“Ninguém nasce mulher, torna-se mulher” (BEAUVOIR, 2016, p.11). Da mesma forma, apesar do fenótipo ou genótipo, não se nasce mulher negra, torna-se uma. O caminho é árduo, pois, como afirma Gomes (2005, p.43), “construir uma identidade positiva em uma sociedade que, ensina aos negros, desde cedo, que para ser aceito é preciso negar a si mesmo é um desafio”.
Desse modo, o texto “As coisas só mudam quando a confrontamos”, escrito por Elaine Santos, foi gatilho para reviver e compreender várias emoções guardadas a sete chaves, principalmente o trecho da carta escrita por James Baldwin à Angela Davis, traduzida por Cassiano Terra Rodrigues para o Correio da Cidadania:
“O triunfo americano – no qual sempre esteve implícita a tragédia americana – estava em fazer as pessoas negras desprezarem a si mesmas. Quando eu era pequeno, eu desprezava a mim mesmo; não sabia fazer melhor. E isso significava, embora inconscientemente, ou contra minha vontade, ou com grande dor, que eu também desprezava meu pai. E minha mãe. E meus irmãos. E minhas irmãs”
Lidar com algumas emoções não é fácil, doí muito. Porém, Elaine tem toda a razão: as coisas só mudam quando a confrontamos. Isso refere-se ao racismo, ao sexismo e à exploração de classe, mas também a nós mesmas. Porque lutar contra o racismo também é enfrentar a interiorização das dores que o preconceito racial produz nas pessoas negras. Sem enfrenta-las é impossível assumir a luta antirracista, pelo menos, é assim que funciona para mim.
Nesse sentido, após ler o post da Elaine, conversei com a minha mãe sobre como não a considerava uma mulher bonita durante a minha infância. Ela riu e me disse que sabia que eu não me amava, mas não imaginava que eu sentia o mesmo por ela. Falei sobre o texto que tinha acabado de ler e expliquei que o “belo” é construído, assim como o feio.
O belo é uma construção social, que é fortalecida pela sociedade e pela mídia. Durante a década de 1980, quando eu era criança, as mulheres loiras dominavam a televisão brasileira e, desse modo, a mulher negra era a sua antítese: a feia.
A construção e o fortalecimento da minha identidade de mulher negra transformaram completamente a minha visão de mundo, desconstruindo os estereótipos das pessoas negras e padrões hegemônicos de belo. Com isso, meus olhos apreciam a minha beleza. Não existe mulher mais linda que a minha mãe.
Embasada em Munanga (1996), acredito que, para a construção e o fortalecimento das identidades negras positivas e plurais, é preciso valorizar a cor da pele e o cabelo afro, assim como a história, a cultura e as religiões africanas e afro-brasileiras.
Bibliografia:
BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. Vol.2. A Experiência vivida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016.
GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão. In: BRASIL. Educação Anti-racista: caminhos abertos pela Lei federal nº 10.639/03. Brasília, MEC, Secretaria de educação continuada e alfabetização e diversidade, 2005. P. 39 – 62.
MUNANGA, Kabengele. As facetas de um racismo silenciado. In: Raça e Diversidade. São Paulo: Edusp/Estação, 1996.