Eu adoro São João. Identifico-me absurdamente com essa manifestação cultural. E isso não ocorre por acaso. Sou do interior da Bahia, onde festa junina é uma tradição representativa muito presente. Por ser uma festa tradicional, de forma decisiva, nos coloca frente a comportamentos proporcionalmente tradicionais. Até selvagens, eu diria.
Esse ano, antes de embarcar para minha cidade natal, eu fui aproveitar um dia de São João no Pelourinho. Teria sido um momento mais interessante se o machismo não começasse a esfregar na minha cara sua faceta mais nojenta. Primeiro que um homem que não me conhece, nunca me viu na vida, se sentiu à vontade para olhar para mim e me chamar de nada mais nada menos que “cachorrona”. Houve outros dois, em outro momento, que se dirigiram a mim, enquanto passava por eles, com palavras sórdidas que me causam constrangimento em pronunciar ou escrever aqui. E olha que eu acredito de verdade que quem deveria sentir vergonha são eles. Mas não tem jeito. Esses comportamentos de homens me afetam, me paralisam ou às vezes me fazem ter vontade de bater neles, mesmo sem ter uma “força” proporcional.
A verdade é que quando você está na rua e um homem grita em alto e bom som que você é gostosa, deliciosa, que te chuparia todinha não são só essas palavras que te afetam, que te machucam, mas o fato de você também ser exposta publicamente, o fato de outros homens também olharem para dar uma conferida se você é realmente isso tudo e merece essa atenção apoteótica. É o fato de você ser enxergada como se fosse um pedaço de carne à disposição para consumo em açougue bem fedentinoso.
E mesmo quando você aceita uma contradança pode ser estarrecedor. Em um dado momento, na festa, um rapaz me convidou para dançar e eu sem pestanejar aceitei. Amo dançar forró. Mas entre um passo e outro ele começou a conversar. Estabeleceu um diálogo minimamente interlocutório. Então quando ele achou que já tinha feito a “obrigação” do flerte pediu para beijar-me. Eu disse que não. E disse não porque não queria mesmo. Dançar era o único laço que me mantinha em uma conversa amigável com aquele moço. Todavia, ao ouvir minha negação me disse, de forma safada, que eu não me preocupasse não. Que quando eu menos esperasse, ele me roubaria um beijo. Interrompi a dança e voltei para os meus amigos.
O que faz um homem achar que pode roubar um beijo de uma mulher? Como fica a vontade dela? Passiva? Indiferente? Eu simplesmente fiquei perplexa.
Já no interior, em Macaúbas, acompanhada do machismo que me persegue e persegue todas as mulheres, conversando com minhas amigas e falando das diversas violências que sofremos, chegamos a um ponto horroroso. Conto-lhes: aqui tem um São João tradicional. Por muitos anos existiram blocos como os que há em Salvador, mas em vez de axé tocam forró. Mas o formato é o mesmo. Cordas, trio elétrico, bebida e música. Claro. Não esqueçamos: violência contra a mulher.
Era muito comum nesses blocos boa parte dos homens agarrar à força meninas, inclusive menores de 14 anos, beijando-as. Havia situações nas quais um grupo de amigos fazia um círculo ao redor da menina escolhida e a beijava. Já tive amigas com a boca inchada e roxa diante do nível de força utilizada pelo homem. Já tive que chutar inúmeras vezes sacos escrotais como forma de ser liberada dos braços mais fortes que os meus. Já mordi. Já bati. Já xinguei. Já chorei.
Nosso NÃO é mudo. Se você aceita dançar com um homem em uma festa muitos, provavelmente, encararão que você aceitou transar com ele. Se você é educada com um homem em uma festa normalmente isso é visto como permissão para ele decidir o que quer fazer com você, com seu corpo. E sua vontade diante da dele não é importante. Em muitos desses casos educação é vista como permissão. Isso quando eles ainda nos dão o bônus para alguma interpretação mais “generosa”.
Imagem de destaque – Conic.