Um dos marcos do XIII Encontro Feminista Latino Americano e do Caribe, as mulheres afrodescendentes de países como Colômbia, Chile, Costa Rica, Peru, Brasil e Canadá, buscaram debater e compartilhar suas ideias sobre os problemas de discriminação que enfrentam por causa do racismo.
Pobreza, violência e exclusão foram os problemas discutidos durante a atividade autogestionada e que, segundo essas mulheres, afetam as afrodescendentes especialmente em países em conflito interno, como é o caso da Colômbia, onde são elas que representam a maior porcentagem de vítimas de violência sexual.
Para Eshe Lewis, antropóloga canadense, radicada no Peru há cinco anos, os principais problemas que afetam as mulheres afrodescendentes são a invisibilidade e falta de integração na sociedade. Em sua opinião,é muito importante que suas vozes e histórias possam ser escutadas pela sociedade.
Reunidas, as mulheres perceberam que dentro do encontro – tanto nas plenárias quanto nas atividades autogestionadas – havia uma presença limitada de mulheres afrodescendentes, as companheiras se uniram para construir um ato que tomaria o folego, traria emoção e agitação ao evento.
No dia 24 de novembro, as mulheres negras ocuparam o palco, todas juntas. Depois de recitar “Me gritaron negra”, poema emblemático da artista peruana Victoria Santa Cruz, o grupo de feministas afrodescendentes presentes no XIII Encontro Feminista de América Latina e Caribe (EFLAC) leram um manifesto no qual demandavam maior participação e inclusão no interior dos espaços de debate feminista.
“Questionamos nossa invisibilidade na agenda formal e oficial deste encontro, cuja práxis não é coerente com o Manifesto Político do mesmo”, ressaltamos. Evidenciamos também, nossa participação e contribuição “na construção e desenvolvimento da América Latina e Caribe”e exigimos que na próxima sede do EFLAC, assim como em outros encontros feministas, sejam garantidas a participação das Mulheres do Movimento Afrodescendente no grupo impulsor e organizador, “de maneira não improvisada ou por cota, mas sim agendada, planejada, monitorada e antecipada”.
A leitura do poema foi espontânea e aclamada por todas as presentes, que escutavam atentas o precioso e sensível texto escrito pela falecida compositora afroperuana. Sobre isso, a feminista brasileira Daniele Almeida, sinaliza que “quando Victoria Santa Cruz escreveu o poema, ele não foi feito para o feminismo negro”, e sim “reivindica e fala de um problema de racismo e da construção de una identidade de mulher negra peruana”.
Para Almeida, o mencionado poema marca uma posição do processo de identidade de una mulher negra sofrendo racismo e reflete como se alcança a transformação da rejeição da sociedade por sua condição de cor, em uma arma de luta.
“Estamos buscando o fortalecimento da identidade afro da mulher negra e a visibilidade dessas mulheres na sociedade”, finalizou.
MANIFESTO MULHERES AFRODESCENDENTES, PRESENÇA E PALAVRA
Nós, feministas negras a partir de todas as identidades que nos habitam, desde o Alaska até a Patagônia, participantes do 13 Encontro Feminista Latino Americano e do Caribe, realizado na cidade de Lima entre os dias 22 a 25 de novembro de 2014,
Afirmamos que desde o início do rapto e comércio da rota transatlântica de nossos ancestrais do continente Africano, terra Mãe.
Reafirmamos a necessidade de evidenciar a construção e o crescimento econômico do sistema capitalista e racista em que vivemos, que está sustentado e se sustenta a base da exploração das Mulheres Afrodescendentes no mundo.
Reivindicamos o aporte das Mulheres Afrodescendentes na na construção dos feminismos desde nossas práticas de resistência.
Questionamos nossa invisibilidade na agenda formal e oficial deste encontro, cuja práxis não é coerente com o Manifesto Político do mesmo “O reconhecimento da diversidade sexual e de gênero, as características multiculturais e multiétnicas da América Latina, não tem sido um processo fácil”.
Exigimos que no próximo país sede e nos seguintes encontros se cumpra o critério mencionado anteriormente, garantindo a participação de Mulheres Negras no grupo impulsor e organizador de maneira que não seja improvisada ou a preencher espaços vazios, mas sim agendada, planejada, monitorada e antecipada.
Garantindo a visibilidade e a abordagem das pautas a partir de um enfoque de interseccionalidade frente a DÉCADA DOS AFRODESCENDENTES, a fim de que se traduza em estratégias de implementação por parte dos estados da América Latina e do Caribe, em articulação com o movimento afrodescendente, acompanhado de processos de avaliação e monitoramento.
O sistema heteropatriarcal, gerador de racismo e classismo, tem expropriado o corpo das mulheres negras naturalizando a violência contra nossos corpos, nossa pele, cabelos, desejos, memórias e sonhos, apontado-nos como estranhas nos territórios em que vivemos e ajudamos a desenvolver.
Incorporar o reconhecimento de nossos valores culturais, étnicos e tradições ancestrais, para erradicar as práticas discriminatórias e situações de desigualdade e violências que enfrentam as Mulheres Negras nos distintos âmbitos onde atuamos, como uma estratégia que potencialize nossa participação e autonomia em pleno exercício dos nossos direitos humanos para a realização do nosso desenvolvimento sócio político, econômico e cultural contra a imposição dos estereótipos em relação a nossa identidade cultural.
Lima-Perú, 24 de Novembro de 2014