Em janeiro desse ano, em torno de 25 ciberativistas da América Latina, África e Europa se reuniram em Madri para compartilhar experiências, fortalecer a rede mundial entre feministas e claro, entender como se dão as diferentes ações de combate a violência online machista.
Esse texto é uma tradução livre da entrevista cedida ao El Diário, pelas ciberfeministas africanas, acerca de seus trabalhos, perspectivas e ações online e offline.
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O Auge do Ciberativismo tem multiplicado as possibilidades para as mulheres que defendem seus direitos na África, mas também as tem exposto ao assédio ou a violência machista da rede.
“A rede nos tem permitido mobilizar de forma massiva com um click”, disse Mandisa Khanyile, impulsora de um protesto diverso contra a violência machista na África do Sul em agosto do ano passado.
Aisha Dabo, da Gâmbia, trabalha para ajudar a outros ciberativistas a superar a censura de alguns governos.
Em novembro de 2014, milhares de mulheres encheram as ruas de Nairobi, a capital do Quênia. Protestavam em apoio a uma mulher que, umas semanas antes, havia sido desnudada e agredida por um grupo de homens em uma ponto de ônibus. Os agressores alegaram que a vítima que estava de minissaia, estava vestida “indecentemente”.
As imagens da agressão se tornaram virais através da hashtag #MyDressMyChoice [Minhas roupas, minha escolha] no Twitter, que inspirou um movimento de mesmo nome contra a violência sexual contra as mulheres.
“Houve muita resistência nas ruas contra os protestos. Se você saia de cor roxa, significava que estavas indo para a manifestação, e assim te assediavam ou tratavam de encurralar e te intimidar”, afirma Muthoni Maingi, ativista feminista queniana que participou do movimento. “O Online foi uma ferramenta para que as mulheres tivessem conhecimento que haviam pontos de encontro para formar grupos seguros em seus bairros e ir juntas e seguras para os protestos”, aponta.
Três anos depois, no Senegal, Ndambaw Kama Thiat, junto com Codou Olivia decidiram lançar a campanha #Nopiwouma, que em Wolof significa “Não vou calar”. Haviam começado a receber mensagens pessoais e comentários de mulheres em um blog, mulheres essas que compartilhavam histórias sobre violências, abusos e assédios. “Elas se sentiram muito oprimidas pela quantidade de gente que as chamavam e escreviam, e por isso decidiram iniciar uma campanha para acabar com essa cultura que educa as mulheres para serem amáveis e não ofender os outros”, assinala Aisha Dabo, jornalista ciberativista da Gâmbia.
Mandisa Khanyile é uma das mulheres que estão por trás do movimento “The Total Shutdown” [o desligamento total], surgido da campanha #MyBodyIsNotYourCrimeScene [#MeuCorpoNãoÉSuaCenaDeCrime]. Criaram um grupo fechado no Facebook com mais de 70.000 membras e apenas reservado para mulheres e pessoas não-binárias que queriam compartilhar suas experiências sobre violência machista.
Foi também a semente para a marcha em que protagonizaram milhares de mulheres de toda África do Sul, no dia 1 de agosto de 2018 e que finalizou com a entrega de 24 demandas ao Governo, ao Parlamento e ao Tribunal Superior, em que elas enumeram os próximos passos a seguir, com prazos estipulados para acabar com a violência de gênero, que cada vez mais cresce no país.
Muthoni Maingi, Aisha Dabo e Mandisa Khanyile são algumas das ciberativistas que participaram, no final de janeiro, de um encontro sobre a Influência e Inovação Digital na luta contra as violências machistas organizado por Oxfam Intermón em Madri.
Segundo as últimas pesquisas da União Internacional de Telecomunicações, a África experimentou em 2018 a maior taxa de crescimento em acesso a internet: de cerca de 2% em 2005 para mais de 24% de toda a população africana até o ano passado. Em 2015, um estudo da consultoria Portland Communications revelou que um em cada dez hashtags africanas mais populares daquele ano, estavam relacionadas com questões políticas, frente a apenas 2% no Reino Unido e União Européia.
As três ativistas tem a mesma ideia: é cada vez maior o acesso a internet e as tecnologias na África, assim como o auge do ciberativismo, que tem multiplicado as possibilidades para as mulheres que defendem seus direitos na rede, em muitas vezes, ajudando-as a ultrapassar as restrições da liberdade de expressão em seus países. Porém, a rede se volta frequentemente contra elas pelo assédio ou a violência machista em que enfrentam nesses espaços, em forma de intimidação, publicação de informação privada, insultos ou ameaças.
“Antes das redes eu costumava me sentir só como ativista”
“É um pouco menos perigoso dizer certas coisas por trás de um teclado. Há países no nosso continente onde a polícia nos cala a boca, no meu país é comum que te multem por conta de protestos. Estar por trás de uma tela pode te manter longe dessas multas”, disse Kahnyile entre risos. “A rede nos permite também mobilizar de forma massiva com um clique. Com uma campanha, podes chegar a milhares de pessoas. Temos muitíssimo que aprender, por exemplo, a poder chegar em zonas remotas, mas a internet nos dá essa possibilidade e de forma segura”.
Khanyile se define como feminista crítica negra, o que a tem feito enfrentar todo tipo de insultos por conta do seu ativismo online. “Implica ser foco de muitas críticas, implica ser atacada constantemente, incluindo me chamando de terrorista. Porém, te liberta, te dá sentido de comunidade e a certeza de que você está fazendo a diferença”, completa a ativista sulafricana.
Para Dabo, essa violência é a tradução da discriminação que as mulheres sofrem fora da internet. “A rede tem a tendência de que a violência se torne pessoal e quando os ataques chegam em massa é mais difícil lidar com eles. Algumas das coisas negativas que passam na internet temos experimentado em nossa sociedade. Quando, por exemplo, você é uma mulher e tem opinião, também no seu trabalho quando você diz que é feminista, com todas as conotações negativas que tem… não é fácil. A maioria das vezes, a violência online que temos visto tem a ver com opinar sobre assuntos políticos”, aponta.
Maingi, do Quênia, expert em inovação digital, se mostra preocupada com os efeitos que podem ter esses ataques: que as usuárias se autocensurem ou acabem abandonando esses espaços que, na sua opinião, são necessários para transformar as sociedades africanas. “Muitas mulheres tem preferido se retirar por conta das ameaças e o assédio que sofrem”, realça, antes de recordar que se trata de um tipo de violência que afeta as mulheres de todo o mundo. De aordo com uma pesquisa elaborada em 2017 pela Anistia Internacional em oito países, 23% das usuárias afirmam já ter sofrido assédio ou abusos online. Na Espanha, essa porcentagem ficou entre 19%.
“Embora recebamos muitos ataques por opinar, por ser ativistas dos direitos das mulheres na internet, há também muita solidariedade e aprendizagem que faz com que eu nunca saia deste espaço, me nego a isso”, enfatiza a jovem queniana, atualmente chefe de campanhas digitais na Oxfam Internacional. Aqui está, na sua opinião, outro dos pontos chave deste fenômeno, a possibilidade de que as ativistas feministas de distintos países se concectem entre elas e tenham redes de solidariedade.
“Eu sempre me considerei feminista, mas antes das redes sociais frequentemente me sentia só ou pensava que pertencia a uma minoria. A internet tem me mostrado a solidariedade não só no meu país, senão com ativistas de outras regiões da África. Me tem trazido também muita aprendizagem, porque minha perspectiva era acadêmica, era branca e ocidental. Com a internet tenho acessado a outras vozes africanas, negras, aprendi o que é o feminismo queer”, destaca.
Mecanismos de defesa
Dabo insiste também nesta mesma ideia, a facilidade para conectar pessoas que vivem em distintas partes do continente. “O mais bonito que a internet tem permitido é que a solidariedade africana tem crescido. Quando algo ocorre em um país e outra pessoa de outro país pode retuitar, isso tem efeito nas pessoas”. Fala por experiência própria. Ela é coordenadora do projeto Africtivistes, liga panafricana de distintos profissionais ciberativistas que trabalham com a democratização e direitos humanos. Na atualidade contam com 200 membros em 40 países.
Através da organização, eles fazem campanhas por acesso a internet, pela liberdade de expressão e de opinião, denunciam a repressão e apoiam a outros ciberativistas do continente para superar a censura de alguns governos. “Acabamos de finalizar um treinamento em cibersegurança e mecanismos de defesa de um ano em 10 países”, explica.
“Temos uma rede privada, algo mais seguro, onde compartilhamos nossas campanhas, ou ensinamos como mandar mensagens que se autodestroem uma vez já lidas, emails criptografados, como proteger seus dados, usar internet de forma anônima ou publicar um post de forma segura e protegendo sua privacidade em países que decidem quais páginas web devem fechar”, prossegue, E o que você aconselharia a uma mulher que sofre assédio na rede? “Antes, costumava pensar que as mulheres tem o direito de upar, por exemplo, fotos que queiram e me perguntava ‘porque temos que nos antecipar ao ato dos outros, por causa do medo dos comentários?’ Não é justo. Mas com o tempo tenho também mudado minha postura, temos que pensar porque tudo o que publicamos na internet ali fica”.
Com este sentido, sinaliza qual é, em sua opinião, uma das principais ameaças que vão pensando sobre o ciberativismo feminista no continente africano nos próximos anos. “Os governos estão aprovando leis anti internet e também existe uma tendência que haja mais e mais apagões nos países por razões políticas. Tenho medo, mas tenho esperança também”, completa.
Um exemplo é o de Uganda, onde em julho do ano passado entrou em vigor uma lei que impõe uma taxa diária a quem usar a plataformas como Facebook, Whatsapp, VIber ou Skype. Por outro lado, o último informe Transparência elaborado pelo Facebook mostra que alguns governos do continente tem solicitado cortes de internet, entre eles Camarões, República Democrática do Congo, Serra Leoa e Sudão do Sul.
Maingi, por sua parte, reivindica aos Estados mais proteção as mulheres no ciberespaço contra a violência. Khanyile põe de novo sobre a mesa as demandas de seu movimento para acabar com a violência machista. “Na África do Sul temos uma das constituições mais progressistas do mundo. No papel, é difícil ser como nós, mas o problema vem na implementação”.
Com veemência adianta que, tanto ela quanto suas companheiras seguirão trabalhando para proteger as sobreviventes de violência. Sua ferramenta? De novo, a rede. Através da página do Facebook The Black Woman Healing Garden [O Jardim da Cura das Mulheres Negras] as mulheres negras podem entrar em contato com um grupo secreto que lhes proporciona um “espaço seguro” para que se recuperem sem medo. “Queremos que se sintam menos sozinhas e que possam se curar”, sentencia antes de pegar seu celular para fazer uma selfie com Dabo e Khanyile em forma de despedida.