Aline Guimarães para as Blogueiras Negras
Me uso como exemplo para a afirmação do titulo, desde pequena tive problemas em me aceitar negra, diversas vezes me olhava no espelho, isso com uns 8 anos, não gostava do que via e acreditava nas agressões verbais que sofria na escola, coisas do tipo: “O cabelo de Bombril”, “Ei, me dá seu cabelo para lavar lá em casa”, essa redução me fez crescer com um ódio de ter tal cabelo.
Desde que compreendi minha negritude abro os olhos para nossas crianças que ainda sofrem com esse preconceito nas escolas, elas têm vergonha não de só assumir seus cabelos, mas também se assumirem negros, pois a Ideia de que ser negro é ser inferior ainda perdura.
Quantas vezes ao falar para uma criança que a cor dela é linda, aqueles olhos infantis me olhavam com incredulidade sem entender onde está sua beleza.
Infelizmente o que ainda se perpetua é o embranquecimento de muitos que nascem, crianças recém nascidas são registradas como brancas sendo que seus país são negros, a origem daqueles bebês não é vista , mas o que é colocado a frente é um facilitador que generaliza os povos com essa cultura “do não saber de suas origens” até mesmo os pais na hora do registro não se interpõe, pois o seu filho ser registrado como branco é um orgulho.
As origens afro estão perdidas em um mar de preconceitos, algumas crianças aprendem desde o berço que não devem aceitar a Umbanda ou o Candomblé (manifestações afro-brasileiras muito rechaçadas) por que são obras de um demônio que os brancos criaram justamente para os afrodescendentes não conhecerem a matriz africana. Se perguntar em alguma sala de aula de escola pública quais crianças se consideram negras a resposta já se sabe, nem a metade levanta a mãos, porém mais metade são negras.
O espelho delas ainda são bonec(as/os) loir(os/as) de olhos claros, nas publicidades sempre crianças brancas de cabelos lisos, e esse não é o reflexo que elas se veem, transformando a cor da pele delas em um fardo para se carregar pelo resto da vida.
Lembrando que esse texto não é para generalizar, pois há crianças que gostam de seus cabelos crespos, sua pele negra, porém essa é uma pequena parcela.
Escrevi uma pequena história pensando nessa questão da visibilidade da beleza negra no mundo infantil.
Na rua 19 tinha um artista que era feliz por ter um desejo grande de pintar.
Certo dia ele com seus pincéis e as suas tintas nas mãos olhou para a tela e pensou:
Eu sei pintar, mas de onde vem meu desejo?
Então o artista caminhou de um lado para o outro, coçou a testa e resolveu sair pela rua a fora.
Percebeu que a muito tempo não via os cães e as pessoas. Ele começou a ver como uns lugares são coloridos e os outros nem tanto, viu que as pessoas são de cores diferentes; isso o deixou com uma coceira nas mãos e quanto mais ele via pessoas, animais e objetos, mais ele tinha essa coceira.
Até que do outro lado da rua ele viu a menina mais linda do mundo, ela era negra como o céu sem estrelas, seus cabelos pareciam nuvens de tão macios, o artista surpreso com a beleza da menina, atravessou a rua e foi falar com ela.
-Onde encontrou a cor de sua pele?
-Não sei, só sei que nasci assim.
-Mas eu nunca tinha vista tal cor
-Então você nunca olhou muito por aí, por que existem muitas pessoas com a cor igual a minha.
E a menina saiu andando enquanto o artista a observava.
Ele voltou para a casa pegou seus pincéis e suas tintas e quando ele fez primeiro risco na tela descobriu que o desejo de pintar vem quando observamos as pessoas com beleza e respeito.
Descobriu que as diferenças que fazem o desejo de pintar.

10 comments
Boa tarde. Primeiramente, parabéns pelo texto. Verdadeiro e profundo. Sou professora e estou orientando uma monografia de pós graduação sobre como a publicidade influencia na construção da identidade de crianças negras. Ficaria muito grata se você me indicasse material. Grata
Aline, desculpa o comentário nada a ver com o texto, mas vc é muito linda!
Ótima temática e com a história lindíssima! Parabéns
EU fui registrada como branca, se olhar pra mim é possível constatar tamanho equivoco…
Essa reflexão me remeteu as lembranças da infância, onde eu me envergonhava da minha cor, pois fui apresentada a um mundo embranquecido. Não tinha identidade, imaginava em meus sonhos branca e de cabelo liso e isso perdurou por muito tempo, até eu entrar para universidade. No dia da consciência negra postei um texto numa rede social enaltecendo o valor da minha cor e o quanto isso me representa, destaquei que enquanto criança nunca havia tido a oportunidade em brincar com uma boneca negra como eu e que as “filhas de mentirinha” que tive eram todas brancas e fui apenas ama de leite delas. Resumindo, próximo ao Natal ganhei de alguém que leu essa história um boneca negra como eu, com um depoimento emocionante e que foi extramente significativo para as minhas assertivas pessoais.
Parabéns por trazer essa temática!
Nem nossos adultos, preencho vários cadastros para o programa bolsa família por dia e temos que perguntar qual cor a pessoa se considera, em cinco anos de trabalho devo ter recebido a resposta negra ou preta umas 3 vezes, sendo que a maioria das pessoas que atendemos com benefícios sociais (infelizmente) são negras. O que me indigna também quando me refiro a alguém como sendo negro sou repreendida pelos meus colegas de trabalho, como se fosse alguma ofensa, acham que devo dizer `moreno` ou `moreninho`.
Por isso que a aplicação da Lei 10.639 é tão importante. Nós negros não conhecemos nossa história, e é difícil ter orgulho de ser parte de um povo se não se conhece sua história. A história dos vários povos de origem africana que vieram à força para esse país que gosta de se pensar democrático deve ser contada para nossas crianças. A partir do momento que as crianças negras se reconhecerem como tal, muita coisa pode mudar. Elas poderão crescer com uma auto-estima mais elevada, e se imporão nos espaços que até então são majoritariamente brancos. O Brasil inteiro tem que entender que é urgente atender à população negra, para termos um país um pouco mais justo. Senão, continuaremos a ser eternamente “o país do futuro”, ao invés de ser o país de um presente para se orgulhar.
Amei ler seu escrito. Fez com que eu recordasse uma aula que dei pros meus alunxs esse último ano. A Educação adquirida em casa é fundamental para quebrar esses rótulos negativos sobre x negrx, porém penso que a autoaceitação deveria ser ensinada tb na escola e muitas vezes não é. Lerei sua historinha pros meus alunos nesse ano de 2014 . Gostei e creio que eles tb gostarão. :).
Ótimo texto!
Arrasou Aline na crítica. Cada vez mais tenho me direcionado a pensar que a militância deve abrir e aumentar espaços aos debates sobre o cuidados das crianças. Tenho pra mim que toda pessoa que discrimina, violenta, abusa já foi uma criança e todo esse discurso de ódio está invariavelmente atravessado pelas experiências da infância pela qual passou essa pessoa.