Por Monique Evelle para as Blogueiras Negras
Não me manifestei até o momento sobre Amarildo. E também não fiz campanha nas redes sociais, apenas observei e acompanhei publicações e notícias sobre o caso. Antes de comentar sobre o caso de Amarildo, vale pensar um pouco na sociedade que vivemos. Cada um faz a reflexão que achar melhor.
“A periferia nos une pelo amor, pela dor e pela cor”. Salve Sérgio Vaz! O amor pela nossa comunidade, a dor pelas semelhanças das nossas lutas diárias e a cor porque somos, na maioria, pretos. Pois bem, quem nunca viu ou ouviu alguém relacionar moradores de periferias com traficantes de drogas? Quem nunca assistiu um noticiário onde o negro é colocado como o protagonista no atentado contra a cidadania (assassinato, roubo etc)? Quem nunca assistiu filmes onde pretos, pobres de periferia são usuários de drogas seja lícita ou ilícita, mal educados, prostitutas etc? Como se não bastasse o preconceito racial, social e geográfico, a mídia sensacionalista ainda coloca lenha na fogueira.
O Estado é responsável pelo bem-estar dos cidadãos. Mas na prática, nem sempre isso acontece. A polícia é o Estado e os policiais são os cidadãos (?). Existe uma linha muito tênue e parece incompreensível. O braço armado do Estado, ao mesmo tempo em que deveria representar a proteção, representa o risco. No Rio de Janeiro, por exemplo, muitos homicídios cometidos por policiais foram registrados como “autos de resistência”, quando, possivelmente, seriam execuções. Acredito que não seja diferente no restante do país.
Conheci várias histórias de Amarildos. Um era morador de rua que, da noite pro dia, desapareceu enquanto dormia. Outro era universitário negro que após uma abordagem policial não voltou para casa. Outra história foi… etc… etc… etc… Agora tem outra história que ganhou espaço nas mídias sociais e tradicionais. Depois da Operação Paz Armada no dia 14 de julho na favela da Rocinha (RJ), policiais levaram Amarildo (mais um) para UPP. Segundo policias, Amarildo foi liberado logo em seguida. É, mas ele não chegou em casa até hoje. A Justiça do Rio negou o pedido da família de Amarildo para declarar morte presumida. Vale destacar em caps lock a seguinte fala do juiz Luiz Henrique Oliveira Marques, da Vara de Registro Público “O DESAPARECIMENTO TERIA OCORRIDO QUANDO AMARILDO SE ENCONTRAVA EM PODER DE AGENTES DO ESTADO, O QUE, POR SI SÓ, NÃO GERARIA PERIGO DE VIDA”. Ok meritíssimo, meu nome não é Alice!
Não irei prolongar, pois um caso como esse perpassa por diversas questões. O fato é que estamos presenciando a olho nú a limpeza étnica. É só olhar que casos como esses acontecem constantemente em todo o país e de forma semelhante e com pessoas com características semelhantes. Ouvi um comentário assim: “Ele é traficante rapaz , deve ter fugido da polícia para não ser preso depois.” É, meu Brasil.. são pensamentos como esse que não dá espaço para dialética. Aposto que essa pessoa não conhece a história de vida do Amarildo.
Fui facilitadora da oficina sobre Cota Racial nas Universidades Federais no Seminário Regional Nordeste da ABMP em Fortaleza. O interessante que fui “objeto de estudo”. Um grupo falou: “Você é bonita, inteligente, universitária, não é cotista… então nunca vai sofrer preconceito e não vai ser discriminada. Deve ser muito fácil para você conseguir empregos e o que quiser. Todo mundo te conhece e sabe que você é boa no que faz” Eu respondi: “Não sou cotista, mas ser ou não ser cotista não faz você escapar do preconceito e discriminação do dia a dia. E calma lá! Sou anônima. Se acontecer qualquer coisa comigo, acredito que as pessoas não vão relacionar minha imagem com de uma menina que é boa no que faz”.
Por mais que eu tenha diversas representatividades (Desabafo Social, ABMP, SaferNet etc), o que importa para essa selva de pedras é que eu sou negra e moradora de periferia. Como já havia citado anteriormente, os casos de desaparecimento relacionados com abordagens policiais , acontecem com pessoas de características semelhantes (negros, pobres, moradores de comunidades etc). Caso eu sumisse, de um hora para outra, será que eu não seria vista como usuária de drogas ou algo tipo? Mas enfim, Monique à parte, cadê os Amarildos?