Os tempos tem mudado. Ultimamente me parece que tem sido mais legal ser preto do que qualquer outra coisa, e ser chamado de brancão passou a ser ofensa, racismo ao contrário, diriam alguns.
Recentemente revisitei alguns textos que tratavam de branquitude e tal e resolvi voltar a falar sobre já que, como havia dito antes, é muito normal e comum termos uma proliferação dos textos sobre negritude, racismo e etc e acabamos por esquecer da prima pobre (ou rica) que é a branquitude.
Como bem escreveu Lourenço Cardoso no artigo Branquitude acrítica e crítica: A supremacia racial e o branco anti-racista:
“Vale lembrar que a teoria anti-racista, de maneira geral, tem restringido em pesquisar o oprimido, deixando de lado o opressor. Desta forma, é sugerido que a opressão é somente um “problema do oprimido” em que o opressor não se encontra relacionado. (…) Não se trata, portanto, de teoria sobre relações raciais, trata-se de uma abordagem unilateral, feita muitas vezes por prestigiados pesquisadores brancos preocupados em analisar o “problema do negro”.”
Pensando não só em contribuir para a disseminação do estudo da norma, mas principalmente em carinhosamente transformar meus amigos brancos acríticos em uma massa reluzente e consciente que componha a rara espécie da branquitude crítica, pretendo escurecer aqui uma série de questões sobre privilégio. Na verdade esse texto é também uma tentativa de complementar a série antiga de artigos escritos para as Blogueiras Negras.
Por isso, continuando de onde paramos, o privilégio branco, tentarei listar aqui alguns dos pontos mais críticos, ações e frases que demonstram onde e como a branquitude expressa e pratica seus racismos através do lugar de privilegiado. A ideia é que você branco, que não questiona suas vantagens raciais, possa enxergar, reconhecer e desconstruir essas atitudes. Vamos lá?
1. Sabendo que ser branco significa estar num lugar de poder (simbólico, subjetivo e objetivo), amigos brancos sempre ofendem outros não-brancos quando são os donos da razão – estão com a última palavra, precisam sempre argumentar, sem se calar e ouvir – a verdade está com eles.
2. Acontece sempre: se ofender quando chamado de branco. Gentes, vocês pertecem a esse grupo racial, quer queira, quer não. Você até pode ser anti-racista, estar em porcesso de desconstrução, mas você é branco. E isso ofende? Se ofende, porque? #Reflitão
3. Minimizar privilégios: dizer que você teve que estudar muito (não duvido nunca), que não teve nunca nada de graça é minimizar toda a história de opressão e racismo relegado aos não-brancos, ao longo dos 300 anos de escravização. Desculpa, mas estar em posições de poder só por, independente de você querer ou não, ser branco faz parte do privilégio.
4. Apropriar é daora: crer que, para lutar contra o racismo é necessário se apropriar de símbolos, cultura e etc já é demais, né? Achar que estar de turbante é valorizar uma cultura que não a sua e é lutar contra racismo, sendo você branco, é no mínimo palhaçada – é apropriação e isso não rola.
5. Garantia de representação: nunca ter dúvida de que se verá na tv, revistas, livros didáticos é privilégio, baby.
6. Orgulho da origem: contar que seu tatatataravó era italiano, espanhol ou de algum grupo branco europeu e apresentar orgulho enquanto conta essa história, é mais que privilégio, é achar que existe supremacia racial branca e que isso é de boa. Não quero dizer com isso que o problema é você, mas que isso faz parte da sistemática do racismo.
7. Isenção de grupo: Ser privilegiado é nunca ter que falar em nome do grupo racial branco, e dessa maneira, se algum branco comete algum erro, não é o grupo o culpado, mas um caso individual.
8. Ataque às cotas: bom, se você ataca as cotas raciais, já sabemos que defende a meritocracia; mas se você acha que elas são válidas somente quando são sociais, você esquece que as pessoas brancas tem mais chance de “merecer” a universidade somente por serem brancas.
9. Privilégio do amor: Aqui, pensando nas relações amorosas e na construção social do amor, ser branco é poder escolher parceiros sexuais, ter vantagens em relação a eles – caso sejam não-brancos – e não ter que lidar com a solidão afetiva que atinge determinados grupos raciais.
10. Invisibilidade crônica: e por fim, mas não menos importante, a possibilidade de não se discutir, não falar sobre ser branco, seus privilégios e opressões em detrimento a se pensar e falar sempre de negritude e das questões do negro como o centro do problema. Achar que você não faz parte do problema também é privilégio branco.
É bem verdade que aqui não estão todas as possibilidades de exercer privilégio, quando se trata do ser branco. Também não estão nessa humilde lista alternativas nem soluções para o que significa a prática dessas opressões, porém destaca-las e lista-las já é um primeiro passo, que não será o derradeiro.
Importante também enegrecer que todas e cada uma dessas questões listadas não dizem respeito a indivíduos específicos, lembrando aqui o que eu gosto de argumentar sempre em que discuto coisas desse tipo: o foco é no sistema. Então, se você ficou #xatiado, está revolts e vai comentar no post, pense duas vezes se você não vai reproduzir algum privilégio, alguma opressão.
Acredito que esse seja o sentido da luta anti-racista: reconhecer e abrir mão dos seus privilégios, ao passo em que garante e permite o empoderamento dos indivíduos não-brancos.
Termino deixando vocês com uma citação do artigo de Lourenço Cardoso, que serve principalmente para a reflexão de brancos anti-racistas. Boa sorte na desconstrução de vocês!
“A idéia de superioridade racial constituinte da identidade racial branca, não é um traço de essência, é uma construção histórica e social, por isso, pode ser desconstruída (Hall, 2003, pp. 335-349). Aliás, trata-se de uma tarefa a ser realizada cotidianamente por brancos anti-racistas, que vivem o conflito de, por um lado, pertencerem a um grupo opressor e, por outro lado, colocarem-se contra a opressão.” (…) Os privilégios que resultam do pertencimento a um grupo opressor é um dos conflitos a serem enfrentados, particularmente, pelos brancos anti-racistas. Esse conflito pessoal tende a emergir no momento em que se visibiliza a identidade racial branca. Desta forma, a branquitude crítica segue mais um passo em direção à reconstrução de sua identidade racial com vistas à abolição do seu traço racista, mesmo que seja involuntário, mesmo que seja enquanto grupo. A primeira tarefa talvez seja uma dedicação individual cotidiana e, depois, a insistência na crítica e autocrítica quanto aos privilégios do próprio grupo.”
REFERÊNCIAS
http://correionago.ning.com/profiles/blogs/luta-negra-e-privil-gio-branco
http://revistaumanizales.cinde.org.co/index.php/Revista-Latinoamericana/article/view/70/28