Não sei precisar a partir de quando comecei meu aprendizado formal sobre as questões da minha negritude e do meu feminismo. Minha atual identidade passou a ser processada há bem pouco tempo, houve sim um despertar em mim para essas diversas coisas. Hoje digo em alto e bom tom que sou “negra e feminista”. Nesse processo, conheci pretas poderosas no mundo virtual e real com as quais me empoderei, estudei, me descobri e estou feliz com o que me tornei.
Porém, para 2016 tem algo me remoendo, quero mais! Penso que assim como eu, muitas pretas (e pretos) ainda precisam se ver, se identificar, conhecer a história do nosso povo, assumir sua negritude, defender nossos elementos culturais, compreender seus direitos e lutar por eles. Sim, vejo isso acontecendo, através da página que administro, nos números sobre educação nos mais diferentes níveis, mas ainda não é o suficiente, quero mais!
Fico pensando, qual a minha parcela de contribuição para empoderar meu povo e minhas irmãs? Textos publicados, trabalhos acadêmicos produzidos, pesquisas sendo desenvolvidas, palestras e debates, aulas planejadas com enfoque direcionado, uma pagina na internet com vários seguidores, discussões em grupo de estudos e, só!
Mas o feminismo não é só isso, feminismo é prática, é ação. Ação que vai além de me deslocar do aconchego do meu lar, enfrentar uma viagem com tudo pago para palestrar em auditório acadêmico. Não que isso seja pouco, mas penso ser o mínimo que faço em retribuição ao que aprendi com outras pretas intelectuais que vieram antes de mim e que, por inúmeras vezes, foram silenciadas nesses espaços e muitas que ainda são!
Em 2016 quero mais, quero mais de mim enquanto feminista negra que teve o privilégio de entrar na universidade pública e terminar uma graduação e mestrado. Sei que, apesar de todas as dificuldades enfrentadas nessa jornada, alcancei algo que muitas ainda não conseguem, ou seja, perceber este como um caminho possível, contabilizo também as varias outras que desistiram pela estrada, devido as inúmeras porradas que levam dentro da academia.
A universidade é meu espaço, assim como de todas as pretas que sonham com isso, mas nessa autoanalise de 2015, minha angústia recai naquelas que não sonham, nem com isso nem com nada, a não ser ter seu magro salário no final do mês. É nessas que quero focar em 2016.
É muito importante nos debruçarmos sobre índices de violência, de desemprego, analfabetismo, políticas públicas, intolerâncias e refletirmos sobre a sociedade que queremos, mas estou me perguntando: o que tenho feito para mudar esses números?!
Eu não fui lá ao posto de saúde periférico para empoderar as irmãs, dizer as grávidas sobre violência obstétrica e quais são seus direitos, não fui. Tão pouco me reuni com mulheres nas associações de bairros para falar sobre violência doméstica e debater com elas a Lei Maria da Penha.
Não marchei para que cada canto desse país tenha uma delegacia da mulher, ou para que pelo menos na minha cidade ela exista, não lutei para que haja formação específica contra o racismo e machismo para policiais, não movimentei minhas irmãs numa luta para que a universidade tenha creche para acadêmicas que são mães.
Poderia justificar, dizendo que tenho quarenta horas de trabalho mensal e dois filhos adolescentes para criar, além de toda a produção acadêmica e uma página com vários seguidores para gerenciar. Mas se tive tempo para ir palestrar em outro Estado, perdendo horas intermináveis em aeroporto e estrada, consegui tempo para debater com machistas, racistas, homofóbicos no inbox da página, sentei em frente ao computador, por alguns momentos, para produzir textos visando a publicação virtual, sim, eu arrumo tempo para isso também!
Espero que no final de 2016 eu faça uma autoanálise com outras angústias, mas com muitas alegrias sobre os resultados de algumas ações práticas, diferentes das que tenho feito até hoje, do contrário sentirei que meu conhecimento ainda está valendo muito pouco. Afinal, se não é para empoderar quem está fora do clubinho, de que está valendo o movimento?! Que eu saiba responder de forma mais satisfatória a indagação que tenho hoje: A minha realidade mudou e eu subi, mas o que tenho feito para mudar a realidade quem precisa ser puxada pela mão para subir junto comigo?