Há quase dois meses encerrei a leitura magnífica de “Quarto de Despejo – Diário de uma favelada”. Obra da brasileira, escritora, mineira, mulher e negra, Carolina Maria de Jesus. A apreciação desse livro me fez abrir os olhos para outras abordagens referentes ao papel da mulher com a pele cor da noite, diante da sociedade.
A obra produzida por Carolina, chegou até as minhas mãos através de uma pessoa bem mais do que especial. Um ser que emana uma luz imensa, Aurora Seles. Aliás, ela está em minha listinha – aquela que a escritora, cordelista e poeta, Jarid Arraes, autora de Heroínas Negras Brasileiras em 15 Cordéis, pede para que coloquemos nas últimas páginas do livro, como mulheres negras que marcaram a nossa história, sabe?
Aproveito o momento para dizer: Leiam Jarid.
Bem, Aurora permitiu a expansão de contato que teve início no ambiente educacional e transferiu-se para a alma, coração e vida. Ela é dessas pessoas que a gente quer ter sempre por perto. É gente que chega de mansinho e faz morada no coração. Gratidão por ter me apresentado Carolina Maria de Jesus. Enfim, num próximo momento aproveito para apresentá-la melhor a vocês. Faço isso com imenso prazer.
Gratidão Aurora Seles.
Ao que parece a vida se responsabiliza em encaixar as coisas, né? Sempre busquei percepções representativas. Gosto de apalpar, ler, olhar e me enxergar, enxergar a realidade. Afinal, me insiro na parcela que acredita fielmente no poder que essa força traduz. É esse espaço ou lugar de fala que dá voz ativa aqueles que foram calados pelo poder da opressão.
Confesso que sempre tive dificuldade com a grade literária que o ambiente escolar dita como obrigatoriedade. São livros que omitem e aniquilam histórias, em especial de mulheres negras. Me questiono sempre o motivo de nunca me apresentarem Carolina, Conceição Evaristo ou Angela Davis? Por que Machado de Assis é retratado como autor branco? Por que nos fazem acreditar nisso? Por que até hoje essas e tantas outras relíquias são esquecidas? Ressalto que a interrogação segue presente e bem viva.
Tenho como costume escrever algo sempre que termino uma leitura. Dessa vez a única diferença foi o tempo, a demora. Era um tal de escreve, muda, apaga, reescreve, reinventa. O desejo de expandir o que absorvi era simples, mas ficou engasgado. Talvez ainda esteja.
Engoli o livro em menos de 15 dias e de imediato senti um golpe na alma. Senti gotinhas de lágrimas pingarem sobre as páginas. Fui longe, consegui imaginar o cenário completo, detalhe por detalhe.
Mãe. Mulher. Negra. Pobre. Dona de um olhar única. Década de 50, favela do Canindé, São Paulo. Cadernos encontrados em meio ao lixo, serviam de diário para os seus pensamentos. Ali, Carolina fazia seu esconderijo favorito num ambiente desigual e bruto, onde o centro da cidade apresentava-se como a sala de visitas; a favela, o quarto onde se lançava tudo aquilo que parecia indesejável, aquilo que queriam omitir, e a sua escrita… uma maneira de não admitir ser o resto, ser aquele “despejo”.
No mesmo período da leitura, um vídeo viralizado nas redes sociais me apresentou a professora, militante, Diva Guimarães. O cenário dessa vez foi a cidade de Paraty, localizada no sul do estado do Rio de Janeiro, 15ª edição da FLIP – Festa Literária Internacional. Em um depoimento emocionante, Diva relatou a própria histórias e os motivos que não a permitiram desistir de lutar.
Ah, aquilo me encantou tanto, tocou a alma. Compartilhei uma, duas, três vezes… as pessoas precisavam ouvir aquelas palavras.
Mais um golpe! Casa TPM 2017. Uma semana após terminar Quarto de Despejo. De forma inesperada, me daparo com Diva Guimarães. Tremi, senti as mãos suarem. Ela dedicou minutos de seu tempo a mim, me dedicou palavras que guardarei para a vida. “Eu não desisti e você também não irá desistir. Olha aqui para mim, não quero te ver chorando. Me dá um abraço!”
Gratidão Dona Diva.
Ah, não posso esquecer que de brinde veio a oportunidade de conhecer Djamila Ribeiro. Mestra em Filosofia Política e autora de “O que é lugar de fala?” Djamila me ensinou um novo significado para empatia, e acreditem, esse foi o mais correto que já ouvi. Empatia não cabe a colocar-se no lugar do outro, ou quem sabe, mensurar o que o outro sente. Empatia deve ser entendida enquanto o meu lugar de privilégio pode impactar na opressão sofrida pelo outro.
Gratidão Djamila Ribeiro.
Foi em meio a esses encontros, a essas pessoas que retornei o pensamento em Carolina que diz: “Se é que existe reencarnações, eu quero voltar sempre preta”.
Ah, eu quero.
Sempre! E mais uma, duas, três ou quantas vezes forem necessárias.
Quero poder fazer valer tudo aquilo que eu acredito, que elas acreditam e me ensinam, dia após dia.
“Se é que existe reencarnações, eu quero voltar sempre preta”.
Gratidão é a palavra que cabe a elas. Aurora, Carolina, Djamila, Diva Guimarães e tantas outras que fazem diferença.
Me sinto pequeninha e muito acolhida por todas que citei aqui, e quando digo golpe na alma é num sentido bem positivo. Me refiro ao empoderamento, a luta árdua e diária. Aos momentos de engolir o choro e dar a volta por cima e fazer jus a luz que nos enviam diariamente a fim de seguirmos em frente.
Hoje foi só um agradecimento. Afinal, juntas somos mais fortes!
Finalizo hoje com palavras de Jarid. “As heroínas do presente, por acreditarem num futuro possível”.
Imagem destacada: Carolina Maria de Jesus, Ceert.