Desde o episódio em que Eronildes Vasconcelos Carvalho, a deputada Tia Eron, que se tornou aquela que poderia definir o destino do então deputado Eduardo Cunha, temos refletido em como nossa atuação política tem afetado as bases deste país, que tem uma história de apenas 129 anos de liberdade institucional.
Para a imprensa golpista, o fato de a deputada Eron ter passando algumas horas no anexo da câmara no ano passado, quando se articulava o golpe, teria o efeito em que se fosse mais notada sua ausência do que sua presença. E então nos perguntamos: não tem sido sempre esse o olhar da branquitude sobre nós? De nos tratar como objeto disponível que só é percebido se não está lá? Como jogam deliberadamente as elites com nosso discurso e nossa articulação política? Quantas de nós se submete aos desígnios da Casa Grande e se perdem no caminho da genuína representatividade política? Quantas de fato somos as corajosas a enfrentar esse sistema político arcaico e patrimonialista?
Segundo dados do próprio TSE, analisados pelo Inesc, nas candidaturas de 2016 haviam apenas 14,2% de mulheres negras concorrendo à vereadora e o quase zero absoluto de mulheres negras concorrendo à prefeitura com 0,13%. Somos 51% da população brasileira e nos parece ingênuo desconsiderar esses números, visto que a política brasileira é feita propositalmente para nos afastar desses espaços, quando os discursos de corrupção, roubo e partidarismo são construídos a fim de categorizar indivíduos que não se envolvem como “idóneos”.
Somos empurradas para fora das fronteiras da participação política, nos fazendo acreditar que aquele lugar não é para nós, mulheres negras. E que se ousarmos entrar e tentarmos uma campanha política partidária limpa, com pouca grana, com pautas relevantes e nossas, corremos o risco de ser taxadas de “traidoras do movimento”. Se puxarmos pela memória, lembraremos de candidatas assim como Mariela Franco (RJ), Áurea Carolina (BH) – ambas eleitas na suas cidades – e além delas tantas outras, que mal eram mencionadas ou recebiam apoio dos seus respectivos partidos.
Se pudéssemos inverter essa lógica e nos perguntar qual é a possibilidade da mulher negra nesta política que aí está, uma discussão pra lá de válida agora que estamos falando sobre o espaço ocupado – um Ministério! – pela juíza Luislinda Valois a quem tem sido dirigidas muitas críticas, pensariam [eles] que nos damos por satisfeitas. Estamos lá, mas quem somos?
Muitas tem se lembrando da trajetória de Valois para, ao mesmo tempo, entender que hoje estaria nesta posição, subserviente aos mandos e desmandos da branquitide. De fato, sua posição não pode ser entendida fora do contexto em que se insere e ele é como ele é, um espaço golpista, feito por homens brancos, machistas, racistas, homofóbicos e transfóbicos. O caldo podre é praticamente infindável e infelizmente Valois é apenas um objeto dentre toda essa conjuntura escrota e deliberadamente prejudicial às mulheres negras.
O comitê impulsor da Marcha de Mulheres Negras de São Paulo escreveu nesta manhã:
“A política do apadrinhamento remete aos tempos coronelistas. Era através dessa forma de lidar com as pessoas que a Casa Grande mostrava sua força junto a população local e negra. Reivindicar isso é reivindicar que as mulheres negras brasileiras são seres de segunda classe e que devem baixar a cabeça para “padrinhos” brancos para assim poderem estar nos espaços de poder e da política.”
Reiteramos: Nós Blogueiras Negras não somos representadas por um presidente ilegítimo que nunca apadrinhará nossa luta. Somos cidadãs e nossa preocupação é primeiro lugar com a queda desse governo ilegítimo que sequestra nossos direitos e rompe completamente com nossos planos como nação. Em segundo lugar nos preocupamos não apenas em romper com a barreira da representatividade, mas alcançarmos a paridade quando o assunto é política, entendendo que somos a maioria da população e precisamos ocupar o espaço que nos é de direito.
Quais os caminhos precisamos percorrer para que mais e mais mulheres negras cis e trans façam política pelo lado de dentro da porta (?) é uma pergunta que ainda não tem resposta, porém continuamos no caminho que se faz caminhando. As declarações de ministra do governo golpista são de fato injustificáveis, mas a ocasião nos serve para debater se basta que a gente esteja do lado de dentro ou se nós queremos muito mais.
#MulheresNegrasContraTemer
#TemerNãoÉNossoPadrinho
Imagem de destaque – Colette Carlson