Toda vez que alguém me chama de “morena” ou “mulata” eu quero morrer um pouco. Ao mesmo tempo em que imagino que muita gente faça isso por costume, sem saber a violência que tá cometendo, carrego a certeza de que muita gente mede bem as palavras antes de verbalizar. Quando eu corrijo essas pessoas, e peço pra me chamarem de negra, quase sempre recebo um sorriso constrangido. Mas de vez em quando, algumas dessas pessoas acham legal tentar me convencer de que, na verdade, eu só posso ser mulata.
Esses dias eu estava com a minha mãe (que é negra, como eu) na sala de espera do consultório do meu médico, quando começamos a conversar com uma mulher (branca). Conversa vai, conversa vem, e de repente estávamos falando de como as universidades brasileiras têm poucos estudantes negros. Quando eu menciono que sou a única estudante negra da minha turma, a mulher me olha quase aterrorizada e diz: “mas você não é negra, você é morena! Quando alguém é negro de verdade, a gente tem como perceber!”.
A dificuldade que alguns brancos têm em me apontar como negra é bem sintomática de como o racismo é estrutural na nossa sociedade. Para essa mulher (e para muitas outras pessoas como ela) é inconcebível que uma pessoa negra possa estar no mesmo consultório que ela, estudando em uma universidade pública. Para esse tipo de pessoa é assustador assumir que uma negra possa ter acesso aos mesmos serviços, colocar os filhos nas mesmas escolas, frequentar os mesmos shoppings e comprar as mesmas marcas. Assumir tudo isso representa uma perda de status enorme pra pessoas que tanto se apoiam na posição relativa do branco em relação ao negro na nossa sociedade.
Assim, muita gente branca opta por usar termos como “morena” ou “mulata”, descrentes da possibilidade de existir uma pessoa “realmente negra” que compartilhe do mesmo poder aquisitivo. É feita uma associação, quase que automática, de classes média e alta com a população branca e de pobreza com a população negra. Essa associação imediata, combinada ao asco que a nossa sociedade tem do povo pobre e do povo negro, contribui para que exista uma resistência enorme em chamar alguém de negra, como se ser negra fosse uma vergonha. Neste caso, os rótulos de “mulata” ou “morena” se tornam tentativas de embranquecer, de evitar reconhecer que negras e negros possam ter, ou sequer almejar, o mesmo padrão de vida.
O desconforto que alguns sentem em ver o surgimento crescente de uma classe média negra e universitária, ocupando os lugares que nos foram historicamente negados, é cada vez mais latente. Seja na menina branca na livraria que tentou me impedir de comprar um livro porque não acreditou que eu conseguisse ler em inglês, seja nessa senhora no consultório médico: dá pra reconhecer de longe gente que se sente incomodada ao ver uma mulher negra fazendo coisas “tipicamente brancas”. Esse é um dos motivos pelos quais eu faço questão de sempre me declarar negra, especialmente quando estou em ambientes acadêmicos ou profissionais que foram sempre reservados prioritariamente para brancos.
A remuneração de uma mulher negra é 38,5% do salário de um homem branco de mesma escolaridade e função. Sabemos também que a universidade brasileira tem poucas estudantes negras (Dossiê Mulheres Negras, IPEA, 2013). Conhecemos os resultados violentos do racismo institucional a qual todas nós mulheres negras estamos submetidas diariamente. Nesse sentido, se assumir negra ao ocupar uma posição profissional ou acadêmica usualmente reservada para brancos se torna uma decisão super importante. É através da afirmação da nossa identidade que temos força para reclamar nosso espaço na universidade, que denunciamos as violências que sofremos, que exigimos mais igualdade. É através da afirmação da nossa identidade que mostramos que ocupar as posições profissionais ou acadêmicas que almejamos é nosso direito.
Somos poucas negras na universidade, somos poucas negras com salários justos. Mas na luta para que todas as negras compartilhem desses direitos e tenham vidas dignas, nos recusamos a ser embranquecidas.
Imagem destacada: Rafa Damiá, page Que nega é essa?
24 comments
As pessoas sempre tentam te “clarear”. É o reflexo no cabelo, é o alisamento, é a make pra afinar o nariz, o repudio as vestimentas… Até eu me declarar negra eu passei por tudo isso, pra conseguir passar em alguma entrevista, pra reunião da escola dos meus filhos, para ser aceita em festas e bailes onde o movimento “clareador” é de super intensidade.
Comecei sendo eu mesma, minhas roupas e estilo, meu cabelo e jeito. Não me empregavam na minha área, e diziam que iam guardar meu currículo para uma nova oportunidade. – Moça, essa vaga já foi preenchida, mas estamos com a vaga aberta para ASG (sem objeções, porém eu já possuo técnico e inglês).
– Possui filho?
– Sim!
– Jura?
– Sim!
– Qual idade?
– São dois!
– Dois filhos nessa idade? E ainda é solteira? Não vai ter mais não né?
Ao passear com meus filhos brancos, me confundiam com a babá, doméstica ou até aquelas brincadeiras de “onde vc roubou essas crianças lindas?”
E eu fui mudando e mudando. Cedendo as pressões, mas não por moda/ beleza. Por medo de não caber em nada nunca.
E então voltando a me aceitar, já não aliso mais o cabelo, já não me maquio do mesmo modo, e me declaro negra! Porque sou negra! Como desfecho, já cheguei a ouvir, que é um absurdo me declarar negra agora, só pelo fato de estar andando desleixada, e que não sou (estou) negra, só mal cuidada mesmo..
Cheguei nesse site hoje e gostei muito do que li, minha mãe tem a pele branca e o cabelo tipo 4c porque minha avó é loira dos olhos claros 1,80 cabelo loiro mel e ralo, meu avô é baiano e 1,70 com todas as características lindas do negro então ela nasceu assim, por meu pai ser alto mais de 1,80 negro tenho a pele mais clara e o cabelo..ficou um 3c, acho, pq tem partes 3b, eu sou negra, amo ser negra, e assumo tudo que tenho direito porque amo, as cores o brilho o cabelo, queria ter o tom mais escuro ainda por a pele é sensacional parece um pêssego, e detalhe, me apelidaram de Preta e eu amo♥, mas porque eu me porto como uma, lindamente, orgulhosamente, e deixo claro que não gosto que me chame de morena, porque Deus caprichou demais nessa negritude pra ser chamada de morena….não passo maquiagem pra afinar o nariz, eu me assumo, eu me amo, porque ao me amar eu amo todas as mulheres negras, toda minha família que lutou pra eu estar onde estou
Adorei o texto mana, os brancos sempre me intitularam como parda ou então branca, já que minha pele é um pouco mais clara e fico vermelha facilmente, mas sempre falo que sou negra, porque realmente eu sou NEGRA. Daí sempre falam, “mas no seu registro está branca“, tentam sempre achar um motivo para não me chamar de negra, falaram até que sou muito bonita para ser negra, como se isso fosse elogio.
Brancos precisam parar de ditar quem somos, ditar nossas cores.
Também tenho dificuldade de identificar minha cor. Minha mãe é negra, o meu pai é descendente de índios, todos discordam de mim quando digo que sou negra, me intitulam “morena”.
Tem alguns comentários que eu penso que são fake… depois analiso novamente e vejo que são sinceros! Nossa… fico assombrada com a capacidade do ser humano de ser racista e hipócrita. Sou otimista, sempre espero o melhor das pessoas com isso ainda tenho esperança que a pessoa tome um choque de realidade na vida e consiga enxergar que a cor de pele, religião, orientação sexual ou ou que for não é referencia, as atitudes te definem muito mais.
Meu filho concorreu num concurso público com direito a participar da cota para negros e pardo Afro brasileiro, só que ele não conseguiu a vaga, foi eliminado.O argumento de quem o valiou( foram quatros pessoas, brancas e negras).A justificativa foi que ele não tinha todos os traços negros ou fenótipos, Ele tem 50% meu( pele e cabelo) e 50% do pai .Eu gostaria de saber por você como agir diante disso.Gostaria que você abordasse esse assunto no blog.
Cada dia gosto mais deste blog.
Me ajudou a me reconhecer como negra, pertencente a uma comunidade a qual não tive acesso antes, por ser “a mais escurinha” numa família miscigenada porém mais clara, que se auto-declara branca, e alimenta profundo racismo.
Então peço que me ajudem nesta questão: eu e meu marido temos a pele parda, cabelos crespos, e nossos filhos nasceram brancos, inclusive um deles tem os cabelos claros. Como ensiná-los a se reconhecerem negros, ou pelo menos respeitarem e terem orgulho desta herança?
Observação 1: comentário recente de meu esposo: “pelo menos não nasceu uma pretinha.” Ou seja, estou sozinha na batalha.
Observação 2: este auto-reconhecimento é uma coisa muito recente para mim, e tenho certeza para muitas pessoas. Sabe lá o que é crescer sentindo não pertencer a lugar nenhum?
Meninas, minha tataravó por parte de pai era negra. E minha bisavó por parte de mãe era Índia. Mas todo o restante da minha família é branco. Hoje depois de muita informação eu reconheço em mim traços desses parentes e reconheço que meu avô paterno não é branco. Ele para mim é pardo, ou negro de pele clara. Mas me choca, saber que eu nem ao menos pensava no assunto. E essas questões de raça me confudem muito. Hoje eu sei que raça e auto declarada, mas nunca sei como me referir aos outros e principalmente a mim. Tenho 02 amigas, uma negra de pele escura que se auto declara morena e não gosta de ser declarada negra, o que sempre acontece. Minha outra amiga é negra de pele clara e cabelos alisados, tipo a Anita, ela também se declara morena e não gosta de ser declarada negra, mas ela sempre é chamada de morena ou mulata (o que eu acho muito ofensivo). O que devo fazer? Nunca faço nenhuma referencia a raca nem nada para evitar conflito. Mas acho tão triste elas terem preconceito com elas mesmas. Ambas são mulheres incríveis!
Eu tenho uma dúvida que pra algumas poderá ser boba;mas se alguém poder responder agradeço.Eu me considero negra,cabelos crespos e pele escura,apesar de muitos tentarem me convencer ao contrário que educadamente discordo.Pois bem,casei com um homem branco e juntos temos uma linda menina que nasceu com a pele clara ou morena.Futuramente como ela ira se denominar?Me orientem, gostaria que minha esteja fora de preconceitos raciais.Vocês conhecem algum livro para eu ler com ela?
Oi, Renata, tudo bom?
Eu não acredito que o fato da sua filha ter pele mais clara que a sua signifique que ela não é negra. Minha mãe é negra e meu pai é branco. Sou bem mais clara que minha mãe e sempre fiz questão de me identificar como negra. Imagino que toda mãe negra quer que seu filho não sofra com o preconceito racial, mas acredito chamar sua filha de “morena” não vai poupá-la de racismo. Só vai apagar uma parte da identidade dela.
Sempre que esse debate de identidade racial surge, acho legal ler sobre colorismo (http://blogueirasnegras.org/2015/01/27/colorismo-o-que-e-como-funciona/). Além disso, deixo também duas listas de livros interessantes para meninas negras, dá uma olhada:
http://www.geledes.org.br/15-livros-para-presentear-meninas/
http://www.geledes.org.br/dicas-de-livros-infantis-para-celebrar-cultura-afro-brasileira/
P.S. Menina bonita do laço de fita, da Ana Maria Machado, é um dos livros mais importantes da minha infância, leia esse junto com sua filha! 🙂
Abraços!
Eu tenho muita dúvida na hora de definir minha cor,todos falam que sou morena,minha avó paterna é descedente de indio e o pai do meu avô paterno era negro.Ja li um artigo sobre colorismo mas ainda nao sei se devo me considerar negra.
Oioi gurias, tudo bem? Adoro o site e sempre cresço com as reflexões que os textos aqui publicados me provocam. Adorei o texto, e resolvi trazer aqui algumas indagações que o teu relato de mulher negra me trouxe. Durante a leitura, não pude deixar de me colocar no lugar das várias “personagens” do caso. Por um lado, compreendo que tuas experiências como mulher em um país machista e racista como o nosso, contribuam para fortalecer a ideia nós versus eles/elas. Por outro, também pensei que é um pouco determinista supor que o comentário da mulher branca, que ao se dirigir a ti dizendo que tu não eras negra, e sim morena/mulata, esteja necessariamente vinculado a uma dificuldade dos brancos em aceitar que pessoas negras estejam acessando aos mesmos bens que antes lhes eram negados. Falo isso pois em nenhum momento de minha vida (juro, não me recordo de algum momento assim) mesmo sendo branca e detendo os privilégios de minha branquitude, fiz alguma associação nesse sentido. A referência pode ter sido pura e simplesmente pela tua tez mais clara (não pude ver direito na foto, mas sem dúvida deve ser mais clara que uma pessoa haitiana, por exemplo). Lamento que muitas pessoas ainda pensem que outras pessoas negras, mulatas, pardas, trans, homo, deficientes, et al., não reconheçam o outro como somos: pessoas. Mas isso não pode tornar-se uma prerrogativa para colocar todo mundo na mesma vala, que alguém branco necessariamente vá pensar de um jeito não-humanista/racista.
Espero que não interpretem mal essa minha colocação. Trata-se apenas de uma impressão sobre uma experiência que, repito, não vivenciei, mas que sem dúvida não teria qualquer dolo ou conotação negativa. Espero refletirmos juntas.
Beijos coloridos,
Marina
Marina,
entendo sua dúvida. Não sou a autora do texto, mas vou meter o bedelho.
O ser humano é um ser teleológico. Ou seja, nossas atitudes têm uma intenção ainda que não saibamos conscientemente quais são.
Eu te pergunto uma coisa: você acha que a fala desta senhora teria sido a mesma se ela tivesse contratando a Bárbara para um emprego? Você acha que a fala desta senhora teria sido a mesma se ela encontrasse a Bárbara em um ônibus lotado, com uma marmita na mão? Com certeza a fala desta senhora teria sido outra se ela brigasse com a Bárbara e quisesse ofendê-la. Rapidamente apareceriam adjetivos como macaca, escurinha e coisinhas que infelizmente conhecemos.
O racismo coloca os negros em um lugar e quando não estamos nele a gente deixa de ser negro. Até para não dar exemplo para os outros e virar referência. Tentam nos esvaziar para não ocuparmos os espaços a partir de um posicionamento crítico.
Então, Marina, mesmo nas atitudes mais inocentes estão escondidas posturas racistas.
bjus
Eu ainda tenho uma dúvida imensa quanto a isso. Desde pequena eu nunca soube muito bem como me posicionar. Minha mãe, com a pele mais escura que a minha, sempre se considerou morena (racismo velado, que ela nega até morrer). Todo mundo sempre me chamou de morena. Nunca consegui me reconhecer como negra. Em pesquisas em sempre me autodenominava “parda” porque, no final das contas, minha pele não é escura. Mas de uns tempos pra cá isso começou a me incomodar. Especialmente porque eu deixei de lado essa coisa de alisar o cabelo e estou assumindo o meu crespo. E junto com essa transição eu estou aprendendo coisas importantes, especialmente quanto ao colorismo. Mas ainda me fica uma dúvida imensa (como mencionei no início): a miscigenação na minha família foi tão grande que eu mal tenho traços fenotípicos próprios da raça negra. Meu nariz não é largo, meu lábio é mais fino. A única coisa que me identifica como negra é o meu tom de pele que não é branco (e ao mesmo tempo não é negro) e o meu cabelo crespo. Hoje eu consigo me identificar como negra, eu me acho negra, eu me sinto negra, eu me declaro negra. Mas ao mesmo tempo tenho medo do que as pessoas de pele escura vão pensar, como se de algum modo eu estive deslegitimando todo o sofrimento e opressão que são sofridos ainda hoje. Como conciliar isso? Eu não quero mais ser chamada de morena, nem me declarar parda, nem ouvir que tenho pele morena e traços europeus. Incomoda me embranquecerem, afinal de contas eu não sou branca, minha mãe não é branca e ainda que eu tenha mais privilégios que os de pele escura eu não tenho o mesmo privilégio que os brancos tem.
Meninas, gostaria que me tirassem uma dúvida. A gente aprende na escola (aqueles livrinhos de história) que mulato é filho de branco + negro, assim como cafuzo é filho de negro + índio, e mameluco, índio + branco. Neste caso, é errado falar que a pessoa é mulata? Mesmo ela sendo filha de negro e branco? Eu realmente tenho essa dúvida, pois vi um filme uma vez, em que a menina era filha de uma moça negra e um cara branco, e ela não gostava de ser considerada mulata.
Obrigada.
Oi Fê, este trecho do texto de Cris Oliveira talvez ajude um pouco.
“”Mulatx” é uma derivação da palavra “mula”, aquele animal estéril, resultado do cruzamento do jumento com o cavalo. Inúmeros registros etmológicos indicam que foi há mais ou menos 400 anos, ou seja, durante o período escravatista brasileiro, que essa palavra começou a ser usada para se referir aos filhxs de negrxs com brancxs.” No texto ela coloca outras questões também. Acho que vale conferir – http://blogueirasnegras.org/zcga9 Obg por comentar.
Sempre que retruco dizendo que sou negra, que sou preta, as pessoas se incomodam achando que sou pesada nas palavras. É difícil!!!! Adorei o texto, mana!
Pois é, quando falo que sou “negra” As pessoas dizem que sou “MORENINHA”!!!!
Adorei o texto, Bárbara! Por um tempo, fomos convencidos a apagar nossa negritude quando começamos a ocupar lugares que historicamente brancos sempre ocupavam.
É uma posição política importante se identificar como negra nestes espaços.
Adorei.
Essa questão é muito discutível, pois se meu pai é negro e minha mãe branca obviamente serei mulata. Então, se possuo características das duas raças porque devo ser considerado pertencente a uma delas apenas. E por que ser considerado negro e não branco se pertenço a ambas as raças. Trata-se portanto, de um fator político ideológico mais do qualquer outra coisa. É ilegitimo me definir negra pois, tenho em mim porções das duas raças. Assim como, seria ilegítimo me definir branca. Daí as pessoas serem mulatas sim, miscigenadas sim! E não é porque negro é ruim, é porque a pessoa é assim, ela está nesse “lugar”. Indiferente de ser mais “clarinho ou mais “escuro” se você pertence às duas raças você estará nessa espécie de “lugar particular”, não é negra nem branca;e sim ambas. Se você tiver uma visão holística sobre a questão, perceberá que é algo muito bonito; trazer em si tal união.
Você é filha do cruzamento de uma branca com uma mula? Por isso se considera mulata? Amiga, aceite a realidade. Uma gota de sangue negro = negro.
Sim, Tati. Na teoria é muito bonita a miscigenação. Mas na prática, não é tão bonita assim. Não sei se você tem a pele não muito escura, mais para clara. Se assim for, provavelmente você sente menos na pele o que é ser considerado negro. Eu, assim como você e muitas outras pessoas, também sou miscigenada. Mas aqueles que não gostam de negros somente verão as minhas características negras, sem se importar se minha mãe é branca e meu pai negro. O que elas vêem é só “mais uma neguinha”. Entende? É assim que funciona. Quanto mais escura sua pele, quanto mais crespo o seu cabelo, quanto mais traços tidos como “negroides” você tiver, mais você será considerada negra, mesmo se for resultado de miscigenação.
Assumir-se negra é sim algo ideológico nesse caso, um ato político. Te dá forças para entender porque você é tratada de determinadas formas não muito corteses, e também lutar para se impor perante uma sociedade racista.
Tati,
por algum tempo raciocinei exatamente assim. Mas, comecei a perceber que quem a gente é não é apenas uma questão de “eu acho que sou” ou “eu quero ser”. Existem determinações sociais que são maiores que nós.
Por mais que eu acreditasse que eu era uma mistura das raças, e isso me soava poético, como você falou, a sociedade e as determinações sociais me colocaram mais de um lado do que do outro. Não tenho os privilégios que meu pai branco teve. Ao contrário: fui apelidada na escola pelo tamanho da minha testa, demorei a ter alguém que se interessasse por mim, fui seguida em lojas e até revistada. Coisas que se eu fosse branca eu não teria passado. Ou seja, eu quis muito ser uma mistura, inclusive ter os benefícios do meu pai… Mas, a sociedade não me deu!
Simplesmente por que meu fenótipo mostra quem eu sou. Eu sou preta, por mais que eu não quisesse…
Hoje eu quero. Hoje eu gosto. Hoje eu preciso. Só assumindo minha identidade consegui entender coisas que eu passava e não sabia de onde vinham. Pude entender as dores da minha mãe, da minha avó, das minhas tias e tios. Só assumindo minha identidade fui acolhida. Além de tomar porrada, eu agora sei me defender.
Temos que encarar isso de frente. Enquanto houver racismo, não “somos uma mistura de raças”. Somos pretas.
um bju