As crianças estão indo cada vez mais cedo para o espaço escolar. Há quem defenda que é uma necessidade das mesmas, uma vez que precisam socializar com outras crianças, precisam “desapegar-se” da mãe. No entanto, na contramão, existem estudiosos que afirmam justamente o contrário, isto é, de que nos anos iniciais, por volta dos 3-4 anos de idade, a criança precisa, sobretudo, do contato afetuoso dos pais ou de outros cuidadores que, preferencialmente, sejam familiares.
A lógica capitalista, na qual a mulher deve voltar quase que de imediato para o trabalho e o homem tem apenas alguns dias para “ajudar” nos cuidados com o bebê, faz com ressoem nos consultórios pediátricos e outros espaços “especializados”, o discurso de que quanto mais rápido a criança for inserida na escola, mais rápido ela se desenvolverá, mais inteligente ficará. Mas, a verdade é que é mais fácil convencer pais e mães que estão fazendo o melhor para seus filhos, acirrando inclusive o espírito competitivo dos mesmos, do que colocar em xeque o tempo de licença paternidade e maternidade.
Mas, vamos ao que interessa: o que o fato de a criança entrar na escola mais cedo, antes mesmo dos 4 anos (idade obrigatória por Lei para a criança ser matriculada) tem a ver com racismo? Vejamos o que diz Banfield (Apud TRINDANDE, 1994, p. 61)
”… aos quatro anos, a maioria das crianças tem consciência de sua identidade racial e da dos outros, aos dez anos, a ideia de raça está completamente fixada e reflete as atitudes raciais domÍ1zantes lia sociedade. ” (BANFIELD, 1973, p. 31).
Portanto, pode-se inferir, considerando a afirmação de Banfileld (1973) que, até os 4 anos a criança ainda está construindo sua identidade racial. Depois dessa idade, ela irá, em princípio, reforçar essa identidade. Entretanto, se a criança vai à escola aos 4 meses, 2 anos, etc. A escola passa a ter importância ainda maior no processo de formação do indivíduo.
Antes que alguém pense que estou julgando os pais que precisam inserir seus filhos no espaço escolar muito cedo, explico que a crítica não é a necessidade dos pais, mas ao sistema que nos tira a possibilidade de sermos os principais responsáveis pelos primeiros aprendizados de nossos filhos e, portanto, de sermos nós a trabalhar a identidade racial de nossos pequenos.
Nesse contexto, pais que buscam no espaço privado uma escola e, deste modo, em princípio, tem um maior leque de opções, se deparam com diversas dúvidas e incertezas, tais como: será que meu filho vai se adaptar? Será que as professoras são competentes? Qual metodologia é mais adequada?
São perguntas que não terão respostas simples, diferentemente do valor da mensalidade que aos pais caberá verificar apenas se cabe ou não no orçamento. Só isso mesmo? Naturalmente o valor da mensalidade não seria uma questão tão significativa se a mãe e pai a procura de uma escola fossem brancos, uma vez que eles não precisariam pensar quantos alunos brancos o seu rebento iria encontrar na escola, já que a realidade é que as escolas particulares são essencialmente espaços de crianças de pele clara e quanto mais cara a escola, maior a possibilidade do menino negro não ter nenhum amigo de sua cor.
E daí que entramos numa berlinda: para oferecer o melhor ensino/cuidado (em princípio oferecido, sobretudo, pelas mais caras creches/escolas particulares) é preciso inserir meu filho num espaço em que ele não se reconhecerá? Como num espaço predominante branco é tratada a questão racial? Como afetará a autoestima do meu filho estar inserido num espaço em que ele não reconhece outros iguais a ele no que diz respeito à cor? Por outro lado, não seria o caso de impor a presença de crianças negras nesses espaços assim como fez a mãe de Chris (Chris Rock)? A ascensão social, principal argumento apresentado pelos pais, sobretudo, mãe de Chris, é apontado por Trindade (1994) como sendo de fato a concepção que a sociedade em geral tem do espaço escolar.
A Escola é uma demanda social, por ser “obrigatória” a escolarização e por ser vista como um veículo, passagem para melhoria de condições de vida (Ceccon et alii,1976:18-19) e veículo para ascensão social ou manutenção do status quo.E se ela é vista como um passaporte para a ascensão social, na subjetividade capitalística, nem todos devem ter acesso a ela, por isso já é dificultoso, segregador e discriminador. E aqui começa o racismo na escola, no cotidiano escolar: A MATRÍCULA. (TRINDANDE, 1994, p. 61).
A tão sonhada ascensão poderá acontecer, no entanto, ela por si só é sinal de que é a coisa certa a se fazer, isto é, permitir que a criança sofra todo tipo de violência tanto dos colegas de escola, quanto de quem deveria atuar no combate a atos racistas (os professores)?
Mas vamos lembrar que estamos falando de crianças de 0 a 4 anos NEGRAS, em plena formação de identidade, inseridas em um espaço que por si só já exerce o papel extremamente segregador, conforme também destaca Trindade (1994):
Pesquisas existem que apontam para o caráter seletivo da matrícula, com escolas para um tipo _”. de clientela e escolas para um tipo y, e o item cor tem um papel preponderante nisto (Rosemberg, 1990:97-107). (TRINDANDE, 1994, p. 61)
Assim, para uma mãe e um pai negro, inserir o seu filho na escola traz à tona diversas questões que vão além do melhor ensino, uma vez que existem outros aspectos fundamentais na escolha da escola em que seu filho irá passar, no mínimo, 4 horas diárias: Qual a visão da escola quando o assunto é racismo? Como a escola trabalha as diferenças? Existem professores negros?
Cabe ressaltar que esse texto é apenas uma reflexão de uma mãe negra que pode optar em que escola irá inserir o filho, no entanto, a questão é ainda mais complexa quando se pensa no espaço público e na total falta de opção que os pais com menos (ou nenhum) recurso têm. O fato é que as maiorias das instituições, públicas ou privadas, encontram-se completamente despreparadas para atuar no sentido de fortalecer a identidade negra em seu espaço.
Como negras, como mães, como podemos ser agentes transformadores dessa realidade? Finalizo o texto ressaltando que o objetivo é propor uma discussão, pois acredito que a partir desse “incômodo” que sentimos e externamos que podemos colaborar para a construção de espaços mais acolhedores para nossos filhos.
Referência bibliográfica
Trindade , Azoilda Loretto da. o RACISMO NO COIIDIANO ESCOLAR. Dissertação. Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1994, Biblioteca Digital FGV.
Imagem destacada – Revista África e Africanidades