Imagem: Sandir Costa
Dentre muitos dos assuntos que eu aprendi com hooks ao ler a obra “Tudo sobre o amor”(2021), e que virou uma chavinha na minha cabeça, foi a questão de comunidade e o senso que deveria prover dela quando construímos qualquer coisa coletivamente, inclusive lutas sociais. A hooks (2021), ao falar de comunidades, expressa que o amor é algo fundamental para que as mesmas sejam fortes. Esse amor que a autora fala não é alienado, não é passivo em relação ao outro, é o laço que nos permite ter empatia e escuta. Ainda, hooks (2021) expressa que “conversar é uma forma de criar comunidade”. Acredito que quando há amor, há conversa. Repito, como hooks (2021), não me refiro a esse amor conjugal, nem me restrinjo ao amor com quem temos afinidade. É preciso ler hooks para entender mais sobre o que eu estou falando.
A partir dessa leitura, eu lembrei de quantas vezes eu disse “te amo” para minhas amizades negras, sem a frieza dos atos de costume, por exemplo, como um “bom dia” quando se chega a um lugar. Além disso, pensei: quais momentos eu pude sentar e conversar com essas amizades sobre as coisas que me angustiava ou sobre os meus medos? Eu fiquei em um silêncio absurdo comigo mesma diante dessas perguntas que auto me fiz. Para interseccionalizar a coisa, com minhas amizades brancas a escuta se dava mais facilmente, mas era limitada, quem me escutava em algum momento ligada o aparelho auditivo configurado de branquitude e as reações ao que eu trazia eram verbalizadas por discursos que não faziam sentido a minha pele, mas que queriam me convencer que eram “tamanhos únicos”, que serviam para todo mundo.
Também refletir se eu já fui uma boa ouvinte dessas amizades. Não conseguir verbalizar, nem uma fagulha de ego me fez falar em alto e bom-tom que “sim, eu fui” ou “eu sou”. Isso só as minhas amizades poderão dizer! É tão difícil conversar, muito mais difícil ainda é escutar. Pelas dinâmicas capitalistas de coisificações das vidas, dos seres, eu percebo que estamos perdendo essas capacidades. Não estamos sendo paciente com esse processo complexo que se chama diálogo, vivemos tantos monólogos e cada vez eles nos aliena da percepção do outro, pois são perpassados pelos ruídos do poder dessa sociedade atravessada pela colonialidade.
A sociedade nos coloca numa corrida pela sobrevivência, que o tempo de sentar e tomar um café mediante uma prosa boa se torna privilégio. Assim, adoecemos, não a corpo que aguente sem o diálogo para espairecer a mente. É aí que as comunidades são importantes, principalmente quando estamos em luta por um propósito de coletivo. Na esfera particular, a comunidade é o laço que nos faz viver na sociedade sem ser destruído(a) por ela. Na esfera coletiva, é a possibilidade de nos blindarmos das investidas dos poder e das lógicas de dominação.
Sobre essas últimas, as lógicas de dominação faz com que nos acreditemos que podemos oprimir pessoas que compartilham conosco de uma vivência coletiva, ao mesmo tempo que mobilizamos essa vivência para ocupar cargos de representação ou ter acesso às políticas públicas. Tais lógicas impedem o nosso senso de comunidade e que esse senso nos acompanhem em qualquer status social que ocupemos.
Quando vejo exemplos de que falhamos miseravelmente enquanto comunidade, enquanto milhares de cursos sobre letramento racial são vendidos diariamente, eu me autoquestiono novamente: o que falta para exercemos uma prática comunitária com ética mesmo quando ninguém está vendo? Quando a ética falta no nosso exercício de representar nossa comunidade, começamos a nos comportar e até mesmo falar como quem está no controle social, os nossos e as nossas nem nos reconhecem a não ser pela cor. Enfim, quando falhamos enquanto comunidade, experimentamos o sentimento de retrocesso e de quase morte.
Edição: Wellington Silva