O termo colorismo foi cunhado em 1982 pela escritora e ativista negra Alice Walker, autora de A Cor Púrpura. A forma como esta manifestação do racismo age é simples; somos avaliados socialmente pela nossa aparência e cor a todo tempo, nossa pele deve corresponder a um determinado status social, quanto mais a pele for clara, maior será a probabilidade de ser aceito.
“Pessoas de pele mais clara desfrutam de privilégios substanciais que ainda são inatingíveis aos seus irmãos e irmãs de pele mais escura. Na verdade, pessoas de pele clara ganham mais dinheiro, frequentam por mais tempo a escola, vivem em bairros melhores e casam-se com pessoas de maior status social do que pessoas de pele mais escura da mesma raça ou etnia.” (HUNTER, MARGARET. The Persistent Problem of Colorism: Skin Tone,Status, and Inequality. Tradução livre)
Raça e cor são níveis dentro do sistema de discriminação racial, o primeiro é um conceito subjetivo e muitas vezes controverso; o que sabemos é que ele é aplicado às pessoas não-brancas, pois as brancas atendem à ideia homogênea do ser ideal. O racismo pode ser sofrido por pessoas latinas, asiáticas, já o colorismo é uma manifestação subsequente do racismo caso a pessoa tenha a pele mais escura.
O colorismo também se apresenta como arma do racismo quando lança um véu sobre ele e impede pessoas negras de se enxergarem como tais; subterfúgios são criados para que haja rejeição da visão do negro na própria pele e traços fenotípicos.
Nas linhas abaixo relato minha experiência de vida com a intenção de tornar mais visível e expor no sentido prático como o colorismo interfere diretamente na forma em que nos aceitamos e lidamos com o racismo.
Não ser identificada como negra passou a me incomodar quando entendi o racismo e suas ‘n’ formas de nos embranquecer. O preconceito só se tornou evidente após meu empoderamento como mulher e posteriormente como mulher negra, processo esse que foi retardado pela leitura que faziam de minha figura como exótica, morena, da cor do pecado, aquela que é bonita por causa dos cabelos lisos e olhos puxados, chegando ao ponto de ser chamada de “japonesa preta”, óbvio seguido de risadas.
Muitas vezes sou comparada à indígenas, o que não é em si negativo, mas serve para demonstrar mais uma vez como o colorismo atua, sempre privilegiando a raça/cor que mais se aproximar do padrão branco. Porém, da mesma forma que os habitantes originais do nosso país sofrem discriminação e são invisibilizados, isso também era feito comigo. O tratamento que me aproximava da “índia” por vezes até me conectavam com a branquitude, pois me afastava da negritude e isso me envaidecia. A erotização da minha pele e do meu corpo travestida de exoticidade cegavam, abrandavam o racismo e o machismo. Assim segui por muito tempo, ignorei os momentos em que era discriminada por causa dos meus traços negros: lábios grossos, nariz largo, rosto arredondado e por fim, a pele escura, mas nem tão escura assim…
Fazendo uma retrospectiva mental identifiquei que diversas vezes fui preterida por não atingir um padrão específico, mas também minimamente aceita por me enquadrar em alguns deles. Essa aceitação é bem delimitada, trata-se de uma fronteira que não me permite adentrar certos mundos, certos ambientes. Em locais predominantemente brancos minha pele é escura demais.
Quando jovem em uma escola particular de viés evangélico me deparei com o racismo ao ser chamada de “macaquinha”. Ainda assim este episódio não me fez enxergar minha cor, afinal, a todo o tempo eu era a índia, a morena, a mulata. Como poderia ser macaca? Só poderia ser bullying. Crianças são cruéis mesmo, mas o que não havia absorvido era que essa crueldade é construída numa sociedade excludente e racista e que em algum momento a discriminação me alcançaria já que eu estava em um local que não era meu, escolas particulares são em geral constituídas por pessoas brancas e de classe média/alta.
Não enxerguei o racismo quando disseram que meu nariz era muito aberto e feio, mesmo os anos seguintes em que sempre pensei em afiná-lo não serviram para abrir meus olhos. Demorei para criar a consciência que deveria ter, porque não era vantajoso ter mais uma pretinha gritando ” É RACISMO SIM!” em tudo que via. Tentaram tirar minha voz, tentaram colocar-me numa linha imaginária entre o quase preta e o nem tão branca assim. Quiseram fazer isso, mas não conseguiram.
A dificuldade de se auto identificar como negra se dá devido à miscigenação que por muito tempo foi usada com o intuito de aproximar a população brasileira do que é tido como perfeito, ou seja, o mais perto do branco possível. Se ver negra é um fator importante para lidarmos com a branquitude e os meios vis que ela atua, porém devemos estar atentas para o racismo muito mais gritante, constante e agressivo que negras da pele mais escura passam. O fenótipo que mais se aproximar da raça negra será aquele mais execrado, o cabelo crespo por exemplo, bate de frente de forma contundente com tudo aquilo que é branco ou embranquecido. Existem violências raciais que pessoas de pele mais clara jamais sentirão, então reconhecer nosso lugar de luta é fundamental, ao lado de nossas irmãs igualmente negras nossa voz deve fazer um coro uníssono para lidarmos com o inimigo em comum, o racismo.
Imagem destacada: Soul Vaidosa – Facebook.