Durante anos nossos antepassados tiveram suas vontades reprimidas, e seus direitos negados, pois a escravidão não só os submetiam ao trabalho forçado e sem dignidade, mas também a falta de respeito como ser humano.
Hoje mulher negra aos 21 anos, estudante em uma faculdade, vejo que a cada dia mais é necessário buscar o espaço que aos meus irmãos foram retirados, e vou atrás. Mas nem sempre foi assim, desde de nova me sentia inferior, quando criança não era considerada bonita, tinha vergonha dos meus cabelos e por um período onde não havia quem cuidasse dele, faltava frequentemente da escola, com medo das brincadeiras sobre minhas madeixas crespas.
Foram tantas situações ofensivas, onde minha cor foi uma barreira que estabeleciam a mim, e que eu consequentemente estabelecia. Não achava que estudaria, que arranjaria um emprego e que realizaria meus sonhos. Demorei a me amar e até hoje não encontrei alguém que me ame, que me olhe e não enxergue além do estereótipo de mulata.
Via como o corpo da mulher negra era tratado pela mídia e até hoje é, eu me sentia um pedaço de carne, porque nunca enxergava o negro em comerciais de margarina, mas sim no verão, no carnaval, colocando a silhueta, o sex appeal como a única coisa a realmente ser exaltada.
Aos onze anos, começaram a aparecer as curvas, não me considerava bonita, mas de alguma forma, homens mais velhos, me achavam linda, mesmo usando roupas geralmente largas, de algum jeito eles conseguiam ver uma mulher que eu nem sabia se quer que existia. A mulata.
Mas eu, jamais casaria, teria filhos, quem iria gostar de mim? Se nem eu conseguia fazer isso. Quantas vezes, deixei de me olhar no espelho, por vergonha do meu nariz, da minha boca, achava totalmente desproporcional. Demorei muito a começar usar um batom, imagina se começassem a reparar nos meus lábios? Eu não aguentaria.
Na escola, me escondia na biblioteca, no banheiro ou pelos cantos, por medo das provocações, e foi lá que me ensinaram a não amar meu cabelo, chamaram ele de ninho, eles achavam duro, fedido e ele deferia ser liso, então alisei. Acordava diariamente antes do horário, para deixar meu cabelo de uma jeito mais adequado, mas mesmo assim não adiantou, porque agora o “problema” era a cor da pele, me tornei a macaca, mudei de escola, não conseguia mais frequentar aquele lugar.
Eu queria ser aceita, admirada, ser a garota que recebia uma cartinha romântica, mas não eu não fui essas garota, ao invés disso aos 13 anos uma mãe de um aluno na porta da escola, indagou ofensivas racistas, que não era diretamente a mim, porém os olhares voltaram a minha direção.
Nossa como foi difícil arrumar um emprego, vários currículos na mão, sem dinheiro para a condução de baixo de sol, e nada, nem uma ligação, entrevista, nada. Eu não colocava foto, apesar de alguns lugares exigirem, tinha vergonha da minha imagem. Até que enfim encontrei, e dividia o tempo entre terminar o ensino médio e trabalhar, e foi no trabalho que descobri que não conseguia conversar, falar sobre mim, e meus sentimentos, já que durante tempos ninguém se importou muito com isso. O ensino médio chegou ao fim, e com ele o início de uma dúvida que não parecia ter fim, não me achava boa em praticamente nada, mas a sociedade respeita
quem tem um diploma na mão, porém não via negros na faculdade.
Por muito tempo pensava que um ambiente acadêmico não era para alguém como eu, me faziam crer que eu não merecia o que eu via meus colegas brancos conquistando, minha cor havia se tornado um peso que não conseguia mais carregar, minhas inseguranças, falta de amor próprio, e de autoconhecimento, fizeram me afundar e recorri a terapia.
O sentimento de inferioridade é algo que te submete a relacionamentos abusivos, e faz você priorizar as vontades alheias, mas na minha cabeça o pouco que me davam estava bom já que não me sentia merecedora de algo melhor, afinal só de ter me formado no ensino médio e estar trabalhando era o suficiente.
Então passei viver aprisionada, sem voz e força, dizem que a mulher negra tem que ser forte, mas como? Se durante a minha vida toda, disseram –me que era toda errada, trataram-me como um brinquedo defeituoso e sem sentimentos. Que força? Acreditava que não podia isso, e aquilo, me restringiam os lugares que poderia ir, fizeram-me odiar meu cabelo e minha cor, e agradecer a Deus por não ser tão escura. Eu não tinha forças.
O problema é que não reconhecer que é um ser humano e que em baixo dessa minha cor de pele, existem órgãos que desempenham as mesmas funções que a dos brancos, fez com não respondesse a toda injustiça a mim cometida.
Mas um dia, com mais conhecimento, entendo a história do meu povo, lendo sobre o escravismo no Brasil, sobre as terras dos meus irmãos negros que foram deles tiradas, a luta das comunidades quilombolas, a submissão que a negra sofreu e ainda sofre, conhecendo as obras de James Baldwin e a poesia de Victoria Santa Cruz, me fizeram entender que o racismo é estrutural e que era impossível eu não ter passado por isso.
Foi então que decidi, NÃO ABAIXAREI MAIS MINHA CABEÇA, não aguento mais calada, não me submeto a relacionamentos que não me fazem bem por medo de ficar sozinha, aprendi a amar minha cor, meus lábios, meu cabelo crespo, aprendi a amar meu povo negro.
Então, mulher negra, se eu pudesse lhe dar um conselho diria: seja a mulher que guia seus passos, não se humilhe, queira mais do que estão te oferecendo, lute pelos seus direitos, se ame pois de alguma forma o amor vai salvar você, ame sua irmã preta e corra atrás do seu espaço no meio desse racismo que nem sempre está escancarado, mas não se engane minha irmã ele está lá, porém não irá lhe derrubar.
Imagem destacada: Okay África.