Preparadas para receber a energia e o axé das mulheres dos 19 (ou 22) países presentes em Cali, as mulheres negras brasileiras se encontraram no aeroporto de Guarulhos, já surpresas e felizes por entender que os tempos investidos seriam, com certeza, renovadores para todas nós presentes.
Chegar em Cali nos aqueceu o coração e renovou nossa esperança na luta justamente porque o movimento de mulheres negras não se pode deter: no primeiro dia, a abertura nos brindava com muita religiosidade e energia: Eleguá abriu nossos caminhos e nos conectou com nossos ancestrais que nos permitiram começar os trabalhos; também estavam juntos a nós Yemanjá, Oxum e Obatalá – plenos de beleza e majestade para conduzir nossos dias juntas. Foi também no primeiro dia que apresentamos nossas demandas e conversamos em nossos grupos de trabalho por região: Cone Sur, Região Andina, Região Centroamericana, Região Diáspora e Brasil; nesse momento também se reuniram as jovens, com suas demandas e debates específicos.
Com as jovens e as mais velhas percebemos que alguns desafios estão postos para a América Latina: uma conjuntura de completo retrocesso no que tange os seus governos, uma perda de direitos e o recrudescimento dos aparatos do Estado que ameaçam sobretudo as mulheres negras e toda a população minorizada. Assim como no Brasil, Colômbia, Nicarágua e Argentina vivem momentos políticos tensos, mergulhados em violência, violação de direitos e muita resistência também.
Pela primeira vez, a Cumbre reuniu 270 mulheres com uma grande quantidade de negras jovens: éramos 40 e nos encontramos para, além de contextualizar nossas vivências, repartir e compartilhar experiências e estratégias de luta, tínhamos a esperança de reivindicar uma Red Afrolatinoamericana, Afrocaribenha e da Diáspora mais jovem, com voz e vez. Escrevemos propostas que foram entregues na plenária principal que refletiam esse desejo: o movimento de mulheres negras produz líderes e não seguidoras!
Juntas e apostando numa candidata jovem para a coordenação da Red, nos encaminhamos para o terceiro dia, onde aconteceu a Assembleia Geral. Muitas de nós tínhamos a certeza da renovação e de que as que chegassem até ali estariam na responsabilidade de conduzir um processo de mais integração e troca entre os países que compõem a Red. Depois do repasse dos trabalhos desenvolvidos durante os últimos quatro anos da coordenação de Dorotea Wilson, ouvimos com atenção os detalhes das candidaturas e votação.
Ao final de mais de 5 horas de trabalho, tínhamos finalmente a coordenação geral junto com as representações regionais eleitas. Uma grande vitória para a Red foi a inserção, na prática de uma grande quantidade de jovens no que chamamos de “Enlace”, que são as responsáveis por aritcular a Red em seus países e regiões junto com a coordenação regional. Além disso, a eleição de Paola Yfuentes como uma mulher negra jovem é bastante simbólica e ajudará a Red com esse novo olhar político e estratégico, pensando a situação atual das mulheres a partir da atuação das negras jovens não só nos países onde são uma grande parte da população, mas sobretudo onde essas mulheres jovens trazem soluções e apontam caminhos aos movimentos de mulheres negras.
O Fórum de Cali nos renovou a esperança: nos acendeu a chama do desejo de integração latinoamericana a partir das mulheres negras, pioneiras em todos os seus países num movimento de resistência, religiosidade e memória. Ali aprendemos que, como Lélia Gonzáles já nos alertava, temos muito mais em comum com essas mulheres do que pensamos: sua comida, música, seu jeito de fazer política e a espiritualidade presente nos modos de fazer. Precisamos mais do que nunca pensar o Brasil para além do próprio umbigo e buscar, como referência de descolonização nossa irmandade lationamericana, caribenha e da diáspora, fortalecendo os laços e as redes entre nossas organizações, coletivos e grupos organizados, trazendo o feminismo negro para o eixo e renovando nossas energias em conssonância com o que nossas ancestrais construiram e nos deixaram de legado.
Onde está uma mulher negra, estão todas as mulheres negras!
DECLARAÇÃO FINAL DA REDE DE MULHERES AFRO-LATINO-AMERICANAS, AFROCARIBENHAS E DA DIÁSPORA
A Rede de Mulheres Afro-latino-americanas, Afro-caribenhas e da Diáspora, presentes no
Fórum Internacional “A Quatro Anos do Decênio: Alcances e Desafios do Observatório da
Plataforma Política das Mulheres Afrodescendentes” celebrado em Cali, Colômbia, de 10 a
14 de Outubro de 2018, com representação de: Belize, Guatemala, Honduras, El Salvador,
Costa Rica, Nicarágua, Panamá, México, Colômbia, Venezuela, Brasil, Equador, Peru,
Bolívia, Uruguai, Argentina, Chile, Cuba, República Dominicana, Haiti, Porto Rico e Estados
Unidos da América.
Declaramos e propomos a seguir:
Em relação a exigência de nossos direitos:
Na educação:
1. Que cada país se comprometa a promover a educação sobre nossa história
afrodescendente, contada a partir de nós mesmas, unidas ao tema de igualdade.
2. Que se implementem políticas afirmativas para mulheres afrodescendentes com a
finalidade de se garantir seu acesso à educação superior.
3. Que se fortaleça o caminho percorrido pelas mulheres jovens desde a educação popular
com enfoque antirracista e antipatriarcal, para o reconhecimento de direitos das crianças,
adolescentes, jovens e mulheres afrodescendentes, partindo de seus saberes e
ancestralidade.
4. Que cada país se comprometa ao resgate da memória histórica das mulheres
afrodescendentes e de seus povos.
5. Que se tenha garantida uma educação sexual e reprodutiva que permita o respeito às
identidades diversas e a construção livre de gênero.
No direito à autonomia econômica:
6. Que se garantam projetos de desenvolvimento econômico que permitam às mulheres
jovens e adultas afrodescendentes desfrutarem de uma vida digna.
No direito ao território:
7. Que se respeitem os territórios dos povos afrodescendentes como espaços ancestrais e
que se tenha garantia do direito à terra.
No direito ao censo:
7. Que cada país se comprometa a incluir a população afrodescendente no censo para
contar com estatísticas fidedignas que permitam a elaboração e implementação de políticas
públicas que nos beneficiem, e deem o direito a sermos contadas e reconhecidas.
No direito à Soberania e Segurança Alimentar:
9. Que as mulheres negras, como guardiãs da cultura alimentar de seus povos, contem
com garantias para a soberania, segurança alimentar e nutricional de mulheres, meninas e
meninos.
No direito à Saúde:
10. Que a saúde integral de meninas, adolescentes, jovens e mulheres adultas sejam
garantidas e tenham acesso a seus direitos sexuais e reprodutivos.
11. Que se proteja a saúde integral de meninas e meninos que são gestado e nascem em
situação de migração, enfrentando situações de alta vulnerabilidade.
A Rede de Mulheres Afro-latino-americanas, Afro-caribenhas e da Diáspora, no
contexto da nossa participação política propomos:
12. Procurar soluções a longo prazo para migração indigna, promovendo empatia e
conscientização sobre a situação das mulheres afrodescendentes migrantes que chegam
a nossos territórios e tecer redes de irmandade de paz, amor e respeito, abrindo espaços
efetivos de participação cidadã e econômica.
13. Que cada país se comprometa a implementar a lei de equidade, paridade e participação
de mulheres afrodescendentes para cargos de representação política.
14. Pedimos as organizações locais, nacionais e internacionais o reconhecimento do
trabalho das mulheres jovens, dando-lhes participação ativa nos espaços de tomada de
decisão que permitam ter uma visão da juventude em todo o trabalho comunitário.
15. Gerar análises de mudanças políticas no território e seu impacto destas ações na
dinâmica política e econômica com base em nosso compromisso social.
16. Que os países garantam o direito à vida e proteção legal às mulheres líderes e
defensoras dos direitos humanos.
17. Atender aos danos que sofrem as mulheres negras pela hipersexualización e
objetificação de seus corpos no contexto do conflito armado em que a violência sexual,
recrutamento forçado e re-vitimização é apresentado para ser parte do processo de
reintegração na vida civil.
A Rede de Mulheres Afro-latino-americanas, Afro-caribenhas e da Diáspora, exigimos
aos governos dos 22 países aqui representados:
1. Que os países signatários da Década de Afrodescendentes 2015-2024 cumpram
integralmente os compromissos de paz, justiça e desenvolvimento adquiridos mediante sua
assinatura dentro de suas políticas públicas, incluindo o reconhecimento constitucional das
e dos afrodescendentes nos países onde eles ainda permanecem legalmente ignorados.
2. Que cada país se comprometa a cumprir o acordo da Convenção Interamericana contra
o Racismo, a Discriminação Racial e as Formas Correlatas de Intolerância.
3. Exigimos que pare a perseguição política contra as mulheres afrodescendentes por
serem líderes sociais nos territórios.
4. Que os acordos da Conferência de Durban sejam respeitados a fim de alimentar, tornar
visível e resgatar o compromisso político ali proposto como principal documento e rota de ação para as mulheres afrodescendentes no planeta.
5. Que cada país crie uma instituição governamental de questões afrodescendentes para
que o Estado responda a essas necessidades.
6. Que a construção e implementação de políticas públicas que garantam o gozo dos
direitos das mulheres afrodescendentes sejam favorecidas.