Em outubro de 2016 Kimberle Creenshaw, feminista negra que cunhou a expressão interseccionalidade no final dos anos 80, dissertou em uma de suas palestras a respeito do apagamento que mulheres negras sofrem mesmo quando o assunto é a morte de pessoas negras.
Em um breve experimento testou quantos da plateia reconheciam o nome de jovens negros assassinados e a invisibilidade de mulheres negras também vítimas desse projeto de extermínio, ficou evidente.
Em meados dos anos 1970, os estudos dirigidos por Abdias do Nascimento e Clovis Moura preconizaram o que mais tarde números aterradores viriam a confirmar, o genocídio da população negra como um projeto de extermínio,
De acordo com a CPI do Senado sobre o assassinato de jovens negros, por ano são assassinados 23.100 jovens negros no Brasil em que do total dos homicídios cometidos, 77% das vitimas são jovens pretos e pardos.
É recorrente notar o processo de invisibilização que mulheres negras vem sofrendo em pautas globais, debatidas há anos pelo movimento negro brasileiro e internacional.O encarceramento massivo e o próprio projeto de extermínio da população negra são exemplos de debates que por vezes desconsidera- se o recorte de gênero
Por diversas vezes os grupos e organizações do movimento negro caem no erro de reduzir a pauta sobre o genocídio ao assassinato de jovens negros do sexo masculino, é bem verdade que a maioria esmagadora dos assassinatos refere- se aos homicídios cometidos contra homens negros na faixa etaria dos 15 aos 29 anos. No entanto é preciso lançar um olhar mais atento as mulheres negras que também são vitimas desse extermínio, motivados pela intersecção de raça, classe e gênero.
É sabido e constantemente pontuado pelos movimentos de mulheres negras o local de violência ao qual mulheres negras foram e permanecem sujeitas. A objetificaçao, a hipersexualizacao, o preterimento a subalternidadade enquanto mulher, agressões implicitamente motivadas a construção de gênero.
O mapa da violência contra a mulher publicado em 2015 indicou que de 2003 a 2013 o número de assassinatos cometidos contra mulheres negras aumentou 54%, indicando que somos o grupo mais exposto.
O sexismo o racismo e o classismo, nos coloca na base da pirâmide social uma vez que quando se encontram, essas opressões potencializam nosso grau de exposição as mais suscetíveis violências simbólicas e físicas.
Além do extermínio direto, mulheres negras configuram o grosso do alto percentual de mulheres presas, um fenômeno mundial. Assim como no Brasil, a Lei de Drogas dos Estados Unidos, país com a maior população carcerária do planeta, também promoveu o crescimento do número de mulheres detidas sob acusação de tráfico de entorpecentes. No caso norte-americano, a quantidade de encarceradas aumentou 800% nos últimos 30 anos.
Em uma pesquisa realizada no estado de São Paulo, divulgada pelo portal Justificando, apurou-se que 63% das mulheres presas têm entre 18 e 30 anos, sendo 66% delas pretas ou pardas. Um outro levantamento feito pelo Jornal Nexo, verificou-se que, em presídios femininos, o percentual de presas por tráfico de drogas é de pouco mais de 62%. Enquanto isso, o número de homens detidos chega a aproximadamente 25% do total das prisões. Ou seja, guerra às drogas também tem encarcerado e assassinado mulheres jovens e negras, fato que torna as questões de raça e gênero elementos centrais nas discussões sobre o tema.
Enquanto sujeitas localizadas no cruzamento de diversas opressões, permanecemos invisíveis até mesmo nos grupos nos quais agenciamos. Como bem concluiu Creenshaw, é necessário que ao denunciarmos esse apagamento, destaquemos esse cruzamento de opressões para que não soframos ainda mais em isolamento.
Referências:
Mapa da violência contra a mulher- 2015
Kimberle Crenshaw – A urgência da interseccionalidade – TED 2016
Jornal Nexo – Qual o perfil da população carcerária brasileira -2017.
Imagens: Reprodução web