que ser uma personagem que nasceu em 2013, quando percebi que algumas vezes me sentia um pouco intimidada em algumas situações, passei a recorrer nela sua força, ousadia e até mesmo um pouco de loucura, se não, não sobreviveria. Ela é tudo que gostaria de ser e muitas vezes não sou. Uma carioca pra frente.
As dificuldades foram muitas, ouvi gritos de profissionais, falas de que as universidades federais cairam seu desempenho por agora terem cotas para pessoas de cor negra. Ouvi de colegas que é uma ilusão o racismo, “ele não existe, os negros se fazem de vítima”, isso também em sala de aula. Já entrei em sala de aula com a aula em curso e a professora me expor e dizer que “sandálias não deveriam fazer parte das vestimentas de universitários”.
Numa supervisão de estágio fui exposta por incapacidade intelectual o semestre inteiro, mesmo estando no último semestre da graduação. Já fui deixada no meio de trabalho em dupla no período do curso, porque a pessoa trancou o curso e só comunicou a professora, será porquê? Fui me colocar ao ser explorada em um trabalho em grupo para não ter que ficar com a sobrecarga e fui deixada de lado e reprovada na disciplina pelas colegas de turma.
Comecei em um estágio remunerado numa instituição de ensino particular reconhecido aqui em Brasília e no dia de receber os vencimentos, eram bem inferiores, ao questionar fui exposta e disseram que eu que provasse que havia ido trabalhar todos os dias do mês, já que era o que eu havia recebido, certamente era o que eu merecia. Me vi obrigada a deixar o trabalho, em geral eles tratavam muito mal seus colaboradores. Foi meu último dia lá.
Trabalhei como Assistente de Consultório Dentário e a forma de me tratarem foi da forma mais desumana possível e quando fui embora, o dentista dono da empresa partiu pra cima para me violentar, e lá não podia tirar horário de almoço, porque não podia descansar, tinha que fazer sempre algo, ou quando entrava para usar o banheiro, batiam na porta o tempo inteiro.
Assinei outro contrato de estágio com uma organização do governo do estado, me tiraram do setor para colocarem uma estagiária branca, mesmo sem antes ter alguém no lugar. Ao assumir no outro setor o preterido era um jovem adolescente que ficava pela manhã e o trabalho ficava todo para tarde, não aguentei a perseguição e a chefe ao me despedir disse que aquilo não era postura profissional de se ter, ir embora sem falar nada.
Comecei na Secretaria de Trabalho do estado e minha supervisora de estágio, também negra e recém formada não passava jamais o trabalho ou seus ensinamentos, se recusava a dividir o trabalho, tão pouco ensinar, passar a rotina de trabalho, saiu antes que meu contrato terminasse e as pessoas que eram responsável pelo pagamento, resolveram terminar de quitar seus débitos comigo três meses depois.
Vou basear estas posturas profissionais/pessoais/sociais a nossa cultura, a cultura da violência, da violação dos direitos, da força que as pessoas sentem ao se sentirem que possuem poderes, da comodidade que tem em seus discursos que o racismo é algo que jamais sentem em relação ao outro ou que jamais praticam e nem falei de tudo, faltam tantos personagens para descrever.
Poder falar é um alívio, me ver nestas situações, nem imaginaria que teria sido comigo, mas passei por cada uma delas. É uma dor imensa que invade o peito, o estômago e as lembranças fortes de que consegui atravessar a ponte, não sei se pela cor de pele, ou por ser mulher, ou por ser uma pessoa solitária, mas esse é um resumo daquilo que já passei em nome da minha cor de pele.
p.s.: uma das referências pro meu texto foi também esse vídeo de Gabi Amarantos, vejam!