Até os 25 anos eu sempre ouvia que eu era branca do cabelo duro, a legitima sarará como diziam. Meu pai da mesma cor que a minha, o que chamávamos de pardo e minha mãe para mim sempre foi branca.
Após as manifestações de 2013 e 2014, fui convidada a ingressar na comissão de Igualdade Racial na OAB- RJ e isso foi um divisor de águas na minha vida, foi quando eu conheci diversos pretinhos militantes, que mudaram minha vida.
Eu não entendia bem o porque eu estava fazendo parte dessa comissão, eu sempre dizia que lutava pelos direitos humanos ( que vergonha máster ) e não tinha uma bandeira para além de “Poder para o povo”, até que em junho de 2014, um grande amigo militante Thiago Campos virou e falou: “ você realmente acha que é branca?”
Na hora eu super fiquei na dúvida e ai começou dentro de mim “ Porque eu estou na dúvida é só olhar para mim” e então eu olhei mas pela primeira vez eu olhei de verdade.
Olhei a obrigatoriedade de estar sempre com meu cabelo esticado, independente do quanto eu sofria para isso, como eu deveria sempre estar a margem dos eventos e apenas ser a que idealiza mas não a que apresentava os eventos ( palestras e seminários ).
Foram tantos os questionamentos, foram tantas dúvidas e muitas lembranças de infância (o que as mulheres pretas mais tem em comum são lembranças e situações dolorosas na infância), quando comecei a me aceitar veio tantas avalanches de informações, de dor, de choro, sentimento de vazio e entender a solidão em seus vários aspectos, desde a infância até os dias atuais.
Nesse momento de descoberta, assisti ao trailer do filme Kbela da Yasmim Thayná ( link ao final), quantas lágrimas vieram abaixo, quanta certeza que eu sequer nada sabia sobre mim mesma e a descoberta do eu verdadeiro: primeiro parar de alisar o cabelo, segundo parar de escovar, terceiro se aceitar como mulher preta…. Opa, nesse momento entrava outra questão: conseguir me ver como mulher preta ok mas e as pessoas a minha volta elas me viam como mulher preta? Como eu poderia me posicionar como mulher preta tendo a pele tão clara? Como podia falar qualquer coisa se ao olhar para mim veriam uma mulher não branca mas preta?
Então eu ouvi “ Se você entrar hoje numa festa de brancos você acha que eles vão saber na hora que você não é branca.”
Essa frase escureceu toda a minha existência entre a Carol branca do cabelo duro e a Carol mulher preta.
Depois desse momento e pelos últimos 3 anos eu venho me entendendo como mulher preta mas até a última semana, vinha acreditando que tinha privilégios como uma mulher negra de pele clara, até que a maravilhosa Juliana Borges ao me ouvir falar que eu não queria pedir cota para o mestrado por achar que na hora da entrevista caso a faculdade quisesse continuar se clareando, poderiam acabar por me escolher teve a paciência de sentar e falar que eu não tinha privilégios, mas sim vantagens no sistema de opressão e ao não lutar contra esse sistema eu estaria apenas o fortalecendo.
Quando você passa a entender o colorismo, entender todo o sistema opressor em que viveu durante toda a vida, passa a aceitar que tudo o que aconteceu com você foi simplesmente por RACISMO ( e sim, depois que entendi passei a ver racismo em tudo pois ele está em tudo).
A solidão do entendimento é grande, a solidão de entender tudo o que aconteceu e o que acontece, de debater com idiotas que querem dizer “ mas você é só clarinha”, “ somos praticamente da mesma cor”, “ você nem é preta de verdade” aumentou, principalmente pelo fato de perceber todas essas atitudes como um padrão e de fazer questão de debater cada uma delas.
Na minha família todos se entendem como pardos e é uma questão que gera inclusive discussão me assumir como mulher negra, principalmente porque isso faz com que eles próprios tenham que se autoquestionar e como Fanom coloca em sua obra Pele Negra, Máscaras Brancas é mais fácil se embranquecer para ser aceito, fugindo da realidade, dizendo que não vê cor e nem pele, não se posicionando para não ter que enfrentar a dura realidade do que é ser negro no Brasil. É mais fácil dizer não vejo distinção do que se posicionar e perceber o racismo em tudo e como ele age.
No Brasil o racismo é tão inteligente que a maioria das pessoas preferem dizer que ele não existe, assim todas as questões, violências, opressões e afrontas podem tomar outro nome que não o verdadeiro: RACISMO.
Como foi citado as lembranças de infância para terminar esse pequeno texto, uma listinha que minha amiga Riso Flora publicou essa semana em seu facebook e reflitam na resposta:
“1) nas festinhas do pijama
2) nos aniversários de princesa
3) na lista das meninas mais bonitas da sala
4) nas viagens de fim de semana da amiga que te pedia cola na aula de matemática e tinha casa em cabo frio
5) nos trabalhos em grupo
6) na brincadeira de salada-mista
7) nas vagas de emprego
8) no bar depois da faculdade
9) pra andar de mãos dadas na rua
10) na promoção para um cargo que você já exercia na prática
hoje nos sabemos rainhas
mas desde menina
até o dia que se inicia
desta lista mínima
– entre tu e a com menos melanina –
em quantas você não foi escolhida?”