Conceição Evaristo é uma escritora mineira negra de renome. Escreve tanto em prosa quanto em versos, e entre sua obra estão romances, contos e poemas. É doutora em Literatura. Teve uma infância humilde na cidade onde nasceu, porém rica em palavras e em histórias. Valoriza muito o legado das mulheres de sua família, que lhes possibilitaram vivenciar histórias que a marcaram e que lhe inspiraram a veia literária. Como ela mesma diz, sua obra é uma “escrevivência”, o que nos remete à escrita como vivência, mas também como forma de memória e de resistência. A autora está atualmente sendo homenageada em uma ocupação que leva seu nome no espaço Itaú Cultural.
Na obra “Insubmissas Lágrimas de Mulheres”, Conceição convida mulheres a contarem suas histórias, que ela transforma em estórias, criando a partir delas, pois seu compromisso não é com a veracidade do relato, mas com a representação da força dessas vozes femininas que têm uma história muitas vezes marcada por abandono, abuso, sofrimento, mas que se fortalecem e reconstroem suas vidas.
Ao ouvir cada história, contada espontaneamente, a autora revela suas impressões sobre cada personagem e os traços característicos de cada uma. Apesar de todos os relatos serem diferentes, há algo em comum em todas essas mulheres, com as quais facilmente nos identificamos ao nos deparar com suas vivências. São mulheres cuja história foi marcada por obstáculos diversos, entre eles machismo, racismo e homofobia, por exemplo, mas que transformaram os obstáculos em força propulsora para a emancipação.
Algumas personagens são convidadas a relatar sua história e outras se oferecem espontaneamente, ávidas por compartilharem sua vivência, sua resistência. São mulheres jovens e mais velhas, heterossexuais e homossexuais, de condição financeira humilde ou abastada, solteiras, separadas, casadas, nem santas, nem profanas, ou seja, são mulheres reais, mulheres plurais que refletem a multiplicidade de mulheres na sociedade. Quem ouve o relato se vê, se reconhece, se identifica com cada uma delas, porque elas dialogam com cada uma de nós.
O mais interessante na obra de Conceição é que cada conto recebe o nome de sua personagem principal, ou seja, o nome da mulher que conta sua história. Ao longo da obra nos deparamos com temas diversos como abuso, estupro, abandono, orientação sexual, sequestro, virilidade, maternidade, criação artística, doença, morte, paixão, solidão, isolamento, entre outros. Cada voz convidada ao relato nos envolve e sua narrativa nos emociona, nos faz rir e/ou chorar, faz com que nos reconheçamos umas nas outras personagens.
Conceição nos leva a ver a força de cada uma dessas mulheres, nos faz refletir em como desde cedo as mulheres se doam, carregam o mundo nas costas, se sacrificando pela felicidade de todos ao seu redor, cuidando das feridas alheias, e muitas vezes se esquecendo das suas. Cada voz é marcada por dissabores, mas também pelo perdão, pelo enfrentamento, pelo fortalecimento da autoestima.
Uma das personagens da obra chega até mesmo a mudar seu nome de batismo ao perceber que esse foi escolhido como punição por ter nascido do sexo feminino, o que foi considerado uma afronta por seu pai, que queria dar origem apenas a uma prole masculina, repudiando o nascimento da filha. Já outra mulher permite que seu companheiro se relacione sexualmente com outras mulheres ao perceber que ele não aceita o envelhecimento e encara a perda da virilidade como um fracasso.
Cada uma dessas mulheres retratadas na obra toma as rédeas de sua vida e dribla as condições difíceis que se apresentam principalmente devido a sua condição em uma sociedade marcadamente machista. São mulheres que reconhecem a força que brota de seu ser e se enfrentam as adversidades, indo em busca de sua realização pessoal.