Terapia, sala de espera.
8:53
Faltam sete minutos. Hoje, a classe de professores está engajada em uma paralisação para reajuste salarial. Não fui dar aula e, por isso, consegui chegar para a sessão com tempo de sentar um pouco no sofá cor neutra e respirar depois das pedaladas do caminho. Coloquei dois cadernos no colo. Chorosa, ansiosa para conversar sobre as descobertas dolorosas e necessárias da minha cor. “Minha cor”. Ainda soa tão estranho. Amar é socialmente difícil para mim. Recém-descoberta, motivo das lágrimas.
8:56
Dois homens transitam. Já subiram e desceram as escadas três vezes, carregando pedaços de móveis de madeira. Pelo formato da casinha apoiada nos ombros e, depois, prateleiras e mesa, um consultório novo está sendo montado. Me apeguei ao trânsito desses móveis para regular o compasso da respiração e repassar na memória tudo o que precisava sair do peito, dos pensamentos. O lugar mais seguro no momento é a sala onde logo vou entrar. Hoje, especialmente, com as lágrimas já na ponta da agulha!
Homens altos e fortes. Desceram degraus mais uma vez. Com porte para aguentar peso subindo escadas, para montar ambientes para outras cabeças se tratarem. Na blusa preta do mais alto, de pele clara, um homem negro estampado. Cabelo na régua e óculos juliete multicolorido brilhando na cabeça. Sorriso gaiato em uma feição meio marrenta. Uns olhos de diversão. Abaixo da foto, uma cruz.
Quis saber mais detalhes quando vi que nas costas havia uma mensagem escrita. Parecia a letra de “Negro Drama” das camisas que transitavam na minha escola do ensino fundamental. Mas só parecia. Era uma letra de música também, mas nas costas daquele homem, naquela situação, entendi tratar-se de uma dolorosa despedida. Entendi ser uma música que o amigo morto gostava enquanto ainda respirava. Lá no final #ISSOÉQUEÉFODA
9:00
Minha psicóloga abre a porta e me recebe sorridente. E eu tinha acabado de dar mais uma espiada na foto do homem sorrindo. Automaticamente, olhei para o meu braço e confirmei. É, é da minha cor. Então é uma cor nossa. Temos algo, eu e aquele completo desconhecido. Precisava saber seu nome e o nome da música. Desabei na poltrona confortável. Um giro pesado de associações em minha mente. Cheguei para falar de cor, amor e dor. E agora tem morte de gente também. Morte das gentes. E agora, qual dor escolho para tratar hoje?
Quero muito ouvir a música daquela camisa.