Decidi começar um projeto novo. Formei-me em jornalismo em dezembro de 2008 e pelas diversas voltas que minha vida deu, numa delas incluindo uma filha que hoje tem seis anos, demorei certo tempo para me encontrar dentro do mercado de trabalho. Após trabalhar com assessoria, em órgão público e em alguns freelancers na área, descobri no Youtube uma maneira de pôr minha profissão em prática e de agregar junto a isso uma militância que a essa altura já está mais que presente na minha vida.
A ideia de ter um canal estava ativa na minha cabeça desde o começo desse ano, mas minha experiência com vídeo se limitava à faculdade e a alguns trabalhos da época e vamos combinar que muita coisa já mudou nesse universo desde que peguei aquele canudo vermelho e joguei o capelo pra cima. A vida também não se resume ao lattes.
Antes de lançar o canal, decidi estudar a plataforma e as vlogueiras negras que já estão nela há mais tempo. Não é necessária muita busca pra perceber a grandeza de conteúdo na maioria dos canais apresentados por meninas negras que carecem de visibilidade e que estão ali há bastante tempo se dedicando, com um público cativo, mas que ainda não alcançaram um amplo número de acessos. Aceitei meu próprio desafio de lançar meu canal. O Beca com Cê entrou no ar em maio desse ano ainda sem muita certeza do que estava por vir, mas me vi disposta a seguir trabalhando muito pra alcançar meu objetivo.
Quando comecei o planejamento do canal, percebi que precisava ter um equipamento bom, possuir a mínima noção de edição de vídeo e nada disso estava ao meu alcance. Tive a oportunidade de chamar algumas amigas produtoras que colaram comigo no projeto, mas apesar de já ter tudo isso organizado, veio o desafio de organizar as pautas e sobre o que eu ia falar. Sabia que queria algo feminista, negro e que falasse sobre nossas pautas de uma forma leve e didática.
Difícil mesmo foi quando vi a câmera. O primeiro vídeo do canal demorou mais de uma hora pra ser gravado e dar um resultado de pouco mais de cinco minutos. A vergonha era grande. Fiquei super tímida. Coisa que foi diminuindo gradativamente. Vejo uma diferença muito grande dos dois primeiros vídeos que estão no canal pra o que tá lá mais recentemente. Essa semana gravei dois vídeos que ainda vão ar e gravei os dois no mesmo dia em meia hora.
Tá tudo fluindo mais fácil, bem mais natural, mas foi preciso começar. Por mais que encontremos dificuldades, buscar algumas alternativas é importante. Nesse tempo de um mês, percebo o quanto temos conteúdo pra apresentar e o quanto a falta de visibilidade nos atinge, mas estar lá é reivindicar. Conseguir ter o trabalho visto e conhecido na internet é muito difícil. Fui percebendo aos poucos que ser mulher negra e youtuber é um ato revolucionário. Passa longe de holofotes.
Existe um diferencial e um abismo bem gritante ao analisarmos as propostas apresentadas no Youtube Brasil. As maiores youtubers do país são respectivamente Kéfera Buchmann (aquela do black face e da transfobia) e Jout Jout. Meninas brancas que estão bem satisfeitas com seus trabalhos e seus milhões de seguidores (sim, eu disse milhões). Seus vídeos passeiam como entretenimento, o que não é algo ruim nem ilegítimo, mas é necessário colocar que o trabalho de gravação das meninas negras segue ali com um material bem diferente.
Percebo que a maioria de nós está no Youtube falando de estética negra, das lutas diárias e de empoderamento. Existem falas sobre entretenimento, mas é como se encontrássemos no vídeo uma forma de gritarmos nossas inquietações e observações e sermos vistas. Mais que isso, chegamos também no fatídico ponto de percebermos que a maioria de nós encontra no Youtube uma ferramenta de trabalho e de uma possível e necessária remuneração o que pra maioria das meninas brancas começa mesmo com o desejo por serem mais conhecidas e de se tornarem pessoas mais populares. Pra gente o negócio funciona de um jeito bem menos lúdico.
Eu honestamente ainda não sei bem que rumo meu trabalho vai tomar, mas sei que pras coisas funcionarem mesmo pra gente, precisaremos umas das outras e que esse trabalho de fortalecimento deve acontecer por maior visibilidade de causas, por menos racismo nas redes e por nós mesmas.
Imagem destacada – Beca com Cê, arquivo pessoal.