Aviso de gatilho: genocídio da população negra
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Caminhei até ela com um lenço na mão, quando olhei aquelas lágrimas que teimavam em cair, percebi a pequenez do meu gesto. Quanta pretensão achar que poderia enxugar aquelas lágrimas com um simples lenço.
Aquele choro vinha de longe, de além mar, vinha das despedidas sem oportunidade de um abraço de adeus, vinha das chicotadas que acertavam seu corpo sem que houvesse uma chance de reação, vinha dos filhos tirados do seio porque era necessário alimentar o filho da sinhá, vinha de tantas histórias de sofrimento que, ainda que chorasse até secar todas as suas lágrimas, não expurgaria toda aquela dor.
Ah!!! Aquela dor, ela estava cravada em seu corpo tão profundamente que atingia a alma de seus ancestrais e eles sim sabiam o que era a dor. Sabiam porque muitas vezes já haviam acalentado outras pretas que choravam os mesmos prantos, e, resilientes, forjarão mais um escudo que ela em breve usará, pois é necessário continuar a “viver”.
E viver sabendo que eles vão tentar nos matar a cada dia, vão tentar nos silenciar todas as vezes que ousarmos gritar por justiça, mas nós renasceremos tantas e quantas vezes forem necessárias. A gente é feita de um misto de força, coragem e fé somado à pele preta e a determinação dos orixás.
Rememorando tudo isso, não estendi o lenço àquela mãe preta, pois sabia que ao se levantar, o luto daria lugar à luta. Então sentei-me ao seu lado, chorei o seu choro e senti a sua dor. Segurei a sua mão e fui apenas colo, fui apenas uma mão amiga entendendo que há dias em que as mulheres pretas precisam chorar.
Hoje, eu escrevi por João Pedro, escrevi por Iago, escrevi por João Vitor e chorei por tantos que me faltariam linhas para nomear e, em cada palavra, pensei nas mães que vivem o luto imposto pelo racismo e tive a certeza de que ainda é muito cedo pra abandonar a luta. Ainda não podemos descansar, pois mesmo que o meu filho esteja em casa, a chegada dele já não representa momentos de paz para o meu coração de mãe. Em respeito às vidas e sonhos que foram brutalmente interrompidos, não posso dormir. Ainda temos muito que lutar para enfrentar o racismo institucionalizado que ceifa a vida de nossas juventudes.
Imagem destacada: Dan Pitanga