Imagem: Helida Costa / Sandir Costa
A Lei 10.639/03 foi uma conquista significativa para a educação brasileira, ao estabelecer a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas. Em vigor desde 2003, a lei ainda enfrenta muitos desafios para ser implementada nas escolas, apesar dos seus mais de 20 anos. Segundo a Agência Senado, um dos motivos mais significativos é a perpetuação do racismo estrutural:
“A mesma pesquisa dos institutos Geledés e Alana indica que, entre os fatores que prejudicam o cumprimento da lei, está a resistência dos professores, dos diretores e das famílias, que entendem a educação antirracista como desnecessária ou até prejudicial aos estudantes. De acordo com estudiosos da questão, o racismo estrutural brasileiro se alimenta da crença disseminada de que ele simplesmente não existe.”
A ideia de que a educação antirracista é desnecessária se conecta à ideologia de branqueamento e ao mito da democracia racial. Essas duas concepções permeiam o imaginário brasileiro e constroem uma visão de que o Brasil é um país branco e miscigenado, perpetuando a noção de que o racismo não existe e, portanto, apagando pessoas negras e indígenas da história e cultura brasileiras. Essas questões foram analisadas pela ativista e intelectual Lélia Gonzalez, que deixou uma fortuna teórica para a cultura brasileira. Muito conectada ao seu tempo e também muito à frente dele, Lélia Gonzalez teve muitas “sacações” sobre como operam o racismo e o sexismo no Brasil. Muitas vezes, ela demonstra essas operações com exemplos do cotidiano, do nosso dia a dia, nos mostrando que o racismo opera na boca do povo.
Em um de seus textos, Lélia Gonzalez (1983/2020) fala sobre o racismo por omissão, a ideologia do branqueamento e o mito da democracia racial, explicando como tudo isso acontece na nossa sociedade. Enquanto o primeiro traz o aspecto da colonização de que o Brasil é um país branco e eurocêntrico, o mito da democracia racial atuaria “não só definindo a identidade do negro como determinando seu lugar na hierarquia social; não só ‘fazendo cabeça’ das elites ditas pensantes como a das lideranças políticas que se querem populares, revolucionárias” (2020, p. 221). A autora buscava nos mostrar, nesses textos e em outros, que a ideologia do branqueamento e o mito da democracia racial são formas de violentar, apagar e subalternizar o povo negro e indígena na sociedade.
Por essas e outras razões, no Brasil, a escola foi um lugar importante para a presença da Liga Brasileira de Higiene Mental, que acreditava que “Educar a criança era, pois, inocular o ideário higienista” (WANDERBROOCK JUNIOR, 2007, p. 133). Isso significa que as escolas no Brasil tiveram grande influência de ideias eugenistas, tornando-se espaços de saberes brancos para pessoas brancas. Por isso, a Lei 10.639/03 é tão importante, pois estabelece que se deve estudar a história e a cultura do povo negro. No entanto, o próprio racismo impede sua implementação, perpetuando a ideia de que o conhecimento, o saber, a cultura e a história são apenas partes da vida de pessoas brancas.
Mas é também pela boca do povo que se faz cultura, que se ensina, que se educa. Lélia Gonzalez mostra que a língua do colonizador, do branco europeu, não é a língua que nós falamos, nem a cultura em que vivemos, já que “a batalha discursiva, em termos de cultura brasileira, foi ganha pelo negro” (Gonzalez, 2020, p. 93). O pretuguês já está na boca do povo e denuncia que a nossa cultura não é branca. Somos um país preto-falante, indígena-falante.
Com o apoio do Instituto Odara e Imaginable Futures, através do edital Maria Elza dos Santos, o projeto BN Conexões pela Educação: Tecendo Saberes Antirracistas nasce da ideia de apresentar e desenvolver ferramentas teóricas e práticas conectadas à Lei 10.639/03 de forma transdisciplinar. A partir da interseccionalidade, o projeto BN Conexões pela Educação mapeou 14 iniciativas do Nordeste que contribuem direta ou indiretamente com as práticas educacionais para as relações étnico-raciais, sem perder de vista o Plano Nacional de Educação (PNE) e com foco em cultura, educação midiática e tecnologias sociais. Sabemos que o pretuguês e outras estratégias semelhantes já são utilizados por muitas organizações e movimentos sociais como práticas interdisciplinares afirmativas, o que também inspira a abordagem do projeto.
Além disso, o projeto também possui um Ciclo Formativo gratuito, que já formou mais de 325 educadores apenas em novembro e dezembro de 2024. A proposta é capacitar professoras(es), gestoras(es), educadoras(es) sociais, ativistas e demais interessadas(os) nas temáticas do projeto, por meio de oficinas inéditas disponibilizadas na plataforma da iniciativa. Os materiais apresentados oferecem abordagens e metodologias inovadoras para enfrentar o racismo nas escolas, além de promover a valorização da identidade negro-africana.
Como coletivo de mídia, as Blogueiras Negras reafirmam seu papel na construção de um ativismo integrado, que conecta diferentes áreas para promover transformações sociais. De forma inovadora, compreender que educação e mídia, na contemporaneidade, estão em confluência é um desafio que aceitamos ao desenvolver esta ação. Portanto, a educação antirracista e para as relações étnico-raciais segue na mesma direção da missão do coletivo: fortalecer a história e a trajetória das mulheres negras. Acesse a página do projeto para saber mais sobre essa iniciativa e indique para outras pessoas. O bem viver coletivo também passa por uma escola sem racismo!
Edição: Wellington Silva