Por vezes e erroneamente, a internet aparece como uma voz que dita os acontecimentos da realidade, atualmente polarizada em torno de um debate político institucional pouco promissor. Em meio este arrazoado de ideias, que no geral, são pouco apropriadas pela população que trabalha que procura trabalho, que (sobre) vive e que possuí pouco tempo para dar-se ao luxo de debater, surgem vozes inauditas e unidas em torno de suas exclusões, angústias e alegrias, apresentando suas realidades, sem medo da expô-las.
Trazem suas vivências para o virtual, exibindo aquilo que a maioria não quer ver ou discutir seriamente na internet das falsas e satisfeitas vidas registradas em selfies. Com a certeza da nossa condenação social assumimos a solidariedade como forma de luta, são os pretos e pretas do “Black Twitter” grupo que se formou na internet em torno do que tinham em comum, a marginalização por meio de sua cor e todas as derivações políticas e econômicas que forma esta tríade excludente e interseccional.
Os mais variados assuntos são debatidos e também politizados, desde as experiências do cotidiano e das relações que possuímos até questões gerais trocas de livros já lidos, músicas, novelas que não nos representam, etc. se tornou uma maneira de retroalimentar nosso existir, de acolher os diversos sonhos e frustrações. Entre as mais diversas, interessentes e inteligentes pessoas que conheci, destaquei algumas neste texto. Juntos, debatemos TUDO, até o silêncio necessário àqueles que comumente são atacados e inferiorizados. Assim seguimos com os acessos que possuímos tentamos alargar a rede na propositiva de alcançarmos a maioria ‘dos nossos e nossas’ que ainda permanecem excluídos.
Lúhh Henry – @LuhHeenry é de Minas Gerais e com 25 anos faz vídeos de um minuto falando sobre visibilidade auto estima e outras questões. Se define como alguém que luta pelo seu direito de existir, sem ter que provar nada o tempo todo e afirma ser inimigo o sistema, o racismo, a homofobia etc. Acha que a militância ganha mais quando os oprimidos conversam entre si.
“Sou um sonhador que anda por aí cheio de ilusões e tentando ver como e se elas funcionam na prática, tento manter a cabeça positiva porque sei que praticamente a única pessoa que pode destruir a mim sou eu mesmo, tento suavizar os golpes da vida porque os golpes não vão parar, é difícil viver numa época desalentada para um jovem negro gay pobre afeminado, mas tento ter alguma esperança”
Samara – @samaralopes é de Fortaleza – Ceará e tem 35 anos. Segundo ela, ao se deparar com a hashtag #AfroSegueAfro, achou curioso e resolveu acompanhar.
“Nela conseguir ver muita coisa que até então estava sombreado na minha mente sobre ser negra. Cada dia que passa aprendo muito com esse encontro, onde conheço pessoas de quase todo o Brasil com diversas opiniões e visões sobre o racismo. Tem sido um encontro muito válido, mesmo sabendo que em todo movimento há ausências, ainda sim tem me ajudado a me enxergar como a mulher negra que sou, sem essa ‘Pardonização’ que a sociedade brasileira nos impôs. Consigo ter relações bem válidas, pois o meio que convivo na internet ou fora dela são compostos de maioria branca e negros que se enxergam como pardos. Me abriu muito a mente para poder ser uma pessoa diferente como mulher negra que sou.”
Preto Absoluto – @andrebranca é o André Luiz Amaral, que aos 45 anos é técnico em informática é bem taxativo ao afirmar “não tenho formação acadêmica!” Para ele foi ótimo encontrar tanta gente como ele e diz que faz falta espaços para dialogar com o nosso povo.
A flor de Wakanda – @aanonnyma é a Verônica que tem 29 anos e é de Brasília.
“Pensando que somos maioria (numericamente falando) mas não temos um ciclo social grande de pessoas pretas e que literalmente temos que pescar por elas. Eu acho sensacional! Muito satisfatório ver pretos unidos, ainda que seja virtualmente. É uma rede que amplia principalmente conhecimento e isso é muito valido para uma construção e desconstrução que cada um, a seu tempo, precisa passar.”
Alex Santos @imnotacompany é o Alexandre de Campinas (SP) está cursando RH, segundo ele, está se encontrando em muitos aspectos e o Black Twiter o tem ajudado, já que encontra muitas pessoas que passaram pelas mesmas experiências.
“É uma troca de experiência fantástica, eu tenho aprendido muita coisa e tem sido um passo a mais para eu poder me conhecer melhor também. Acho que eu nunca parei para pensar em me descrever, acho que é por isso que eu, até hoje, nunca fiz uma carta de apresentação – haha”
Mana Brown – @priscilabelem_- Priscila Ribeiro tem 26 anos é mulher preta, lésbica, nortista do Belém do Pará também se define como feminista preta e LGBT. Ela diz que a solidão negra é real e que precisamos estabelecer conexões entre nós e pensar maneiras de fortalecimento de laços interrompendo nossa invisibilidade.
“É bom poder contar com ferramentas como o Twitter, não apenas compartilhamos nossas vivências, mas trazemos para perto pretos que em algum canto do país também estão erguendo a voz na mesma direção que a nossa, contra tudo aquilo que nos atinge nos aquece e nos desafia. O poder da comunicação não pode continuar nas mãos da maioria branca da sociedade apenas, até por que nós temos muito o que falar, temos muita coisa para denunciar, temos conteúdo, temos demanda, temos nossos corpos que já falam por si mesmos e a fala, a integralidade da comunicação também é direito nosso.”
Double hangloose pro céu™ – @KnownAsLel é o Lel que tem 22 anos e usa o Twitter para desabafar, falar de suas crises, seus surtos como ele mesmo diz e seus pensamentos nada com nada Lel, beatmaker é também estudante de sonoplastia. Para ele é bem importante ter por perto pretos e pretas.
“é ótimo ter pretos e pretas ao redor, especialmente na internet que é onde muitos se sentem confortáveis em expor suas dores. Pelo menos a meu ver com pretos e pretas ao meu redor sinto mais à vontade em expor minhas dores, feridas, alívios, cura, enfim… tudo”
Afro Filho da Puta – @kevonymartins é o nome debochado do Kevony, que tem 19 anos. Fruto de uma relação inter-racial diz que na infância sempre foi considerado pardo, algo que sempre lhe causou algum desconforto e ao mesmo tempo foi sempre uma questão, “saber quem era, buscar sua identidade.” Destaque para a foto do perfil de Kevony que foi desenhada por outro Black Twitter o Ogui ou @OguiTarantino
“A procura por textos, vídeo, documentários e tudo o que me trouxesse conhecimento negro foi muito natural e importante. Eu tive a necessidade de me conectar aos negros e ter um espaço onde eu pudesse me abrir e falar sobre tudo que sentia, meus posicionamentos e até mesmo pensamentos aleatórios sobre a vida. Depois de um tempo fora desta rede, voltei ao Twitter no final de janeiro, pouco tempo depois do meu aniversário, nesse momento comecei a procurar pessoas negras para seguir, interagir e trocar conhecimentos. O Black Twitter é isso: negros se ajudando, comunicando e trocando informações de forma fácil, acessível e de simples compreensão para qualquer pessoa.”
And – @meiocoisada – é a Andressa Lopes, do Rio de Janeiro, com apenas 23 anos é uma resistente em todos os sentidos, articula projetos sociais na favela carioca e apesar de se reconhecer como vítima da sociedade, ultrapassa a autopiedade para ressignificar sua vida e sua luta, sendo criada como “retinta” em uma família branca, sofre com os dramas deste encontro e desabafa ao falar sobre si.
“Sempre que essa pergunta entra em questão sofro de ansiedade. O problema em dizer quem sou está diretamente relacionado aos fantasmas do passado, preconceito do presente e muito medo do julgamento futuro. Sou Andressa, filha de um ex-bandido e de uma garota de programa, dois pretos retintos com histórico de miséria, duas pessoas sem estudo que viram nos becos da Cidade Alta a talvez única saída para uma “vida melhor”. Esse tipo de união cheia de peso histórico, social e abusivo é bem comum na periferia e principalmente em famílias negras. E aos que leem este texto, que criam filhos, que mal conseguem estudar no supletivo, que sofrem violências ao chegar em casa. Saibam que precisamos nos unir mais a cada dia e ter forças para dar forças ao nosso povo. A internet foi o lugar que me proporcionou conhecimento, nela encontrei pessoas de muito amor e vontade de trabalhar pelas causas que acredito. Também foi aqui nessa telinha de vidro que me entendi como mulher negra e tive a completa certeza do quanto sou relevante para meninas de cabelo crespo, auto estima baixa e pele escura. EU NÃO VOU DESISTIR DOS MEUS!” #MariellePresente
Lusca ou @blckklucas é o Lucas, que nasceu no Rio e tem 18 anos, atualmente mora em Campinas e cursa o primeiro ano no Direito, o encontro com outros negros na rede veio por acaso, como ele conta.
“Recentemente, num tempo vago e sem aula, estava pelo Twitter e me deparei com o termo ‘Black Twitter. Ao pesquisar do que tratava, encontrei uma série de Tweets de pessoas maravilhosas e animadas por terem a oportunidade de dialogar, trocar experiências, compartilhar suas mágoas e traumas, de forma livre sem serem acusadas vitimização. O Black Twitter me deu a honra de conhecer pessoas incríveis e inteligentes com quem pude conversar e aprender cada vez mais. Tanto nas questões raciais e ancestrais, quanto no modo de enfrentar a vida, através de conselhos, dicas, relatos (que não se encaixam nos ‘White Problems’) e etc. Então acho importante um espaço como esse, que nos proporciona identificações, incentivos, autoestima, algo que quase nunca tivemos em uma sociedade que nos deixa a parte, que nos marginaliza, estereotipa e hipersexualiza. O Black Twitter é resistência, unificação e enaltecimento do nosso povo negro.”
Pretos, Uni-Vos – @revoltapreta é o Ricardo, que tem 42 anos se diz um “Sobrevivente do Inferno e Professor de Eletrônica e sempre utilizou sua conta para fazer denúncias e divulgar assuntos relacionados aos Direitos Humanos e de interesse da comunidade afro-brasileira.
“Considero o Black Twitter um importante ambiente em que inexiste a solidão, algo tão comum na vida dos pretos e pretas. Falamos sobre tudo: arte, esporte, música, política, moda etc. Expomos reflexões e compartilhamos experiências, sem o receio de não sermos acolhidos, sempre tem alguém disposto a interagir conosco. Além de ser um instrumento para ampliarmos as denúncias contra o racismo e nos organizarmos para mobilizações para além do campo virtual.”
Okoye – @karstark_elo é a Maria Eloah que tem 20 anos e é estudante de história.
“Eu vejo o Black Twitter como uma maneira de integração, divulgação de ideias e de material de estudo. Por meio dele nós temos acesso a diversos projetos e arquivos que podem auxiliar na vivência, é uma troca de experiência válida, porém ainda somos minoria, pois grande parte do nosso povo não tem acesso a internet por diversos fatores, logo não possuem acesso a esse conteúdo e discussão diária que nós temos. Eu vejo o Black Twitter como uma ferramenta de troca e difusão da luta diária e um meio para que cada pessoa possa usar as discussões dali como base para levar a sua comunidade, para aqueles que ainda não tem acesso. Participar e ter acesso a esse conteúdo vem me auxiliando em meus estudos, nas minhas reflexões diárias.”
Princesa de Wakanda – @najuviegas
É a estudante Naju que com apenas 16 anos não se considera uma militante, porque não milita “na rua”, mas vive militância e propaga suas ideias também nas redes sociais e foi por meio da internet que, segundo ela, passou a entender e questionar sua própria negritude.
“Sempre soube que eu era negra — sempre fizeram questão de apontar—, e eu também sempre soube que isso me afetava, de alguma forma. Mas só vim entender as ramificações do racismo e como isso me afetava depois de mais velha. Foi libertador para mim. Sempre coloquei a culpa em mim mesma, me sentia errada, me perguntava o que tinha de errado comigo, e sem entender, me frustrava, me escondia e isso corroía minha autoestima, quando, ainda criança, nem sabia o que era. Só sentia, cada dia mais, um vazio crescendo no peito. Esse vazio começou a ser preenchido com amor próprio, após a minha convivência, virtualmente ou não, com pessoas como eu, ou seja; pessoas negras. O Black Twitter e a convivência com os meus iguais trás a mim um quê de ancestralidade muito grande. Me faz muito bem, e é ótimo você estar em um grupo e poder ser você mesma, na forma de sua essência mais bruta. O fato é que esses grupos agregam de maneira essencial na importância da representatividade negra, seja ela virtual ou não, é sempre necessária e bem-vinda. O conhecimento da nossa própria cultura e o contato com os nossos é revolucionário, uma vez que isso sempre nos foi negado, mesmo que de forma indireta.”