Salinas das Margaridas. Você já deve ter ouvido falar esse nome, um nome que soa melódico, não só porque que é cadenciado, mas sobretudo porque Gilberto Gil o fez famoso em Ladeira da Preguiça: “Que nem lá/ na ilha do medo/ Que nem lá na ilha do Frade/ Que nem lá na Ilha de Maré/ Que nem lá, Salinas das Margaridas”
Amante de Gil, nunca ia advinhar como esse lugar me atravessaria a vida e o peito mais do que nessa canção que escuto enquanto escrevo. Visitei Salinas pela primeira vez em 2011, na ocasião de um trabalho com uma organização do terceiro setor que, em parceira com a empresa baiana de gestão da eletricidade, fazia a troca das geladeiras velhas por novas e trabalhava a educação para um consumo sustentável. Foi nessa jornada que conheci várias, diversas, centenas de mulheres marisqueiras que, há época, lotaram o ginásio da cidade para ouvir e perguntar sobre do que se tratava aquele projeto. Eram elas as chefas de famílias que tinham seus nomes no Bolsa Família – programa através do qual elas podiam realizar aquela troca.
Eu conheci muitas delas. Ouvi as histórias do acidente da petroleira que derramara oléo na costa ali perto, ouvi a outra que havia saído de um câncer, ri com um outra que falava mal dos homens da cidade. Foi em Salinas das Margaridas que testemunhei a numerosa população de mulheres de Conceição de Salinas, me dizendo que suas praias eram lindas e que a mariscagem era sua principal atividade. A melhor moqueca de peixe, de marisco!
Passaram-se anos e eu sem ir a Salinas. Só fotos e saudade! E eis que ela chega até a mim por Leo. Quilombo Conceição de Salinas e sua história, sua resistência me aparece não como destino – porque nisso a gente não acredita – mas como missão. E nessa descoberta, torno a me deparar com a história da defensora de direitos e território Leo, que assim como a de tantas outras mulheres na Bahia, no Brasil e na América Latina está permeada de surpresas, vitórias, dores e resistências também.
Sabe-se que na América Latina em 2016 pelo menos 200 defensoras de direitos por terra e meio ambiente foram assassinadas, segundo o informe da Global Witness de 2017. Muitas dessas lideranças são mulheres, negras, indígenas ou quilomboras que estão vulneráveis nos seus territórios a despeito do machismo que opera sobretudo através das conivências entre estado e empresa, do racismo estrutural, da falta do reconhecimento do trabalho das defensoras, da falta de investigação das denuncias por parte das ativistas e sobretudo pelos constantes espirais de violência pelo que passam essas mulheres – sexual, simbólica, física, psicológica.
Situando a luta dessas mulheres no mundo, trazemos o depoimento-conversa com Leo.
Quilombola de Conceição de Salinas, mulher preta pescadora de profissão e tradição, símbolo da luta das mulheres negras em defesa da terra e do direito a vida. Uma das principais lideranças que organiza o Setembro da Resistência – que aconteceu de 24 de setembro a 4 de outubro e que esse ano tem o objetivo de preparar a comunidade para uma nova audiência pública que reivindicará a posse do seu território, hoje ameaçado por uma grande construtora.
Leo, uma das mulheres mais eloquentes e coerentes que já entrevistei, me falou dos seus sonhos, da história do Quilombo Conceição, da luta dentro do movimento de mulheres pescadoras e com sua voz traquila e compassada me mostrou a força do saber tradicional, do saber de onde se vem e para onde se quer ir.
BN: Quem é Leo? Quem é essa pessoa? Quem é Leo atvista? Quem é Leo mulher, quem é Leo baiana?
Leo: Eu tenho me apresentado sempre com nome e sobrenome, aprendi com Vilma Reis que disse que aprendeu com Lélia Gonzáles que nós, as mulheres negras, temos que ter nome e sobrenome, pro preconceito não dá pra gente o nome que ele quiser e depois que eu vi Vilma Reis eu lembrei ou entendi melhor porque que os politicos na minha cidade sempre que queriam se referir a mim e a outros colegas, amigos e amigas lutadores do povo, falavam sobre nós, que nós eramos as “meninas de Conceição, de Encarnação” pra tentar diminuir a importancia da nossa luta. Aí eu tmabém aprendi a importância de falar desse nome e desse sobrenome: então eu sou Elionice Conceição Sacramento, recebo o nome, o sobrenome Conceição que também é nome do quilombo onde eu moro, Quilombo Conceição de Salinas e essa comunidade recebe o nome de Conceição de Salinas que é a padroeira da comunidade, que é Nossa Senhora da Conceição, a nossa igreja que é a principal construção da comunidade, a mais antiga da cidade que é a Igreja de Nossa Senhora da Conceição que tem 301 anos, e tanto a comunidade como a igreja, a gente acredita que recebeu esse nome em função da fazenda Conceição, né. Que está localizada também na nossa comunidade.
Então eu sou uma mulher preta, pescadora, pesscadora de profissão e também de tradição, tomei a decisão política de me manter na atividade da pesca proque acredito que existe possibiidade de vida com dignidade na atividade da pesca, contrariando o discurso do governo que tem dito sempre pra gente que a pesca é uma atividade inviável, que a gente tem que buscar outras formas de vida. Mas a gente acredita que tem uma intencionalidade por trás desse discurso, né? Que quando a gente deixa os nossos territórios pra buscar outras possibilidades de vida, o capital se apropria desses territórios. Então nos convencer que aquilo que a gente faz nao é importante, que aquilo que a gente faz não tem valor é uma estratégia bem pensada pela elite, porque os espaços de beira de praia e de beira de rio passou a ser espaços de interesse desse capital e a gente ta nesse processo de disputa constante, de disputa com os projetos das elites, disputa com o capital, disputa de uma narrativa. Aí eu sou essa mulher, que também sou filha de uma mulher que também acredita no território pesqueiro, sou neta de mulheres pescadoras quilombolas, bisneta, tataraneta, quartaneta de mulheres que nasceram e se ancestralizaram nesse território chamado Conceição de Salinas.
BN: Você já introduziu bastante coisa, e aí a gente queria entender quem faz parte desse terriório, como funciona o território, o Quilombo, quais são as conexões que ele tem ao redor, quais são as dificuldades, os desafios que as mulheres negras e as mulheres quilombolas tem passado nesse território, quais são os sonhos também dessas mulheres…
Leo: Então, nós somos mulheres em sua maioria expressiva, uma população negra, mas também com uma ancestralidade indígena. Nós estamos no recôncavo sul, e aí os povos tupinambá estavam ali como grandes muralhas que recebeu no peito todo esse processo da colonização e as nossas avós e as nossas bisavós traziam muito essa presença tupinambá. A gente se afirma nessa identidade negra, porque a cor da nossa pele, o jeito do nosso cabelo, do nosso nariz tem mais elementos dessa identidade negra, mas muitos dos nossos costeiros de pesca, os tipos de pescados, recebe essas influências. Até uma década atrás, as nossas embarcações eram com esse modelo da construção indigena e a maioria dos nossos instrumentos de pesca, né?
Nós somos uma comunidade quilombola que tem grande expressão pesqueira, a professora doutora Cassia Rios, ela diz que Salinas das Margaridas é a cidade de maior expressão pesqueira da Baia de Todos os Santos e Conceição maior de Salinas. Então nós não temos cultura de sair pra trabalhar na construção civil ou em outros lugares. 80% da população vive direta ou indiretamente da atividade da pesca e da pequena agricultura. A agricultura já teve uma importância maior do que a pesca, há algunas decadas atrás. Na proporção que a gente começa a entrar na expropriação do território pela Companhia Salinas, pela Magalhães, pelo Loteamento Costa Dourada do grupo Marcos Ramiro, e agora por esse Parque das Margaridas, mais recentemente, da Bahiana Engenharia, aí a gente vai de forma violenta sendo expulsas e exppulsos desses territórios de roça. O território do Quilombo Conceição, que a gente também chama de Comunidade Conceição, é um território que ele se constitui a frente da parte dos costeiros de pesca: mar, as coroas. No meio está os espaços de moradia mais fixa, mas ao fundo sempre esteve as areas de extrativismo vegetal, os rios que a gente sempre historicamente lavou roupa, fez piquiniquis, é onde tá as pedras de Dulce, a pedra de Silvinha, onde são feitos cultos aos ancestrais e também são as areas de roça. E aí esse capital vem com muita força, com muita cobiça sobre esses lugares. Se você for a comunidade, por exemplo, ai você vai ver: é o Rio de Nanoca, é Rio de Cecé, são as mangueiras de Pequeno, a área de Zé Maranha, são elementos do território que dão nome aos nossos ancestrais, que os nossos ancestrais deram nome, quer dizer, ali configura de que a presença de vida e de manipulação daquele espaço foi feita historicamente por eles.
Aí chega esses grupos empresariais pra querer construir resorts, pra construir loteamentos, parques, pra estabelecer um modelo de moradia que não dialoga com nosso modo de vida. Agora o nosso principal conflito é com o Parque das Margaridas, que é um empreendimento imobiliário que a gente toma como surpresa, há um ano atrás, uma grande propaganda de venda de lotes de 1000 metros quadrados por 4 mil reais nesse terriório, né. Vários ônibus de cidades vizinhas, das ilhas chega pra comprar esses lotes! Os lotes tem sido vendido em baixo preço porque pretende-se lucrar com a construção. Coincidentemente o prefeito do município é um dos maiores empresários da construção civil na região e essa gestão desse prefeito cria um conjunto de estratégias pra licenciar esse empreendimento; pra licenciar, regularizar, passando por cima de orientações do Ministério Publico do Meio Ambiente, do INEMA, e então isso revela pra gente que, no mínimo, existe uma relação promiscua! Que existe interesses que precisam ser investigados. Uma gestão de um território tradicional, um gestor que é eleito por pescadores e pescadoras que depende da água, que depende da terra, dos recursos naturais e nãoi considera os interesses do seu povo e acaba facilitando os interesses do capital, a gente no minimo precisa investigar o que é que está por trás desses inteteresses. Quem é que vai ganhar com esses interesses, né?
Aí a gente tem percebido que ao longo do processo histórico, quando chega, por exemplo, no território as empresas de camarão que começa a expropriar o território, as mulheres pescadoras além de perder os espaços de mariscagem, elas precisam caminhar mais pra chegar em outros costeiros de mariscagem e são vitimadas de diversos processos de violência; então toda vez que um grande empreendimento se instala numa comunidade, são as mulheres que mais sofrem o impacto desses grandes empreendimentos. Na chegada do estaleiro na Enseada do Paraguaçu na região, por exemplo, que se prometia a geração de emprego e de renda, nós acabamos sofrendo o impacto social, ambiental e cultural muito grande. Esse empreendimento com pouco tempo, quebrou e faliu, mas aumentou significativamente os indices de violência, né. E aí as mulheres que ficaram impedidas de estarem nos manguezais, em determinandos lugares era muito assédio, muita violência e a gente vem resistindo historicamente a tudo isso. As mulheres estao sempre na fronteira das lutas, seja na luta política para a garantia e permanência de direitos para que não haja retrocesso, ou seja na luta pelo sustento.
Aí o IBGE por algumas vezes já publicou, por exemplo, que Salinas está entre os municípios que a maioria das mulheres são chefas de família e responsáveis pelo sustento de sua familia. Professor Hugo Caetano, por exemplo, que é um dos estudiosos lá do município, ele costuma dizer que Salinas da Margarida, ela não deveria se chamar “Salinas da Margarida” e sim “Salina das Marisqueiras”, porque as mulheres são o principal símbolo desse territorio, só que ao mesmo tempo que essas mulheres são tão importantes para a economia e para a cultura da comunidade Salinas da Margarida e para o Quilombo Conceição e do município, existe uma invisibilidade muito grande. Existe uma invisibilidade e a gente pensa que, por questões óbvias, não só pela violência de gênero, mas pela violência de raça né, e aí um exemplo simples, em Conceição é: na nossa ancestralidade tem três irmãs que talvez essas três irmãs foram as mulheres mais importantes na comunidade – que eu quero ainda escrever sobre elas – que são Elisa (e aí tem um trabalho meu que eu chamo Elisa de “Mãe da Terra”), Rosalinda – que a comunidade toda chama de Mãe Rosa e aí eu chamo, nesse trabalho que eu ainda quero publicar, de Mãe de Parto e Totonha Cajueiro, que eu chamo o trabalho de Mãe de Santo. Então essas mães da Terra, que é uma mulher que conhece muito da produção, que a comunidade sempre quando vai fazer referência a uma mulher que lutou contra opressão, que há 160 anos atrás dizia que “as mulheres tinha direito de parir de um e de outro, de gato e cachorro, mas que de homem ruim só se devia parir um filho”, então uma mulher que já lutava pelo direito das mulheres há quase duzentos anos atrás; Mãe Rosa que fez mais de mil partos, fez parto até 106 anos e Totonha que foi a principal Mãe de Santo da comunidade. E aí você anda a comunidade toda você não vê nenhuma escola que tenha o nome dessas mulheres, não tem um posto de saúde, não tem nada que fale sobre essas mulheres. Recentemente, o Senhor Joel, ele dizia assim, que ele não pretende morrer, um senhor de 86 anos – se não me engano – ele disse que ele não pretende morrer sem ver Mãe Rosa engrandecida. Que ele não se conforma! Mãe Rosa foi a mulher mais importante pra essa comunidade. “Quase todos nós nascemos pelas mãos de Mãe Rosa”, ele diz. E aí tem uma luta pra se fazer uma praça e colocar o nome de Mãe Rosa e tem uma resistência, uma resistência de reconhecer a importância dessas mulheres negras, né?
Aí tanto Mãe Rosa, Elisa, como Totonha Cajueiro foram filhas de Filomena! Aí nós, as mulheres irreverentes, quando a gente contraria alguém ou dá uma má resposta, quando a gente faz uma luta, o pessoal diz “é raça de Filomena!”. (Risos!!) Mas existe uma tentativa de negar a nossa importância, de apagar isso. Aí existe toda uma estrutura montada pra que a luta das mulheres, das mulheres pretas, porque não são quaisquer mulheres, seja apagada! Na comunnidade toda, só agora tem uma escola, uma creche, mas já na saída da comunidade, que tem o nome de um homem preto, mas de uma mulher preta não tem, ainda não tem. Aí a gente tem decidido que a gente vai construir estratégias a partir de nós, a gente vai botar nas placas da nossa casa o “Beco de Mãe Rosa”, “O Beco de Num Sei Quem”, vamos fazer pintura, vamos resistir das mais variadas formas né? E para isso a gente tem apostado no contar dessa história pra Juventude!
Aí, baseado na experiência da Escola das Águas que existe na Bahia, a gente tem buscado fazer formação pra juventude e trabalhando nessa juventude a conxeçao com essa ancestralidade: o que é que me faz hoje lutar pra que eu acesse a educação pela política quilombola? Mas se existe uma política quilombola é um processo de reparação por uma luta ou uma resistência que foi feita lá atrás e a gente tem trabalhado isso com essa juventude, asism. A importância de conhecerr essa história e de resistir a partir de uma memória. Essa tem sido uma das nossas lutas nesse território.
Um outro elemento assim de apagamento dessa identidade: uma comunidade em que a pesca tem uma importância tão grande e agricultura também – ainda que em pequena escada – não existe um espaço cultura, coletivo, que fale dessa historia, dessa memoria viva. Se as pessoas chegam em Salinas e diz assim “Me leve no espaço cultural desse municipio”, não tem. A gente tá vivendo a cultura das construções! Calçar a rua, jogar asfalto nas ruas de uma comunidade pequena – que não é só calçamento de pedra, é asfalto! – então, tem sido a postura do gestor. Aí eu já falei que esse mesmo gestor é empresário da construção, então assim, o grande slogan do nosso gestor no campo privado é “Construir é o nosso negócio”, mas esse slogan ele é reproduzido na vida pública! Aí é um outro elemento que nos intriga assim: que rota, que linha cruzada existe entre essa relação da gestão do público com o privado? Ai tem sido, ao tempo que se constroe muito na comunidade, que se constroe, que se reforma, não existe uma polítcia de investimento na cultura, na educação, na saúde e ao mesmo tempo aa gente vive o tempo dos antigos coronéis: não podemos dizer nada, as pessoas tem medo de se manifestar, tem medo de reagir porque esse gestor é um homem muito poderoso, a câmara não é uma câmara autônoma e aí existe algo bem estranho, mas também existe resistência, né?
Existe uma associação que articula pessoas, que tem a presença dessa juventude que acredita na educação, que acredita na cultura e a gente vem buscado formas diversas pra resistir ao longo de algumas décadas, por exemplo, a gente vem lutando pra fortalecer atividades como o Bordejo – que é uma tradicional corrida de canoas que acontece no dia 1 de janeiro que é uma ação de agradecimento as águas e também é um show de saber tradiconal mesmo, né? A gente enquanto comunidade, mas apoiando os presentes a Iemanjá, que, especialmente lá na comunidade é um presente que não tem relação específica com uma casa de Santo, com um terreiro, mas uma comunidade que diariamente tira o sustento das águas – e aí meu pai construiu isso muito cedo na gente, que independente da nossa religião, a gente precisa retribuir as águas – então as pescadoras e os pescadores tem essa crença na importâcia de você agradecer as águas e a gente vem fortalecendo isso.
A festa de Nossa Senhora da Conceição, o acompanhamento de São Roque e outras atividades que a gente fazia solto, mas por exemplo, nos útimos anos – que a gente agora tá numa quarta edição – a gente vem desenvolvendo algo que a gente passou a chamar de Setembro da Resistência, né? O ano passado a gente fez esse Setembro da Resistência com outro tom assim, chamando audiências públicas a partir de nós, no território pra denunciar a expropriação do território pelo Parque das Margaridas, pela Bahiana Engenharia, por Lucas Bahiano que se diz dono desse empreendimento, que foi lá pro território com seguranças e agentes da polícia, com viaturas pra expulsar famílias da sua roça. Um senhor chamad, que a gente chama de Tataria, da família Gomes, um senhor de 70 e poucos anos, teve arma colocada na sua cabeça e a família denunciou isso a polícia tem um b.o lá falando sobre isso, através da Associação de Advogados dos Trabalhadores Rurais foi feita uma denuncia a Secretaria de Segurança Pública, a Casa Civil, Direitos Humanos e o capital continua poderoso, assim. As famílias, outras familias – diferente da de Tataria, dos Gomes que tem roça a mais de 50 anos – outras famílias que tinha terrenos menores, roças com um tempo menor do que 60 anos, mas que são mais de 30 famílias, os tratores passaram por cima dessas roças e aí a gente tá na luta e na resistência. O ano passado foi um conjunto de reuniões com o Incra, com o SPU pra buscar reverter a situação e o mais incrível que pareça, assim, esse empreendimento que chega lá e esse Lucas Bahiano que a gente nunca tinha visto, acaba nos processando por perturbar a sua posse, por perturbar e turbar. Então, um invasor, que expropria o território, que chega no território com violência, usando o poder da polícia, colocando o público a serviço do privado, através das relações coronelistas que ainda existem muito nas cidades da Bahia, especialmente numa cidade como Salinas da Margarida e a gente tem essa situação.
O mês passado, essa ação foi julgada favorável a esse empreendimento, o juíz foi induzido a a processos de erro no julgamento e ai esse ano a gente, nessa quarta edição, a gente tem uma ação, mais uma ação também nessa linha, não só de afirmação da identidade de demonstrar as atividades artísticas e culturais e a nossa poesia e a nossa música, não só nessa linha de demonstrar nossa beleza negra, os nossos saberes e fazeres, mas também nessa perspectiva de fortalecer a luta, de continuar fazendo denuncia. Aí a gente abre Setembro da Resistência no dia 24 com uma limpeza do território, tanto da área de manguezal como a area do costeiro mais acima, e depois a gente vai ter dois dias de um seminário que a gente vai tratar sobre o direito dos povos e comunidades tradicionais – aí a gente tá convidando figuras da UNB, da UFBA, os advogados da TR, como pessoas do movimento que tem a experiência de vivência, de defesa desse território, que pensa o direito não na lógica da propriedade, mas pensa um direito que foi garantido a partir da luta dos nossos povos, na sequência a gente vai ter oficina de cartografia social pra que a gente possa dizer e reafirmar a partir de nós, usando esse insturmento importante da cartografia, que território é esse que a gente tem? que não é só espaço de terra e de água, que não é um territorio meramente econômico, né? Aí vamos ter um festival cultural, de música e poesia, mas também Desfile da Beleza Regional e também nos dias posteriores a gente vai ter aulão de preparação para ENEM e outros processos seletivos para a juventude.
Essa atividade vai se dar num costeiro da Coroa do Garro, que é uma área em que a SPU emitiu o TAUS pra comunidade, que é um Termo de Autorização de Uso Sustentável desse território, e a gente enquanto associaçao faz a gestão e a gente també aproveita pra celebrar que é a primeira vez na nossa história e a gente, do ano passado pra cá, a gente conseguiu que 14 jovens da comunidade acessassem pela política quilombola de reparação, adentrasse a Universidade pública federal e estadual. Então isso pra gente é uma conquista importante e a gente quer animar que outras jovens e outros jovens, que mulheres não jovens também se empodere desses direitos e continuem reivindicando aquilo que não é favor, que não é benefício.
BN: Bom Leo, você praticamente entrou nas perguntas todas e respondeu, acho que isso mostra também o quanto que os assuntos se embricam e se misturam e o quanto sua vida tá conectada com o seu território e vice-versa. Queria só que você desse um pouquinho mais de ênfase nas conquistas, que são as conquistas do território e de vocês enquanto lutadores e defensores do território, que foi isso que você já falou um pouco, né. Falasse das ultimas vitórias, das ultimas conquistas e que você também deixasse um apelo, falasse do seu sonho, um desejo que você gostaria pra gente finalizar nossa entrevista. Qual é o desejo, qual é o sonho das mulheres negras do Quilombo Conceição? O que as mulheres negras mais querem para esses próximos anos?
Leo: Pensando a conquista eu acho que uma das principais que a gente teve foi justamente a entrada dessa juventude – e Vânia que não é tao jovem, mas uma mulher que sofreu várias opressões do machismo, do patriarcado – acessam a universidade, então essa é mais do que: Crissielle, Danilo, Cirlene, Debora, Michelle, Jeane, Suzielle, Daiana. Então elas tão rompendo com muros históricos que impediam a gente a chegar nesse lugares, entao elas não chegam sozinhas. As nossas ancestrais estão chegando através delas, e aí a gente tem a possibildiade de construir futuros diferentes para os nossos, né? Que a gente olhar pra frente, sem esquecer da onde foi que a gente veio e quais foram os sacrificios, as lutas e as renuncias que foram necessárias de serem feitas pra que a gente chegasse naquele espaços, né? Eua credito muito na educação, educação realmente liberta!
Eu acredito e não é só a educação formal que a gente acessa na escola, na universidade; a educação que a gente acessa na família, e que a gente acessa de várias formas, né? Que a gente consegue fazer leitura de mundo e outras leituras, então isso é uma possibilidade de libertação grande e quando a gente vive numa comunidade sujeita a varios processos de opressão e que é construído dessa comunidade um olhar de comunidade hospitaleira, amiga receptiva, isso e isso, e ao mesmo tempo uma comunidade carneira, que não reaje, então assim, esses são exemplos de que isso é mentira e de que a gente tem resistido historicamente.
Quando a gente também conquista o termo de autorização de uso sustentável de um território que tava predeterminado pro capital construir um resort e invabilizar que a gente acessasse o Costeiro da Coroa do Garro, a praia próximo o Rio da Igreja, a Coroa da Jega e aí a gente consegue fazer uma mobilização, que a SPU regulariza a situação de famílias que já tinha roça ali, histórica e além do mais, cancela o ripe de um empresário que tinha uma cerca na praia, tira a cerca e devolve a comunidade aquela área pra que a comunidade faça uso sustentável diverso, então assim, essa é uma conquista fantástica, né? Você consegue tirar dali a presença do colonizador e devolver a presença diversa da comunidade.
Eu fico muito feliz nos finais de semana, quando por exemplo, essa área que o pessoal tava chamando antes de “4 casas” e aí tinha cercas e a expectitativa era a construção desse resort, e hoje tem finais de semana que o pessoal das igrejas tão fazendo culto, outros finais de semana que vairas pessoas tão fazendo piquenique, o pessoal do terreiro tá usando, então assim, que tem um uso diversificado e coletivo desse espaço, então isso é muito importante, e diz pra gente contrariando o que eu ouvi quando era criança, quando eu era adolescente que a gente pode sim brigar com o capital, que a gente pode sim e deve brigar contra os projetos da elite. É claro que a gente sofre várias ameaças, que a vida da gente fica em risco, que a gente também tem medos – eu tenho medo! eu tenho diversos medos, mas os medos que eu tenho não é o medo que me imobiliza, é um medo que me impulsiona a lutar mais, porque justamente eu também tenho sonhos!
E aí um dos sonhos que eu tenho é que a gente tenha o direito, que os meus sobrinhos, que os filhos dos nossos filhos teham o direito de crescer nesse território e que a gente tenha também o direito de morrer e de se ancestralizar nesse território como se ancestralizaram nossas bisavós, nossas tataravós, então sonho também que o nosso povo cada dia mais seja um povo liberto, né? E que a gente não fique elegendo outras pessoas pra que sejam nossas e nossos porta-vozes, mas que a gente fale em nosso próprio nome, que a gente faça nossas reivindicações. Que mais pessoas tenham consciência da importância da luta e fortaleça essa corrente de resistência e de enfretamento
BN: Obrigada, Leo, muito obrigada!!