Sou Crislaine Venceslau, sou escritora no âmbito acadêmico por ser mestranda em Antropologia na UFPE e graduanda em licenciatura em Pedagogia na UFRPE. Sempre fui poeta, porém meus escritos estavam limitados a uma pequena parcela de amigos e colegas de sala. Artigos e outros materiais acadêmicos arquivados na biblioteca das instituições e poemas engavetados em casa.
A publicação de trabalhos escritos por mim era um sonho até 2017, quando tive um poema publicado na coletânea organizada após uma oficina de escrita realizada pelo escritor Stefane Marion e publicada pela editora independente Castanha Mecânica do poeta Fred Caju. Após tal publicação participei de algumas chamadas para publicação em editoras e tive outras poesias publicadas, porém sem retorno financeiro. Uma das antologias disponibilizou 20 exemplares dos quais tenho alguns até hoje em minha estante.
As dificuldades impostas a uma escritora negra e quilombola
A dificuldade de ser publicada é gigante e a de ter retorno financeiro e lugares para a venda das obras são ainda maiores. Principalmente se a escritora estiver em locais vistos pela sociedade como parte da não normatividade em espaços de produção de conhecimento, sendo uma mulher preta, pobre e quilombola.
As especificidades citadas acima são características de pessoas submetidas a subalternização. Como exposto por Grada Kilomba (2019), as dificuldades aumentam para os corpos não imaginados em lugares de poder. Por isso, a produção de pessoas que não faz parte da normatividade de raça, gênero, classe e territorialidade não tem paridade de acesso à publicação
Territorialidade está situada em locais historicamente vistos como marginalizados – não apenas por estarem à margem das grandes cidades e, consequentemente, das grandes oportunidades, mas também por ser onde está o povo que mais é assassinado diariamente.
Terra de vítimas e de uma estrutura que não fornece Educação Básica, implicando no aumento de pessoas sem ferramentas mínimas para ser parte do lugar de escritora/escritor, produtor de poder e de conhecimento para além da oralidade e saberes fetichizados. Pessoas que são transformadas em mercadorias e são feitas de massa de manobra pelos que tiveram acesso à possibilidade de estar no lugar de quem escreve.
Antônio Bispo (2015), fala sobre a domesticação e apropriação das formas de produzir conhecimento das comunidades negras e afirma que o primeiro passo de domesticação é dar um nome. No caso das comunidades negras foi criar o nome “quilombola” e eis que nasci e moro dentro de um quilombo. Além da apropriação e o tornar-se seu com a nomeação e domesticação, o Estado procura manter o poder centrado em uma parcela da população a qual escritoras negras e quilombolas não faz parte.
Os instrumentos para manter o poder, promovidos pelo Estado, vão além das violências físicas veiculadas em parte pela mídia. Chega na esfera do silenciamento que determina as produções intelectuais que irão ser vendidas com facilidade.
Concluo essa reflexão com um poema intitulado “Negritude no poder” de Odailta Alves, escritora que desenvolve um projeto chamado mala preta como objetivo de viabilizar a venda de obras publicadas de mulheres negras Pernambucanas.
NEGRITUDE NO PODER
Odailta Alves
Quero o vento ecoando
Minha negra voz
Pelos espaços de poder
E o lugar de fala
Será da preta, do preto
Desataremos os nós
Há séculos a nos conter
Não serei objeto de estudo
Serei o sujeito estudado
O sujeito estudante
A negra acadêmica
O negro diplomado
Na faculdade
No congresso
No tribunal
Não mais na cadeira do réu
Nem na página policial
Estarei na seção de economia
Política, cultura,
Debatendo, legislando, julgando,
Chegarei de carro oficial
Não mais viatura
Quero colorir os espaços caucasianos
Encrespar, enegrecer,
Ser sujeito do meu discurso
Negritude no poder!
Escritoras Negras de Pernambuco
Crislaine Venceslau é uma das escritoras que fazem parte da websérie Escritoras Negras de Pernambuco, que conta a história de oito pernambucanas, de diferentes regiões e espaços sociais do estado, produzido pela professora e poeta Odailta Alves. Nos vídeos, as participantes apresentam os diversos contextos sociais e familiares que existiram enquanto elas se construíam escritoras negras e contam suas histórias de dentro de seus lares. O principal objetivo é contribuir para que mais pessoas possam conhecer e ter interesses pelas obras dessas e outras mulheres negras pernambucanas, além de apresentar mais referências literárias e possibilidades de futuro para as pessoas negras que gostam de escrever.
Todas as personagens da web série fazem parte do Coletivo de Escritoras Negras de Pernambuco, criado com o intuito de auxiliar a compreensão e realizações dessas mulheres como as escritoras que são.
Assista o episódio 4º com Crislaine Venceslau:
Assista os demais episódios no canal do YouTube da Odailta Alves.