TW: Aviso de gatilho.: Este texto contém relatos de violência, sofrimento e dor. Recomendamos a você sensível a esses conteúdos que não os leia.
Venho por meio deste, fazer um apelo às autoridades competentes, bem como aos movimentos de luta para o enfrentamento das violências contra as mulheres e a favor dos Direitos Humanos, que possamos juntas/os dar voz a uma família que há 04 anos segue sem resposta, lutando a cada dia para dar celeridade ao julgamento do caso de violência doméstica que acarretou na morte trágica de Maria do Céu Ferreira da Silva, líder da comunidade quilombola do Talhado, que foi assassinada por seu ex-companheiro Edmilson Souza da Costa.
Céu das Louceiras, como era conhecida, era uma pessoa atuante na comunidade quilombola do Talhado, estava à frente da associação e de trabalhos comunitários, sendo, portanto uma liderança local e uma pessoa de referência para as comunidades tradicionais e quilombolas do Estado Paraíba. Edmilson mantinha com Maria do Céu uma relação de ciúmes, posse e violência. Após se relacionar com ele, Tia Céu se afastou de tudo e de todos, ele a proibia de manter contatos até mesmo com nossa família. Quem conhecia Tia Céu, não acreditava, sendo ela uma mulher guerreira, representante de um grupo de mulheres negras, encontrava-se sempre triste, deprimida, sendo vítima de violência doméstica.
No dia 27/09/2013, Edmilson então atentou contra a vida da Tia Céu, de forma brutal na frente de seus dois filhas/os menores de idade, em 06/10/2013 ela não resistiu aos ferimentos e veio a falecer.
Enquanto família, temos a sensação de impunidade, injustiça e angustia com o assassinato de Tia Céu. Ela era uma mulher alegre, com vontade de viver, criou quatro filhas/os sozinha, fazendo artesanato, lutou para que uma comunidade esquecida pelo poder público fosse reconhecida e tivesse título de comunidade tradicional. Ela não conhecia a palavra desistência, atuou e lutava pela vida digna das famílias do quilombo, e vê-la no necrotério, com 75% do corpo queimado, com queimaduras de 3º e 4º graus, com aparência defeituosa e desfigurada, visto que o fogo lhe tirou a beleza e o sorriso contagiante.
Ela tinha orgulho de quem ela era, de onde ela era… Edmilson o assassino que a matou (jogou gasolina nela, acendeu o isqueiro, tocou fogo na presença de duas crianças. Minha Tia não teve nenhuma chance de escapar, nem ao menos entender, ou argumentar!), tirou nossa oportunidade enquanto familiares de conviver com ela, aprender com suas experiências, enfrentar as dificuldades do mundo juntas. Edmilson não tirou só a vida de Céu, ele também tirou a vida da Família Ferreira da Silva, e tirou a mãe de 04 filhas; a líder de uma comunidade; a esperança de dias melhores das louceiras do galpão do Talhado, ele acabou com a perspectiva de vida melhores no quilombo do Talhado, vida esta que era a luta de Tia Céu.
Passaram-se 04 anos e ainda tenho pesadelos com a imagem da minha Tia Céu e com os relatos de sua morte tão brutal (ser queimada viva), precisei fazer seu reconhecimento naquele necrotério, um lugar inóspito, frio, sem emoção, o lugar da morte, uma imagem forte e dolorosa que nunca vou me esquecer.
Não há compreensão para a morte dela, a violência doméstica tem destas coisas, busco respostas e não consigo esquecer o rosto de Edmilson (o assassino), na primeira audiência.
Aquele rosto cínico, alegando que ele estava tentando se matar, e fico mais triste ainda em ver o silêncio diante do ocorrido. Sempre me pego a refletir, sabendo que aquela é a ultima imagem que meus primos, tem de sua mãe, uma mulher lutando contra o fogo pela própria vida, ardendo em chamas e dor.
O que nós família, as mulheres integrantes da Associação e a Comunidade Quilombola do Talhado queremos, é que Edmilson (o assassino) seja julgado e condenado por seu crime.
Esperamos o apoio das organizações que integram a Rede Estadual de Enfrentamento a Violência Contra as Mulheres e de todos os movimentos que militam pelos Direitos Humanos, para unir forças conosco e cobrar a agilidade na realização do julgamento e na condenação do assassino de Maria do Céu. O Estado brasileiro nos deve uma resposta diante desse fato tão grave, Pois quem mata uma mulher, machuca a família inteira!
#NenhumQuilomboAMenos
Quilombo do Talhado/ Santa Luzia-PB, 06/10/2017.