Trigger Warming ou Aviso de gatilho: pela primeira vez as Blogueiras Negras citam mulheres brancas. Aqui também haverão expressões e frases com as quais talvez você possa se sentir mal, então recomendamos cautela ao ler.
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Antes, precisaremos resgatar aqui neste texto alguns fatos:
- A exposição “Os da minha rua” presente no Museu da Abolição em Recife teve sua abertura em outubro de 2018 e continua neste mesmo museu até dezembro de 2018 com possibilidade de se estender.
- A exposição abriga obras de artistas negros, pernambucanos e não pernambucanos.
- Além da exposição houveram ativações, performances e atividades no Museu
- A oficina: “Novos lugares, Novas Falas” de Rosana Paulino provocou a conversa presente neste texto
- Recebemos uma carta com direito de resposta do Museu, presente nesta publicação
- As Blogueiras Negras tem o compromisso com a luta, a pauta e a visibilidade das histórias das mulheres negras e por isso escrevemos este texto
A partir dos fatos citados acima, fomos convidadas – na verdade nos convidamos – a participar de uma roda de conversa no dia 23 de novembro intitulada “Diálogos Presentes e Ausentes” com a curadora da exposição “os da minha rua” Joana D’arc Lima e a diretora do Museu da Abolição [MAB] Elisabete Arruda. Essa roda, dentro das diferentes atividades promovidas pelo MAB durante a permanência da exposição, foi não apenas proveniente da vontade de todas discutirem a instalação, mas sobretudo resultado do buzz gerado pelo texto de autoria anônima publicado neste blog.
Como exposto e reiterado muitas vezes em diálogos presenciais – sim, as ciberativistas saem da frente do computador e vão conversar – este canal, site, blog, mídia negra tem o compromisso com a estórias das mulheres negras. Não somos um veículo de mídia tradicional e por isso mesmo não estamos mapeadas em estudos e lugares onde os pilares do jornalismo são mais importantes que contar histórias. Por conta disso a proposta feita ao MAB era, após a conversa, explicitar em outro escrito as impressões, caminhos e apontamentos tirados dos “Diálogos Presentes e Ausentes”.
16h30
Naquela sexta-feira, uma das últimas do Novembro Negro, nos reunimos na mesma sala onde acontecera a oficina da artista Rosana Paulino, para entender o que se sucedeu, além de claro, enumerar reivindicações e desejos para um outro Novembro Negro. As falas se iniciaram como o esperado: a Diretora do MAB, Elisabete Arruda introduziu uma fala institucional, trazendo a trajetória dos projetos desde 2012, quando sua gestão começou. Elisabete falou do projeto Selos, que tem trazido para dentro do museu as pautas da população negra, que esse ano (2018) teve como tema “130 anos: Abolição?” e por isso mesmo promoveu diferentes atividades, inclusive com institutos educacionais e outros parceiros havendo cursos, oficinas, rodas de conversa dentro e fora do Museu. Ela também trouxe os dados, ainda sendo coletados, das visitas e movimentações dentro da instituição com a nova exposição: até ali cerca de 1.600 pessoas circularam no museu, o que nos provoca a pensar acesso, divulgação e públicos. Como novidade, Elisabete trouxe a tona o tema de 2019 que será “Juventudes Negras” e apontou para as possibilidades de troca, parcerias e diálogos para o ano que vem.
Quando entrou no tema central da conversa, que se referiu tendo como centralidade a exposição “Os da minha rua”, a diretora do MAB apontou estar “triste e preocupada” com a repercussão do texto, afirmando ainda ter achado o tom agressivo, aquele da escrita. A preocupação então se transformaria em medo, quando apontou que a única notícia nacional e de alcance internacional sobre a exposição tinha sido aquela, o texto anônimo nas Blogueiras Negras.
— pausa para reflexão —
Importante refletir aqui qual o papel das mídias negras nesse processo, não é mesmo? Quais são os veículos, jornalistas e sites que tem uma história com as pautas negras, que estão no Recife e que precisam ser convidados quando uma exposição/programação dessa magnitude se instala na cidade, na boca do mês de novembro? Quem está nas coletivas de imprensa e quem são os parceiros para a divulgação de eventos negros na cidade? Apois…
— depausa da reflexão —
16h47
A segunda fala na roda de conversa “Diálogos presentes e ausentes” foi da curadora Joana D’arc Lima, que inevitavelmente traria seu olhar de pesquisadora à questão: depois de mencionar também sua tristeza em relação ao texto deste site, Joana apontou para os riscos e para o seu medo de uma história única, afirmando que o tal texto tinha fatos que não traziam as camadas e a complexidade da situação ali vivida. Depois de explicar para a audiência detalhes sobre o projeto (que havia sido escrito há dois anos atrás, que havia também convidado Rosana Paulino a ser co-curadora e que há sempre modificações, inclusive financeiras, quando de um projeto escrito há um tempo), a curadora colocou a mesa sua história de vida entre a ditadura, passando pela época em que morou na periferia de São Paulo: “com a exposição ‘os da minha rua’ trago a história e o passado que atravessa meu corpo e minha vida até hoje” – completando – “não consigo trabalhar de outro lugar. sinto que a arte pode me aproximar dos dramas dessa população negra brasileira”. Joana, com sua experiência como professora de arte negra e afrobrasileira, trouxe suas contribuições para a reflexão ali suscitada: “estou nesse caminho movendo caminhos (…) quando pensei nessa exposição quis trazer o corpo, o afeto, a poética negra; como subjetividades e resistências também”. Nesse instante, se instaurou o discurso da vontade de fazer e trazer visibilidade a este campo, culminando na fala sobre o significado do título da exposição: “os da minha rua é porque eu vivi coisas como estas. nasci na mesma periferia que Rosana Paulino, e brinco que em algum momento, provavelmente, nós devíamos ter nos cruzado por ali”.
—segunda pausa de reflexão—
É importante destacar que essa presença no discurso sobre um lugar determinando, de onde se enuncia, há uma tentativa de validar a teoria com a experiência. Quando foi mesmo que a pesquisa científica, o olhar sobre o objeto – que antes deveria ser o da isenção e distanciamento – começou a ganhar mais relevância se narrado a partir de um lugar experienciado, um lugar objeto-sujeito? Epistemologias negras? Subalternas? Teorias Críticas? Mulheres Negras na Academia? #Reflitão
— despausa da reflexão —
Voltando ao cenário dessa discussão, éramos uma roda. Um círculo, tal qual a memória africana nos sugere. Joana continuava sua fala, repetindo o gesto da cadeira, que motivou a escrita do texto para as Blogueiras Negras. Depois do seu gesto e da justificativa de que ela não havia entendido o que ali estava escrito [Lugar de Pretxs], Joana continuou: “eu estava bem cansada, depois de uma semana muito dura (…) às vezes as respostas demoram” e reiterou “fiquei pensando o que significa o gesto na arte, a coisa de mover e tal”. Depois das justificativas de que inclusive não havia entendido o que havia acontecido, o pedido de desculpas: “super peço desculpas e não foi minha intenção parecer racista”.
17h10
Abrimos a roda. Introduzimos a necessidade de nos ouvirmos primeiro. De saber o que tinha levado cada pessoa aquela conversa, porque muito provavelmente era um desejo maior do que apenas discutir a exposição [que é um marco incrível para a cidade, mas não só]. Abrimos a gira! Sob o chão, -lembramos- os corpos achados de pessoas escravizadas bem ali, naquela calçada da Benfica, em cima de onde construíram o Museu da Abolição.
17h14
Roberta Guimarães iniciou a fala com colocações que demonstram um lugar, uma visão de mundo: “eu gosto de sentar na frente (…) quem chegou primeiro, sentou na frente”. E completou: “eu sou branca, mas sou antiracista, acredito que tudo o que foi feito deveria ser reparado”. Sua fala foi sequenciada pela colocação de Carlito Person, gestor da Galeria Janete Costa: “Senti que no curso, que foi fantástico, abordamos muitas coisas incríveis. Percebi com esse debate aqui que existem questões urgentes que tem que ser tratadas, tem que ser levantadas”. E completou: “Senti falta de ter tido uma discussão no momento lá. Fiquei pensando que ações performáticas tem muito potencial simbólico e o potencial simbólico causa várias interpretações simbólicas: ela (Joana) não entendeu o que a ação dela causou”.
17h35
A partir da fala de Carlito, iniciaram-se as sensações da audiência preta, instigada pelo fato das conversas até ali terem sido moderadas, quase mornas. Gi Vitroi, artista e ativista também trouxe suas impressões sobre o dia e sobre aquele exato momento: “Com o simbolismo do nome da oficina de Rosana Paulino, também expresso minha tristeza diante do acontecido. Me incomodou de estarmos num lugar onde falavam de nós, mas sequer conseguíamos ouvir sobre nós. E a pergunta vinha daquele lugar que ocupávamos no fundo da sala ‘novos lugares? novas falas?’ porque não conseguimos ouvir?”
Gi, que foi uma das artistas responsáveis pela ação no dia da oficina, repetiu o gesto da cadeira, reiterando que não havia sido tão suave quanto Joana o fez, retomou a fala de Carlito sobre os gestos e as intenções na arte e acrescentou: “pensar a complexidade dos lugares, de quem senta na frente, da meritocracia e dos diferentes pontos de partida é sobretudo refletir acerca do racismo que nos permeia”.
17h50
Duda Nunes, também trouxe suas sensações e motivações para o diálogo: “pensar no acontecido me faz refletir que a gente não tem memória, que quase nunca temos a oportunidade de ouvir a nossa história e que quando isso acontece, parece que não está óbvio sobre o que estamos falando.”
18h
Único artista que compõe a exposição presente, Isidoro colocou que nesse momento fazer arte está um pouco mais fácil do que antes, e trouxe na sua fala um desejo de humanidade típico de quem sente na pele todos os dias o que isso significa: “eu penso meu trabalho que esteja inserido em qualquer contexto. eu não tenho essa intenção” e completou: “antes, havia muito pouca discussão sobre o que era arte negra. são poucas as pessoas ainda que o fazem e que tem a oportunidade de fazer. Agradeço a Joana por essa oportunidade, ela inclusive sabe mais do meu trabalho do que eu”.
18h10
A professora Renata Wilner nos brindou com seu depoimento e revelações, que também trazem uma consciência de mundo, ao que ela nos disse: “fiquei muito triste e preocupada com o texto. Li e reli várias vezes. Eu sou uma das acadêmicas que sentou na frente. Naturalmente quando você entra num espaço, você busca o melhor lugar e senta na frente. (…) Quando a gente sentou atrás a gente não reivindicou o lugar da frente, ao contrário”. E completou: “a nossa atitude não foi para naturalizar o racismo, foi apenas naturalizar os primeiros lugares.”
18h20
Retomamos a fala para reiterar sobre o caráter anônimo do texto. Falamos do compromisso com a escrita das mulheres negras e também colocamos nossa imensa tristeza em não estarmos convidadas oficialmente para a coletiva de imprensa [que aconteceu duas vezes!], mas que invariavelmente fomos lembradas quando uma crítica foi publicada no nosso humilde site. Rememoramos Zumbi e o espaço importante que é o Museu da Abolição, rememoramos também a nossa parceria desde 2016 com o primeiro e único Encontrão Blogueiras Negras que também aconteceu pela parceria de Daiane Carvalho, Fabiana Sales e Daisy Santos. Tocamos a bola.
18h30
A professora Wilner prosseguiu, se sentindo provocada, completando as suas reflexões sobre lugares, lugares de fala, aprendizagem, escuta ativa e pedagogia. Dentre muitas coisas ditas, algumas foram muito marcantes e por isso, aqui devidamente reproduzidas: “sinto com essas falas que eu nem deveria estar aqui. eu sou judia, nem branca eu sou. tenho uma história, tenho um passado. o meu lugar de fala também não é lugar do branco opressor (…) nessa conjuntura, com tudo o que está acontecendo, sinto que estamos brigando por besteira, nos dividindo. também me sinto oprimida nesse momento político, onde nem sabemos se haverá condição de falar sobre gênero e raça na academia. é isso que eu faço! eu falo de gênero e raça na academia, porque se não for eu, quem será? (…) achei de fato o texto muito agressivo”.
18h40
Na sequência ouvimos Rebeca França, historiadora, grafiteira, ativista, curadora e produtora cultural trazer sua bagagem e suas sensações: “Eu estava no dia da abertura da exposição. Vim animada porque sabia quem era Rosana Paulino. Cheguei para vê-la e juro que queria lamber o chão pra ela passar, vim tietar mesmo, tanto que esqueci de tirar fotos, registrar mesmo” (…) “então eu cheguei aqui animada, por ver vários artistas negras e negros reunidos, num espaço que me proporcionou encontrar essa figura especial que é Rosana e aí eu entendi que a oficina era inclusive um espaço de formação para negros e negras” (…) “aí fiquei sabendo do acontecido, eu não estava aqui no dia, mas soube do que aconteceu e pensei ‘isso sim é um ultraje’ e claro que, se estivesse aqui, não ficaria ilesa a situação. teria com certeza falado”.
Rebeca trouxe muitos elementos em sua fala, um deles foi sobre as condições e diferentes lugares e oportunidades: “para um favelado chegar num espaço como esse é muito diferente de um professor universitário. tem a ver com quem deixar sua filha, qual transporte pegar e se vai ter o dinheiro do transporte. é todo um corre”. E nos chamou pra roda: “os lugares enfileirados, encadeados representam um espaço de subalternidade, quando alguém está lá na frente tentando ensinar algo. Isso é muito colonizador! Precisamos aprender nesse espaço horizontal que é a roda”.
18h50
Bola lançada, Aline Souza, mestranda em engenharia química e ativista, relatou seu sentimentos e suas impressões: “eu não estava aqui no dia, mas fiquei sabendo do acontecido pelo boca a boca. mas me senti muito incomodada com as palavras da professora, das quais eu queria destacar ‘besteira, normal e disputa’. (…) “besteira é acordar 5 da manhã, pegar um ônibus lotado e ser encoxada por um monte de homem branco quando você só queria era chegar na faculdade em paz. besteira mesmo é você andar com seu namorado na rua de mão dada e todo mundo te olhar com aquele ar de ‘olha a rapariga’” e reiterou “a gente precisa mesmo se ligar sobre que lugar a gente ocupa sim. isso quer dizer muita coisa. Além disso me incomodou o título da mesa, que não parece ter sido de fato pensado. Diálogos presentes e ausentes quando ele começa com muitas ausências”.
Como um novelo que se desenrola, melhor, como uma colcha de retalhos que se tece, a conversa se prolongou com falas que ao mesmo tempo em que se complementavam, provocavam muchochos ora de confirmação, ora de indignação na audiência clara.
19h
Thays Albuquerque reafirmou da necessidade de pensarmos de fato em um espaço de escuta e de construção de outras narrativas, trazendo na sua fala a participação e interação no dia da oficina de Rosana Paulino: “Como assim ela virou a cadeira?”.
19h05
Roberta Guimarães retomou sua fala e numa espécie de flashback teórico, nos lembrou questões que até então pareciam ter sido superadas: “porque os artistas e os pesquisadores brancos não podem mais falar sobre arte negra? Se você não for, não pode falar sobre? Me sinto como se não pudesse mais entrar, é assim que me sinto” e completou: “o meu lugar de fala nunca vai ser igual o de vocês”.
19h10
Mabel Medeiros, gestora do MAMAM, falou da sua realidade naquele espaço, também retomando os motivos pelos quais ali estava: “eu vim porque soube da publicação, também li. E sim, passamos por um debate como esse no MAMAM e tive a impressão de que tínhamos assunto para mais uns cinco dias” (…) “acho que precisamos rever postura mesmo, porque nós fomos educados para repetir” (…) “O lugar de fala não é nosso, mas a escuta deve acontecer”. Mabel ainda trouxe das contribuições de Joana para o campo das artes e da curadoria no Recife.
19h20
Houveram mais falas institucionais, onde a diretora do MAB apontou para sua sensação ao ver o texto, atribuindo o nome da roda de conversa a atitude das Blogueiras Negras: “eu fiquei chocada não pelo relato em si, mas pela ausência dos diálogos”. Trazendo o fato de que o nome “Diálogos ausentes” foi justamente pela conversa não ter acontecido na hora. Como diretora, citou a necessidade do museu de ser melhor conhecido e explorado, além de corroborar com a fala de algumas sobre a possibilidade dos projetos se deslocarem para outros lugares, como a periferia, por exemplo, e retomou: “infelizmente temos os nossos limites”. Elisabete Arruda ainda nos brindou com sua história e sua visão de si mesma: “eu não me coloco no lugar de branca. Branco pra mim é elite, branco pra mim é quem tem patrimônio. (…) eu me reconheço como negra, não como branca, sinto muito! histórias de sofrimento como mulher e nordestina eu tenho muitas (…) sou igualmente solidária ao povo negro deste país”.
19h30
Depois, mais uma vez, a professora Renata Wilner recuperou sua fala e recolocou seus apontamentos no lugar, afirmando ter se expressado mal e pedindo desculpas: “repito que vim aqui para dar a minha versão dos fatos, reivindicar aquele lugar, na frente, não foi a minha intenção nem a minha fala aqui. Quando falei sobre besteiras, quis dizer em relação as dimensões do problema (…) sei que a revolta de vocês é legítima, mas se a gente permanece nas bolhas identitárias, não alcançamos o sucesso (…) sinto também que precisamos começar a construir o lugar das alteridades respeitosas, e sei que somos as pessoas que podem estar lado a lado.”
19h36
Rebeka Monita, do MAMAM contribuiu com a conversa, trazendo suas impressões e sensações daquele dia: “estou de fato muito mexida com a discussão. não estive em nenhum evento do MAB, mas vim porque queria entender o que estava acontecendo. Fiquei muito sensibilizada com a fala de Gi e pensei muito sobre as outras falas também” (…) “penso que em alguns momentos precisamos ser radicais, mas também tenho medo dessa radicalidade”.
19h43
Violetta Assunção também se colocou na roda e fez uma colocação bastante contundente: “sei que é mais uma branca pra falar, mas me senti muito incomodada com algumas falas aqui. Sei que estou num processo de aprendizado, mas preciso de dizer que o nome dessa conversa me pareceu uma alegoria total sobre a reflexão do lugar de branca” (…) “penso que se a gente participar, ouvir numa boa, escutar sem reatividade, a gente chega em outro lugar e por isso mesmo quero fazer um convite as pessoas brancas dessa sala que é ouvir e ficar mais na sua, dar um passo pra trás”.
19h47
Ouvimos mais uma vez Carlito, num processo real de entendimento e de transformação de pensamento – ao que por um momento lhe faltaram as palavras – ele rebateu alguns argumentos sobre racismo reverso e alertou para o lugar do artista branco que pesquisa e visibiliza a arte negra: “claro que pode fazer, gente, desde que você reconheça seu lugar de privilégio (…) pra que a gente não cometa os mesmos erros do passado, para que haja de fato representatividade, isso é inclusive descolonizar”.
19h55
Aida Polimeni, publicitária, artista e ativista chamava para uma conclusão da conversa, colocando muitas verdades e argumentos mais que claros: “cheguei aqui ansiosa pelo espaço, mas percebi que houveram muitas comparações ofensivas e desleais” (…) “as pessoas brancas em lugar de fala, sempre, juro que esperava ouvir só um ‘me perdoe’” (…) “acho curioso ver as pessoas brancas negando sua branquitude quando são acusadas de racistas, mas quando usam do privilégio está tudo bem, não?”
20h05
E foi concluindo que Gi Vitroi emendou a costura da grande colcha de retalhos que foram os diálogos presentes: “interessante perceber os números e a quantidade de pessoas que visitam o museu, mas me pergunto, quem são os que desejamos que aqui estejam? qual é de fato o público do MAB? Como pensamos a fruição e o consumo da arte nesse espaço?” (…) “se todo mundo aqui se diz antiracista e se a política deste espaço é também antiracista, não faz sentido tanta defesa, fica muito incoerente, sabe? e sim, tem que ser autovigilante! porque vocês ficam sempre esperando esse negro cordial que vai ser legal, que vai ensinar e dizer ‘obrigada’ sem questionar” (…) “e sinto que o ativismo, a luta, é como uma escola de samba, com alas, algumas precisam ser radicais, enquanto as outras vão ser pedagógicas, porque em algum momento alguns de nós precisou cortar umas cabeças enquanto outros fugiam”.
20h15
Finalizamos falando da dor do enfrentamento, da dor de quem vai na frente, Rebeca França citou Harriet Tubman, que estava na infantaria da libertação dos escravizados nos EUA e reiterou “é importante demarcar o peso da radicalidade” para avançar. E aprendemos! Aprendemos muitas coisas nesse diálogo com o MAB, e saímos felizes.
Aprendemos mais uma vez que a branquitude sempre vai nos surpreender. Por mais cenários, por mais conversas e planos que se faça, ela vai sempre achar uma saída pra nos deixar de queixo caído. Mas aprendemos muitas outras lições também.
Percebemos a grande dificuldade dessa mesma branquitude em despessoalizar o debate, em entender que o racismo estrutural afeta as condutas, mas que ainda assim para enfrentá-lo é necessário baixar a guarda e dar o tal passo pra trás. Por isso mesmo, aprendemos que temos um trabalho grande pela frente, que é justamente a perpetuação do debate, a possibilidade de nos mantermos em diálogo. Aprendemos também que as pessoas brancas sempre tem uma segunda chance, seja pra se explicar, seja pra pedir desculpas, quando às pessoas negras nenhum direito sobre segundas chances – aliás, continuamos morrendo ao nos confundirem, ao confundirem sombrinhas com armas – e essa falta de elaboração nos discursos é justamente efeito dessa constante segunda chance.
Aprendemos, nós, que 4 horas de conversa mostram como estamos fortalecidas, juntas no pensamento e prontas pra enfrentar qualquer situação – com a radicalidade de Dandara ou com a paciência de Luther King Jr. Percebemos juntas nosso desejo de humanidade, a ansiedade por discutirmos teorias mais elaboradas que os racismos reversos corriqueiros, nosso intento de construir espaços mais equânimes e com a verdadeira decência de quem faz o trabalho nos bastidores, como comunicadores, museólogas e educadoras negras.
Zumbi ficou feliz nesse dia. Numa sexta-feira. E continuamos aprendendo, como mulheres negras que somos que, seja nas artes, seja na festa, seja na vida dois ouvido é pouco.