O mês de março foi o mês de discutir as questões das mulheres, nesse momento é impossível passar por março sem falar sobre Marielle Franco. Dizer sobre ela indiscutivelmente é discutir sobre a violência institucional a que estamos inseridas e que atinge toda sociedade, em especial a população negra, a lógica capitalista e a violência urbana vem minando nossas forças físicas, emocionais e nossas crenças morais e espirituais.
A sociedade brasileira está estrutura pelo racismo, pelo machismo, pelo sexismo, pela lbftfobia e tantos outros preconceitos, as estatísticas, o mapa da violência e a mídia comprovam os fatos. O encarceramento em massa, o genocídio da juventude negra, além dos assustadores números de feminicídio e sermos o 5º pais do mundo em morte de pessoas trans, ouso dizer que a população negra e as mulheres negras estão intimamente inseridas nessas violências, me fazendo refletir sobre onde pararemos?
A brutalidade do estado brasileiro é alarmante, ela vem arrastando o conjunto da sociedade para a barbárie. Exército na rua. Denúncias. Exílios. Fake news. Assassinatos. O estado reflete a tirania da sociedade civil na sua letalidade, assumindo um corpo guiado pela coerção contrariando a cordialidade pregada por Gilberto Freyre.
Ao contrário desse descalabro social, Marielle Franco foi uma mulher fora da curva. Foi aquela que na hora da virada que a levaria para dentro dos números que atestam a violência, saltou pra fora dos quadros estatísticos e virou ponte de acesso para outras mulheres.
Mulheres como as recém-eleitas deputadas federais Tabata Amaral do PDT, Sâmia Bonfim e Talíria Petrone e as estaduais Renata Souza, Mônica Francisco, Dani Monteiro, Érica Malunguinho do PSOL, estas são sementes que nasceram da perda, brotaram da ausência física da referência que as formaram.
Mulheres como Dandara, Maria Felipa, Conceição Evaristo, Ângela Davis, Maya Angelou, Sueli Carneiro são exemplos de mulheres que transgrediram as barreiras impostas pela sociedade e por isso tiveram condições de superar as invisibilidades e violências as quais a sociedade relegou as mulheres negras, ressignificando o papel dessas mulheres, fortalecendo suas potencialidades, garantido suas existências e proporcionando a outras a oportunidade de ser e permanecer.
A nós mulheres negras foi negada a história, o protagonismo, a força de nossa ancestralidade, o poder de nossas vozes e a a beleza de nossos corpos pelo contrário fomos objetificadas. Marielle Franco foi exemplo da responsabilidade de estar fora da curva e assim poder acessar espaços antes negado a toda uma população e fazer deles instrumento para discutir, alicerçar e organizar forças ancestrais que poderão nos levar a emancipação e transformação de toda uma realidade.
Quando penso em Marielle lembro de outras mulheres que também estão fora da curva, embora passem por situações de violência e subjugação, mas tiveram acesso a universidade por exemplo. Somos aquelas que também estão fora da curva e em escala menor negamos o lugar em que a sociedade insiste em nos colocar.
Marielle esteve fora da curva todo o tempo e por lá estar foi abatida pela covardia daqueles que não admitem a superação das imposições sociais, daqueles que não só detém o poder, mas também arbitram as leis e dividem os espaços, ainda que bruscamente retirada da curva de ascensão da sua existência ela coabita a lavoura de luta e resistência de outras tantas mulheres que a cada dia mais se fazem pontes e curvas, curvas e pontes.
E eu e pergunto como ser uma curva fora do ponto?
No caminho de todas essas mulheres e me incluo nisso, houve pessoas que lançaram sobre elas um olhar de possibilidades e ao caber nessa nova perspectiva foi possível que escapassem da rota traçada até então para elas.
Somos força que crescem. Somos raízes. Seremos flores. Daremos frutos.