Imagem: Helida Costa
Eliane não conseguia entender o que aconteceu naquele dia. As memórias eram turvas, mas os sentimentos eram profundos. Eliane queria muito ter tido coragem para perguntar, mas as palavras se atropelavam e não saíam. Até tentou algumas vezes, mas os adultos não diziam nada sobre o que ela queria saber. Eles trocavam olhares entre si, cheios de preocupação e angústia, mas nada diziam. Eliane precisava entender o que aconteceu naquele dia.
Carregou no peito uma imensa culpa por não ter entendido o que aconteceu aquele dia. A culpa parecia um peso difícil de carregar, um nó que se formava em sua garganta cada vez que pensava naquilo. Os dias seguintes foram uma confusão só. Vozes exaltadas, silêncios ensurdecedores, sussurros atrás das portas fechadas. Ninguém falava com ela o que realmente ela queria saber, apenas diziam que tudo ficaria bem, que não precisava se preocupar. Mas Eliane precisava entender o que aconteceu naquele dia.
Ela tinha apenas dez anos naquele dia. Não entendia por que acordou sem nenhuma peça de roupa naquele dia. Lembrava-se do rosto de seu pai, que saiu correndo do quarto antes mesmo dela conseguir perguntar o que tinha acontecido. Eliane só queria saber por que houve tanta briga e confusão quando contou para sua mãe o que tinha acontecido naquele dia que nem ela mesma entendia. Sua mãe a abraçou forte, lágrimas correndo pelo rosto, mas não deu respostas. E então houve gritos, objetos quebrados, e sua mãe batendo em seu pai. Eliane queria saber o porquê disso tudo. Queria saber por que seu pai fugiu da polícia e nunca mais voltou para casa.
As noites seguintes foram solitárias e cheias de medo. Eliane ouvia o choro abafado de sua mãe, escondida no banheiro, desde que seu pai fugiu. Não entendia por que precisou ir ao hospital mesmo sem estar doente no dia em que conversou com a sua mãe. As pessoas no hospital eram gentis, mas faziam muitas perguntas que Eliane não sabia responder. Ela queria saber por que se sentia triste o tempo todo, por que foi proibida de falar o nome do seu pai. Queria entender por que não conseguia mais dormir sozinha, por que a tristeza em seu peito a impedia de sorrir.
Os meses passaram, mas as respostas não vieram. Eliane começou a perceber que os adultos também carregavam suas próprias dores e segredos. A casa parecia vazia sem a presença do pai, mas cheia de um silêncio pesado. Sua mãe tentava seguir em frente, mas os olhos dela estavam sempre vermelhos e cansados. Eliane queria saber o que tinha acontecido, mas com o tempo, começou a perceber que talvez nunca soubesse. E isso a machucava mais do que qualquer outra coisa.
A vida continuava, mas a pergunta persistia: o que aconteceu naquele dia? Eliane, agora com onze anos, tentava encontrar maneiras de lidar com a dor e a confusão. Desenhava, escrevia em seu diário e conversava com a avó, que lhe oferecia o conforto que podia. No entanto, a sombra daquele dia nunca se dissipava completamente, impedindo Eliane de lembrar como era viver sem dor.
Eliane queria saber. Eliane só queria entender o que havia acontecido. E enquanto buscava respostas, descobria, pouco a pouco, que talvez o caminho para a compreensão não estivesse nas palavras dos outros, mas oculto em suas próprias memórias, trancafiadas em seu cérebro, tão bem guardadas que nem ela conseguia acessar.
Eliane queria saber. Eliane só queria entender o que havia feito de errado. O que de tão terrível ela fez para que tudo desmoronasse de uma hora para outra. Eliane tentava lembrar, jurava para si mesma que um dia se lembraria, mesmo sem a ajuda dos adultos, e tentaria consertar tudo o que havia quebrado. Eliane só queria entender tudo aquilo, pois não aguentava mais fingir sorrisos.