A teledramaturgia evoluiu muito com os novos tempos, se “modernizou as novas formas novas ‘cores’”, dançou conforme a valsa estava sendo tocada, mas não esqueçamos que nós contribuímos para essa “evolução televisiva”, nós fizemos com que a mídia atribuísse nossos discursos, e não foi de nenhuma maneira imediata. Não esqueçamos também que a valsa podia estar sendo tocada por nós telespectadores, pelos artistas “fora da famosa caixa” mas a dança estava sendo conduzida ainda pelas mesmas mãos de quem sempre a conduziu,os senhores de bem, os que tiveram uma construção escravocrata. A teledramaturgia Brasileira ainda não sabe como e onde colocar seus atores e atrizes negras, não sabe como fazê-lo protagonistas de suas próprias histórias, não nos perguntam o que pode ser feito e não nos dão meio para fazer.
Vamos à análise mais escura de minhas criticas acerca de nós artistas negros dentro dessa caixa: A emissora globo, maior emissora de TV da atualidade apresentou nos últimos anos algumas novelas polêmicas, e nem tanto como deveriam ser, na inclusão do negro na teledramaturgia.
Apontamentos breves de algumas delas:
A Bahia Branca de Segundo Sol alguém lembra?
Pode-se notar a ausência de negros e de protagonistas negros no enredo da trama, o que provoca um distanciamento enorme da ficção para realidade. A Bahia branca da novela é totalmente oposta a Bahia com 76% dos negros que existe e isso é preocupante ou deveria ser. As desculpas dadas pelos autores da novela dizendo que havia um elenco negro e que ele iria aumentar durante a trama ( o que não aconteceu de fato),que durante os testes (na Bahia) não apareceram atores negros,que era uma ficção e não uma realidade, demonstram ainda mais a profundidade, negligencia e falta de cuidado com as nossas demandas enquanto indivíduos negros que anseiam por serem representados e enquanto artistas negros que anseiam
em ocupar papeis protagonistas. Antes fosse só esta questão da novela que é gritante, mas teve também uma “casa” com o tal “elenco negro”,acredito eu, da novela que poucas vezes apareceu, com exceção das vezes que um branco visitava a casa, ou quando o menino negro Acácio,capoeirista que parecia não ter uma história além de ser capoeirista, que era praticamente baba da atriz branca drogada e que aparecia só nesses momentos de cuidar da menina e claro não posso não citar a empregada negra, Zeva, mãe do que pra mim pode ser chamado de ator negro protagonista Roberval ( Um ponto positivo aqui da novela que falarei adiante) ,que era submissa, extremamente “bondosa” e não se importava em ser praticamente uma
escrava da casa toda ( sendo representada até como tal, em um âmbito de pensar como possíveis relações “afetivas” eram construídas entre escravocratas e escravizados só que sem a ascensão que poderia ter acontecido). As meninas negras do casarão mal apareceram a não ser para reforçar estereótipos da negra raivosa e da negra corrupta sem contar na personagem da Doralice que seguiu o estereótipo mais racista, a meu ver, da mulher negra que é aquele da mulher histérica, ciumenta ao estremo, raivosa, avaliando que o ciúme de Doralice tinha motivos, pois seu marido era de fato apaixonado por outra e a traiu. Não satisfeito com isso a personagem Doralice no final da trama ainda é a que pede desculpas ao marido pelo ciúme e por desconfiar da traição que de fato aconteceu!Tem lógica isso?? Só se ela for racista submetendo as mulheres negras à ignorância, falta de senso e equilíbrio. Outro fator e talvez o último (além de as protagonistas,que nasceram na Bahia, não serem negras, pelo menos uma) seja o fato que no fim da novela um homem branco (GROA) que nem do Brasil era, assumir um terreiro como pai de Santo (um dos maiores “cargos” de uma casa de religião de matriz afro), em um terreiro majoritariamente negro que tinha um pai de santo negro. Muitos problemas não é mesmo?! Mas nesse momento alguém deve interpor, “mas o importante é que tinha atores negros”… “O importante é que atores negros estavam ganhando dinheiro”…. “Há, mas os autores não sabem de tudo, todos cometem erros”… “Tinha um protagonista Negro muito bom sim”….SIM, SIM, SIM E SIM! No entanto, ter negros nas novelas representando um personagem significa que eles terão uma história o que de fato não acontece porque conduzir ou preencher a história de um branco não é ter história, e ter um personagem cheio de estereótipos é sucumbir em uma única história que só inferioriza corpos negros. Pode-se dizer também que ter atores negros talentosos e lindos ganhando dinheiro como Roberta Rodrigues (Doralice), Dan Ferreira (Acácio),Claudia di Moura (zefa) é muito importante,é evolução, é resistência, no entanto queremos temos talento e estamos lutando por personagens negros com uma história, personagens negros sem estereótipos,personagens negros protagonistas. Sobre os autores não saberem de tudo e estarem suscetíveis a erros isso é bem verdade, malhação faz isso a todo tempo, porém são erros que são “entendíveis” dentro de uma lógica que são autores brancos falando de uma realidade negra. O que não se pode entender mais e nem aceitar são erros como esses da novela “Segundo Sol”, com uma vasta pesquisa de dramaturgia, de elenco, e profissionais capacitados é inadmissível que ninguém tenha questionado pelo menos uma das questões que citei. Mas nem tudo é criticas “ruins” existiu também nessa novela um personagem negro, Roberval, que roubou a cena com uma história quente, emocionante, envolvendo questões raciais que não definiam o personagem e sim contribuíam para a complexidade da história do personagem. Com isso quero disser que a história do personagem não se baseava unicamente em sua cor ( que é importante) mas extrapolava esse quesito tratando de medo afetividade, ganância, superação ,riquezas…. Um erro?? No final da novela, o racista, Severo, depois de cometer faltas graves de racismo com o próprio filho, Roberval, ser perdoado por todo mundo, inclusive por este próprio que foi o mais prejudicado a vida toda, como se racismo fosse fácil para perdoar, foi absurdo! Observando a história de Roberval, um garoto negro, filho de uma empregada submissa que cresce em uma casa rica como um
empregado qualquer e depois descobre que seu pai é o branco dono da casa e trata sua mãe como escrava e quando se confronta com ele a vê escolhendo o senhor Branco ao invés dele é de enlouquecer qualquer mente sadia, é imperdoável.
Enfim foi uma novela, que a meu ver, errou muito em coisas que seriam resolvidas se tivessem prestado atenção nas criticas ou se tivessem pensado que um elenco Branco não seria muito a cara da Bahia.
OS CINCO PERSONAGENS NEGROS EM UM ENORME ELENCO BRANCO DE ESPELHO DA VIDA
Falando brevemente dessa novela, acredito que ela errou na quantidade, apenas cinco negros na dramaturgia?? CINCO?? Entre uma equipe enorme de atores?? Lembrando que parte da novela passava em 1930 pouco tempo pós-abolição e que nesse tempo o único personagem negro que apareceu foi a Bendita como empregada (o que é compreensível pela época) e que aparece depois no tempo atual totalmente invisível, mas, vamos supor que estou sendo injusta e que a dramaturgia não comportava entrar nessa temática e debater com proeza esse período e ainda explicar a história central da personagem Cris, Ok. Por isso, vamos nos atender aos personagens negros. O primeiro a aparecer foi Bola, amigo do personagem principal Alaim, branco, observem aqui mais uma vez um personagem negro sem história, aparecendo em cena para preencher e completar a história do protagonista branco igual Acácio de “Segundo Sol”, no entanto, um ponto positivo aqui porque nem tudo são males, é que diferente de Acácio, Bola começa aos poucos a ter uma história própria de afetividade, sendo subdiretor do filme, se envolvendo em outras questões na novela… Isso foi importante para o protagonismo parcial do personagem e sua visibilidade dentro de um todo, então uma salva de palmas para esse pequeno avanço.
Outras personagens negras que cresceram na trama foram Sheila e sua filha flor, personagens com personalidade própria, complexas e que tomavam conta da cena. Sheila era ambiciosa, altiva, apaixonada e amava flor que era uma menina esperta, doce, emotiva. Além delas tinha o pai de Sheila, Gerson, que esse foi totalmente apagado na dramaturgia só aparecia para criticar a filha. Dentro desse ciclo familiar o que menos se viu foi à família de Sheila, flor e Gerson, juntos. Como foi sua história? Onde moravam? O que aconteceu com a mãe de Sheila? Com esses poucos questionamentos quero dizer que é importante mostrar famílias negras estruturadas e unidas ao invés do contrário como se não pudéssemos constituir famílias felizes e sadias. Não é um grande erro como “Segundo Sol”, mas são narrativas que podem ser modificadas.
Verão noventa e o reforço dos estereótipos
Vamos falar dessa novela quente que começou bem no quesito de reforçar estereótipos referentes aos personagens negros. Começamos por Jenifer Nascimento, atriz talentosa, cantora, uma artista e que interpreta….. Humm…. Alguém lembra?? … Há sim, ela interpreta Kika que mal aparece na trama a não ser para aconselhar a personagem Manuzita (lembram-se do personagem preto que serve só para preencher a história do personagem Branco que citei anteriormente e se repete agora??) ou para trabalhar como recepcionista,ela não tem história, não sabemos onde ela mora, mal lembramos do nome dela, na trama uma atriz com tanto talento se torna quase uma figurante.Isso é triste para essa atriz e para uma personagem que seria capaz de contribuir na cena. É o apagamento de uma grande atriz. Outra personagem que não é apagada, mas sim estereotipada ao nível rard é Dandara, a dançarina, inteligente, divertida, talentosa e que se apaixona por um branco sabendo de suas características e caráter de playboy.
Se fosse “só isso” não seria tão ruim, no entanto, esse playboy não se apaixona pela Dandara, ele nem a conhece, ele se apaixona pelo corpo, pela dançarina. Toda vez que ele a imagina estereotipa o seu corpo dançando como se ela fosse só isso, o que a personagem percebe pelas falas dele quando se refere a ela, mas não faz nada a respeito. Ela deixa se tornar a amante, percebe o erro, percebe que aquele homem branco é um fraco que não a conhece por completo, mas se deixa envolver. O pior disso tudo é perceber como a dramaturgia naturaliza essa relação como se ela fizesse parte da “desconstrução do homem branco” mesmo que isso estereotipe outro corpo. Isso pode levar meninas negras, que assistem à novela e pela representação, que estejam crescendo e se envolvendo afetivamente com homens brancos pensarem “Tudo bem que ele só me veja como se fosse a gostosa pra transar, ele vai me amar e me defender quando isso acontecer” isso pode levar meninas negras a se inferiorizarem e aceitarem coisas que não merecem como a exteriorização dos nossos corpos. Outro quesito é o tal homem branco nunca defender Dandara de sua mãe racista e ele mesmo ser racista com outro personagem negro da trama, Diego, o inferiorizando
junto com seus outros amigos brancos. Homem desconstruído esse né?? Mais dois fatores que dariam complexidade a personagem Dandara, mas que não são aprofundados é a relação dessa personagem com os pais. Cadê os pais de Dandara??Cadê a relação familiar? Outro fator é a relação da personagem com o Cantor Ticiano que realmente gosta de Dandara, mas que segue outro estereótipo, o do homem negro que não dá pra se levar a sério, que não é adulto o suficiente, que tem ares de malandro por isso que nem a própria Dandara o leva a sério, impedindo assim o que a tv brasileira se nega a mostrar, a afetividade entre pessoas negras. Seguindo essa lógica vamos para outro personagem negro, Diego, que nasceu em uma família inter-racial, é consciente de sua realidade enquanto individuo negro, critica “os playboys”, mas se apaixona por uma “patricinha” como ele mesmo chama. O mais grave é a romanização do “favelado” com a patricinha que a novela coloca, ela que está de casamento marcado e é toda “desconstruída”, mas como seu irmão mesmo aponta, não está disposto a deixar suas riquezas para ficar com um favelado. Dentre esses personagens negros há dois deles, que apesar da pouca aparição nas cenas, são parcialmente bem construídos que é Otoniel e Clarissa, pai e irma de Diego. A clarissa é uma
menina curiosa e inteligente que poderia aparecer melhor na trama e seu pai Otoniel é um homem consciente , forte ,bom amigo e que tem pensamentos próprios. Quero dizer elogiando esses dois personagens negros que eles poderiam crescer na trama da novela e contribuir ainda mais para as narrativas que seguirem. Quando vejo personagens ricos assim, sem estereótipos, a vontade que tenho é que esses personagens negros ganhem ainda mais visibilidade na dramaturgia e na composição do todo, porque isso significaria uma representatividade real com histórias diferentes, não aquela única história que sempre ouvimos sobre nós e nossos corpos e afetividades.
Concluindo a tv brasileira ainda não sabe como nos colocar em cena, há mais erros que acertos e tudo só por falta de cuidado, vontade e consciência de expor nossas vivencias e valorizar nossos talentos. Alguns até diriam “há, porque só fala da globo ??”, “Há, mas ela erra tentando acertar”, “há, mas pelo menos os atores negros ganham com esses papeis e ficam visíveis” e eu digo SIM,SIM E SIM. A fala aqui, criticando algumas novelas da globo foi porque ela é a maior emissora da TV brasileira e a mais assistida e isso quer dizer que ela tem responsabilidades com TODASSS as narrativas porque afinal ela é uma empresa e nós que assistimos somos os consumidores de seu produto, por isso movimentamos seu negócio,somos nós negras e negros que tornamos essa empresa rica e o que ela é hoje. Então, ela tem responsabilidades de expor nossas narrativas nas teledramaturgias. Ela erra tentando acertar em muitas vezes sim,diferente das outros emissoras que a meu ver nem tentam, mas por muito tempo ela está “errando tentando acertar” já está na hora de acertar de vez ,prestar mais atenção, procurar se informar melhor com pessoas negras, estudar, entender que tudo vale na ficção mas se há um elemento da realidade
(como a BAHIA,como pessoas do cotidiano, problemas da vida real) já tem uma responsabilidade com a REALIDADE. E sobre a importância da renda financeira e visibilidade desses atores negros que mesmo em papeis insignificantes e invisíveis conseguem ganhar, só tenho um exemplo: Um empresário que ganha um cargo em uma empresa multinacional e mesmo como assistente ganha um bom salário, e colocando em suas redes social que trabalha nessa empresa (coca cola, por exemplo) ganha uma grande
visibilidade, mas que é conhecido apenas por ser assistente da empresa, não por os grandes trabalhos que ele faz a competência que ele tem a capacidade de fechar negócios rapidamente que ele possui etc….Vocês acham que esse assistente, que por acaso só será lembrado por essa denominação porque ninguém precisa e faz questão de lembrar seu nome, vocês acham que ele está feliz não podendo mostrar tudo que ele é capaz?? Não! A mesma coisa um ator negro que não tem oportunidade de mostrar tudo que ele é capaz, visibilidade de redes sociais não te dão visibilidade sobre o grande artista que você é. Enfim a nova novela “Órfã da terra” vem mais uma vez pra comprovar a “negligencia”, pra não ser “injusta”, dos roteiristas quando escrevem a história de personagens negros, no caso de “órfãos da terra”, a falta de história desses personagens onde os refugiados negros, não passam disso “refugiados” sem história, sem uma reconstituição no Brasil de uma possível história, onde, no casamento de Laila,o que poderia ser uma cena mostrando o brilho de um dos refugiados cantando e mostrando seu talento passa a ser a cena de uma mulher branca cantando e ficando apavorada ao ver seu marido opressor, e mais uma vez o corpo do ator negro servindo como pano de fundo para as histórias bem construídas dos personagens brancos.
Há muito que melhorar analisar, repensar. A representatividade com protagonismo real precisa ser levada como algo,além de muito importante, essencial para a riqueza da dramaturgia brasileira e algo justo para os milhões de telespectadores negros que estão em suas casas consumindo essas teledramaturgias.