Num recente texto, publicado aqui pelo Blogueiras, falei sobre minha experiência como professora e o olhar sobre a reprodução de preconceitos na escola, me deparei com indagações de colegas sobre formas de combater tais práticas. Acredito que essas angústias sejam típicas de pessoas comprometidas com a educação, capazes de analisar o seu espaço de atuação, reconhecer o momento histórico que nos encontramos e as diferentes vivências.
Sujeitos envolvidos, comprometidos e capazes de fazer auto crítica. Não tenho respostas prontas, pois sabemos que os casos são pontuais e a forma de reagir a eles devem ser consideradas de acordo com o contexto dos acontecimentos.
Porém, vejo como de suma importância tentar desconstruir alguns estereótipos tão arraigados na formatação da escola que naturalizam determinadas violências simbólicas. Dessa forma me coloquei a pensar em práticas que viessem a contribuir para que, tanto eu quanto minhas colegas professoras, pudéssemos buscar e promover tal desconstrução e cheguei ao tema desse texto, a diversidade.
Num período que sofremos, enquanto educadores, uma forma de silenciamento ao ser retirado, da maioria dos planos educacionais, as discussões de gênero, penso ser o momento de parar para analisar que tipo de educação vamos proporcionar no espaço escolar. Afinal que escola do futuro é essa?
A ação dos movimentos sociais no período de redemocratização do Brasil, pós ditadura militar, e suas pautas reivindicatórias por reconhecimento aos direitos humanos, combate ao racismo e outras formas de preconceito, a universalização do direito à educação, se consagrou na Constituição Federal de 1988.
As demandas acerca da educação, saúde e assistência social foram contempladas, por exemplo, em legislações relacionadas aos direitos da criança e do adolescente, das mulheres, das comunidades indígenas, do campo, quilombolas e outras minorias foram contemplados na legislação brasileira, redefinindo a ampliação do conceito de pluralismo e diversidade.
O artigo 3º, inciso IV da Constituição define como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Gostaria de me ater a essas últimas palavras ‘QUAISQUER OUTRAS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO’, e lançar o olhar sobre a diversidade que compõe o espaço escolar e como isso é desconsiderado a partir da formatação em que se encontra a maioria das escolas públicas do país.
Essa é uma questão que exige muita reflexão, pois para que todos os envolvidos considerem a diversidade dos sujeitos envolvidos no espaço educacional, é preciso que exercitem a alteridade, ou seja, enxergar o outro como portador de direitos, subjetividades ou singularidades e respeitar tais características. Dessa forma, a escola como espaço coletivo teria que considerar individualidades para poder criar formas de contemplar toda a diversidade em seu interior.
Mas o espaço educacional público, no formato que foi pensando e constituído (e no qual, a maioria, se encontra), não possibilita tais ações, pois boa parte da comunidade tende a pensar os alunos na forma coletiva e tratá-los dentro dessa perspectiva, e aquele que não se enquadra ao formato pré-determinado de organização, geralmente é considerado como o mal aluno, como aquele que não aceita regras, o sem disciplina.
Como nós professores podemos atuar de forma mais concentrada nas particularidades dos nossos alunos trabalhando em salas lotadas, com regras normativas falhas e com orientações curriculares que nos chegam de cima para baixo? Será que ficaremos eternamente amarrados por determinações criadas por aqueles que nunca puseram os pés dentro de uma sala de aulas, principalmente, na escola pública e periférica?
É preciso compreender que uma das funções sociais da escola é incluir sujeitos diferentes e dar a eles acesso à educação formal, e buscar não desconsiderar saberes e valores que esses trazem de suas vivências fora do espaço escolar.
[…] levar em conta a origem das famílias e reconhecer as diferenças entre os referenciais culturais de uma família nordestina e de uma família gaúcha, ou ainda, reconhecer que, no interior dessas famílias e na relação de umas com as outras, encontramos indivíduos que não são iguais, mas que têm especificidades de gênero, raça/etnia, religião, orientação sexual, valores e outras diferenças definidas a partir de suas histórias pessoais. (BRASIL/ MEC/SEPPIR, 2009, p. 23)Assim, penso que uma ação urgente para contemplarmos a diversidade no espaço escolar passa, necessariamente, pela desconstrução de estereótipos e estigmas históricos que marcam os sujeitos que fogem ao padrão considerado normal e perfeito. Perceber que o tipo ideal de aluno é apenas uma formatação desejada por quem busca padronizar os sujeitos sociais, com objetivos bem específicos.
Assim, acredito que a diversidade pode ser apreendida como elemento construtor de novas práticas a partir do momento do seu reconhecimento legítimo e não como um problema. Dessa forma, esse olhar desconstruído de preconceitos e a inexistência da busca por um tipo ideal de aluno, irá possibilitar a toda a comunidade escolar novas formas de enxergar a sociedade, percebendo-a como dinâmica e em constante transformação.
Acredito que essa ação poderá promover o desenvolvimento de projetos que contemplem a dinâmica social dos indivíduos, com grande tendência a elevar a escola a uma categoria institucional que pensa o outro, para além do coletivo.
A proposta de pensar a diversidade na escola, nos faz enxergar não apenas os alunos, mas também toda a comunidade escolar interna e externa, pois a diversidade está presente na sociedade como um todo, e essa dinâmica que rege as ações fora do espaço escolar se reflete diretamente nas que ocorrem dentro da escola, assim, quando consideramos as diferenças como um elemento formador de todos os sujeitos, podemos agir de forma que não haja mais reproduções de estereótipos e preconceitos de todos os tipos.
Essa é apenas uma proposta, fruto de minhas reflexões, leituras e de acordo com a realidade educacional que me encontro. Penso que o exercício de análise e reflexão, tanto do espaço quanto dos sujeitos envolvidos, seja a melhor forma de pensarmos como mudar uma realidade ainda tão caótica na educação pública da maioria da escolas brasileiras.
Referencias:
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.
__________Ministério da Educação. Secretaria Especial de Políticas de Igualdade Racial, SEPPIR/PR; Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, SPM/PR. Gênero e diversidade na escola: formação de professoras/es em Gênero, Orientação Sexual e Relações Étnico-Raciais. Livro de conteúdo. Versão 2009. Rio de Janeiro: CEPESC; Brasília: MEC/SPM, 2009. Disponível em: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/ storage/materiais/0000015510.pdf A
Imagem destacada: Blog Leonor Calmon