*pode conter spoiler ou relato de filme
O longa metragem “Menina Mulher da Pele Preta”, produzido e dirigido por Renato Candido de Lima, é um filme de grande relevância para tratar questões da construção da identidade da mulher negra, geralmente marcada por preconceito, por um processo de rejeição, dificuldade de autoaceitação, negação da negritude, falta de representatividade positiva, objetificação, entre outros.
A personagem principal do longa é Jennifer. Ela tem 17 anos, é estudante e trabalha no salão de sua mãe como manicure, mora na Vila Nova Cachoeirinha, mas é nordestina, nascida em Macaúba. O sonho de Jennifer é estudar Computação ou Design Gráfico em uma universidade pública. Na infância era chamada de vassoura baiana por ter o cabelo crespo, o que a fez odiar seu cabelo e sua forma de falar. Sua avó Eunice era professora e sofria preconceito por sua fé.
Jennifer está em busca de um emprego formal como operadora de caixa, mas está preocupada com sua aparência, e acredita que precisa ser “mais apresentável”, então manifesta a sua mãe o desejo de fazer uma escova progressiva para ter uma aparência mais parecida com as moças que trabalham no hipermercado Andorinha, no qual ela busca uma vaga de emprego.
Jennifer é convidada para uma festa de uma das colegas do colégio e está preocupada em causar uma boa impressão. Possui um perfil nas redes sociais e modifica constantemente as fotos antes de posta-las, de forma a amenizar algumas imperfeições, clareando seu tom de pele, e a destacar alguns aspectos físicos que considera importantes de modo a se sentir mais bonita e apreciada.
Jennifer sente-se desvalorizada em relação às outras colegas, sofre preconceito, é chamada de macumbeira e vista pelos meninos como um mero objeto de consumo, não como uma moça para namorar. É considerada feia e vista como estranha, como tranqueira.
A mãe percebe a dificuldade da filha em se aceitar e decide contar-lhe uma história. Ela diz que sua bisavó um dia a ensinou a ser bonita. Após essa conversa, Jennifer começa a se modificar, valorizando mais sua beleza, aceitando os traços característicos de sua negritude como seu cabelo crespo, usando acessórios coloridos e que dão destaque a sua beleza. Um dos reflexos dessa mudança se reflete quando ela chega à festa e pede para o DJ tocar a música “Olhos Coloridos”, de Sandra de Sá, que trata da aceitação da identidade negra e de sua valorização.
Ao final do longa, Jennifer faz uma autorreflexão e chega à conclusão de que é preciso transformar muitos nãos em sim, e diz que de negação em negação seus avós e bisavós fizeram o chão nessa terra. Ela ressalta a existência, a luta e a afirmação.
Quantas de nós, mulheres negras, não passou por um processo semelhante? Muitas de nós rejeitamos nossa negritude porque sabíamos que ela estava associada a preconceito e discriminação. Percebemos isso na própria pele desde muito cedo. Mas após um processo de descoberta e aceitação da nossa beleza negra, de nossa negritude, que foi provavelmente longo e doloroso para muitas de nós, aprendemos a importância da autoafirmação, da luta contra a desigualdade de oportunidades, contra a falta de representatividade, contra o preconceito e a discriminação, contra um sistema de opressão que insiste em nos invisibilizar, e em negar-nos o discurso, o protagonismo.
Exigimos o enegrecimento das universidades, dos espaços de poder, denunciamos e lutamos contra o extermínio da juventude negra, contra a história eurocentrada que insiste em colocar o negro como subalterno e como destituído de importância, como fraco. Somos um povo forte e contribuímos para a construção da nação com nossa mão de obra, nossa arte, nossa cultura, nossa resistência e nós, mulheres negras, estamos em luta, marchamos pela justiça, pela igualdade, pelo respeito.