De antemão, esse texto não tem a ambição de ser um dos mais poéticos. A antítese que acompanha o título é mais para apoiar-me na bandeira levantada por muitas de nós, a de “Não me dê flores”, quando pensamos no mês que anuncia o dia internacional da mulher. Uma outra observação que preciso partilhar é que não quero com isso propor um enfrentamento à pauta: na verdade, ela tem de mim muita validade. Feita as devidas observações, acho que podemos iniciar nosso diálogo.
É na despedida do mês de março que me vem a reflexão que norteará todo o texto: Onde estão as mães no mês da mulher? Essa pergunta é para pensarmos as maternidades para além de sua data de consumo que culmina no mês de maio. Essa pergunta parte de uma inquietação que perpassa o meu corpo político que denuncia a invisibilidade das mulheres negras e da maternidade no mês da mulher.
Que nós, mulheres negras, não nos reconhecemos na data já sabemos. Pensar a maternidade nesse contexto se torna ainda mais difícil e na medida que o gradiente de cores se aproxima de nós, a inclusão de nossas demandas nas agendas públicas e privadas se torna ainda mais inalcançável.
Posto isto, é comum pensarmos o que aqui chamarei de “mês das rosas” como uma oportunidade de questionar as imposições acerca dos papéis socialmente estabelecidos para os corpos femininos – esses corpos têm cor, como bem nos mostra Sojourner Truth. O lar, a maternidade, a estética, a doação, o cuidado são categorias analíticas fortemente questionadas (e, portanto questionáveis) quando pensamos nessas construções sociais.
Dessa forma, seria possível avançarmos nas discussões sobre a questão de gênero invisibilizando uma camada tão importante como a maternidade? Não reconhecer em nossas produções que mulheres negras que são mães, também estão no mercado de trabalho (grande parte informalmente), no ranking de feminicídio e que também somos afetadas, por exemplo, pelo genocídio dos nossos filhos, companheiros e jovens negros, é para mim um erro grave de análise histórica e conjuntural de uma sociedade. Enquanto não reconhecermos as mães negras como categorias políticas que baseiam e modelam nossa sociedade, cultural, social e economicamente, não chamaremos atenção para políticas públicas eficazes e capazes de oferecerem suporte para toda rede que cerca as vidas dessas mulheres. Enquanto não associarmos o bem viver de mulheres mães no âmbito do interesse público, continuaremos a pensar de maneira isolada as ações sociais que delas poderiam partir.
Na encruzilhada das experiências, a maternidade é entrecruzada pelas nuances esperadas de uma sociedade patriarcal. E mesmo reconhecendo que ela não nos define em totalidade, acho perigoso o movimento de buscarmos formas de existir desconsiderando os atravessamentos provindos dela. Somos o que somos, mas existe um lugar social que nos atravessa e demarca como vivenciaremos nossas subjetividades. Ora, se em uma entrevista de emprego, a maternidade é requisito explícito de descrédito profissional e nos fará perder a vaga “pois não teremos condições de nos dedicar exclusivamente ao trabalho”, precisamos, sim, demarcar essa categoria em nossas literaturas e discussões. Se, enquanto alunas, somos proibidas de levar nossas crias para as aulas e não temos com quem deixá-las, precisamos, sim, falar sobre o rendimento escolar e universitário considerando a maternidade no prisma da evasão. Se precisamos falar sobre violência doméstica e mulheres em relacionamentos abusivos, precisamos nos perguntar por qual motivo ao ter filhos a dissolução dos vínculos é ainda mais difícil. Se estamos dispostas a pensar o espaço público com a existência de seres plurais, precisamos considerar lugares que acolham crianças, do contrário, mães solos continuarão à margem do convívio social.
Para concluir, os espinhos contidos na antítese do título são para lembrar-nos que os problemas sociais, quando não nomeados, não deixam de existir. São dolorosos e inquietantes na pele de quem os vive. Pensar transformação social ignorando as maternidades, sobretudo as pretas, é uma das formas possíveis de apagamento de corpos. Onde estão as mães no março das flores? Estão sendo sustentáculo para famílias inteiras; tentando sobreviver às políticas de dedicação exclusiva das universidades; estão enfrentando insegurança alimentar; estão participando da construção de suas crias; mas para além. Estão há séculos, resistindo e criando formas de existir nas fissuras sociais. Mas sonho com o dia em que não tenhamos que ser tão fortes.