Desde o dia 19 de outubro, o Museu da Abolição, em Recife, abriu a exposição coletiva Os da Minha Rua com onze artistas de várias partes do país. A iniciativa se configura como uma possibilidade de valorização dos artistas negros em um museu que, como o próprio nome indica, estaria dedicado à discussão das questões afro-brasileiras. Além da mostra das obras, que estará até 15 de dezembro, outras ações de formação foram pensadas para compor a programação, entre elas um minicurso com a artista e pesquisadora paulista Rosana Paulino, “Arte afro-brasileira: novos lugares, novas falas.”
Nós artistas negras e negros fomos ao vernissage, ao citado minicurso e estamos acompanhando a programação da exposição Os da Minha Rua. Constatamos, infelizmente, situações racistas que não só deveriam ser evitadas em qualquer espaço, mas que tomam contornos do absurdo quando acontecem em um suposto lugar dedicado à cultura e às artes de origem africana e afro-brasileiras. Há espaço para arte, mas não para os artistas e pesquisadores negros? Há uma dissociação entre as obras (a produção artística) e o povo que a produz? O que observamos não condiz com o discurso museal da instituição, cujo acervo resguarda importantes trabalhos da arte afro-brasileira e também obras originárias de diversos países do continente africano.
Pensar ações de acesso das pessoas negras às atividades do museu seria fundamental como política de inclusão socioeconômica, ao considerar especificidades da população negra. No entanto, não houve essa preocupação da parte da organização e, mais uma vez, os negros e negras eram minoria nas atividades.
Essa situação se tornou alarmante durante o minicurso Arte Afro-Brasileira: Novos Lugares, Novas Falas. Em que havia uma quantidade maior de pessoas brancas, ocupando completamente as duas primeiras filas da sala, de forma que as pessoas negras estavam ao fundo, em segundo plano. Diante deste fato, um grupo de artistas pretxs fizeram uma performance na qual reivindicavam um outro lugar para melhor apreensão do conteúdo do minicurso, demarcando nos assentos das cadeiras frontais a frase “Lugar de Pretx”, durante o segundo turno da atividade.
A intervenção provocou na curadora da mostra uma reação inesperada, com a atitude de virar de cabeça para baixo uma das cadeiras onde estava escrito “Lugar de Pretx”, demonstrando incômodo e comentando que também realizava uma performance naquele momento, depois se dirigiu para outra cadeira. Pretxs sentaram-se nos assentos etiquetados, à frente da facilitadora, mas nada mais foi comentado sobre a ação por ninguém até o fim do minicurso. Na saída, a performance foi questionada: uma preta foi abordada por um branco e uma branca, acadêmicos, que reivindicaram os assentos frontais, por eles ocupados no turno da manhã, argumentando terem chegado mais cedo e que também tinham mais necessidade de assimilação do conteúdo, já que eram professores universitários.
Evidenciou-se, portanto, a mesma lógica racista da organização de poder, marginalizando, uma vez mais, as pessoas pretas. Quando realmente propomos uma reorganização do espaço com protagonismo negro, muitas das pessoas brancas que lá estavam não entenderam a colocação e se sentiram no direito de reclamar e reafirmar que aquele espaço deveria ser ocupado por elas. Além disso, constitui uma atitude grave que esse tipo de colocação venha da curadoria, branca, que aprovou o projeto no valor de R$ 130.620,00 pelo Fundo Pernambucano de Incentivo da Cultura – FUNCULTURA 2016/2017, e foi incapaz de entender nuances específicas da realidade do ser negra/ ser negro no Brasil, em relação à esfera artística e social. Essa mesma curadoria evidenciou a discriminação racista e elitista ao convidar de última hora artistas residentes nas periferias do Recife para participar do vernissage, mas sem cachê pelas suas apresentações, sem lugar na ficha técnica.
Haverá novos lugares e novas falas somente quando consigamos novos acordos de convivência e, para isso, constitui-se como imprescindível que as pessoas brancas assumam seu lugar de privilégio e se proponham a reorganizar as interações sociais com as pessoas negras. Repudiamos as atitudes racistas que perpetuam a mesma estrutura colonial no Museu da Abolição através da programação da exposição Os da Minha Rua. Defendemos a legitimação do espaço, da voz e da realidade da população negra. Nós existimos, nós resistimos.